Quem disse que estamos condenadas a perder a memória e a agilidade com o passar do tempo? A neurociência aponta o que fazer para manter saudável o órgão mais nobre do corpo.
Cristina Nabuco e
Foto: Science Photo Library
O neurocientista brasileiro Miguel Nicollelis, professor da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e autor de Muito Além do Nosso Eu (Cia. das Letras), diz que perdemos neurônios a partir dos 18 anos. Por um século, a medicina acreditou que o desgaste fosse irreversível e o cérebro incapaz de se reparar. Nas últimas duas décadas, descobriu-se que células nervosas continuam a ser criadas na idade adulta. E que as tarefas cerebrais não são realizadas por células isoladas, mas por múltiplos neurônios, interagindo como uma orquestra. Outra descoberta fantástica: a rede de células se encarrega das atribuições dos neurônios perdidos, compensando sua ausência.
É a capacidade de se rearranjar, denominada plasticidade cerebral, que oferece a possibilidade de recuperação em casos de lesão no cérebro. Ela ainda preserva a habilidade de aprender na velhice. A neurocientista Cheryl Grady, da Universidade de Toronto, no Canadá, constatou que a partir da meia-idade o ser humano usa mais os dois lados do cérebro, o que permite fazer análises amplas das circunstâncias e resolver melhor os problemas. Um indício de que não somos obrigadas a aceitar passivamente as limitações do envelhecimento. Ao contrário, podemos interferir no processo para impedir que o cérebro enferruje. “A plasticidade afeta o cotidiano e enterra qualquer vestígio de determinismo”, diz o psiquiatra Norman Doidge, da Universidade Columbia, autor de O Cérebro Que se Transforma (Record). O livro mostra que estímulos alteram a estrutura e o funcionamento do órgão. “A cabeça tem de estar ocupada com desafios”, alerta Orestes Vicente Forlenza, vice-diretor do Laboratório de Neurociências da Faculdade de Medicina da USP.
Malhação mental
Passar o dia vendo TV aumenta o risco de problemas. “A menos que se escolham programas que motivem a pensar”, afirma Sonia. Ler, participar de jogos de tabuleiro e aprender novas habilidades reduz em 50% a perda de memória. A conclusão é da neuropsiquiatra americana Yona Geda após acompanhar 1,3 mil voluntários. O efeito positivo cresce quando há envolvimento emocional e prazer, explica Orestes: “Uma coisa é fazer palavras cruzadas por fazer. Outra é estudar uma língua e usá-la numa viagem; pesquisar história da música e ir a um concerto”. No contraponto, a overdose de atividades prejudica mesmo quando provém de uma fonte só, como o computador. As pessoas interrompem a leitura, abrem links, conferem e-mails, olham o Facebook, o que sobrecarrega a atenção. “Com os múltiplos estímulos, a concentração desaba – as chances de memorizar caem”, diz Sonia. O dom das multitarefas – atribuído às mulheres – é um mito e passa longe da eficiência. Na hora de folga, as mães checam a lição das crianças enquanto veem o noticiário e redigem um relatório. “O cérebro não foi projetado para se fixar em duas ou três coisas simultâneas. Há risco de erro e de não gravar os dados na memória”, alertam os neurocientistas Stephen L. Macknik e Susana Martinez-Conde em Truques da Mente (Zahar). O saudável, eles lembram, é fazer uma coisa de cada vez.
Vida ativa
Um estudo identificou o aumento nas conexões nervosas de adultos sedentários que passaram a caminhar três vezes por semana. A prática regular de atividade aeróbica, como natação, corrida, ciclismo e dança, estimula a formação de células nervosas e libera substâncias protetoras dos neurônios – o que auxilia na associação de ideias, no aprendizado e na fixação na memória. Além disso, combate a ansiedade e a depressão. “O exercício físico é um dos melhores estabilizadores de humor que a neurociência moderna conhece”, registra a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no livro Fique de Bem com Seu Cérebro(Sextante). Também ajuda a queimar a perigosa gordura visceral, que se acumula no abdome e, segundo pesquisadores do Hospital das Clínicas da USP, produz substâncias inflamatórias que caem na corrente sanguínea, interferindo na transmissão de informações entre os neurônios.
Prato reforçado
A alimentação equilibrada e variada é essencial para o funcionamento do cérebro. Alguns alimentos se destacam: “Peixes como salmão, atum e sardinha e algas fornecem ácidos graxos ômega 3, em especial o DHA (docosa-hexaenoico), que faz o neurônio trabalhar melhor”, afirma a professora de bioquímica Glaucia Pastore, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. Os cientistas perceberam maior incidência de depressão, transtorno de déficit de atenção e esquizofrenia onde há baixo consumo desse ácido graxo. Outro aliado é a colina, micronutriente encontrado na gema do ovo e na lecitina da soja. “É a matériaprima para a síntese da acetilcolina, que atua na inter-relação das células da memória”, acrescenta a professora. Para neutralizar os radicais livres – produzidos porque o cérebro consome muito oxigênio, cerca de 25% do total do que inalamos – devem ser incluídas na dieta boas fontes de antioxidantes: frutas cítricas (vitamina C), frutas vermelhas (antocianina), azeite de oliva e castanhas (vitamina E), frutas e hortaliças amareladas e vegetais folhosos (carotenoides). Cinco porções de frutas e verduras por dia é o ideal. “Tudo que faz bem para o coração é ótimo para o cérebro”, lembra Orestes Vicente. No prato, deve haver fibras (aveia, feijão e massas integrais). Já o açúcar, o sal e as gorduras saturadas (carnes gordas, pele de frango e leite integral) devem ser bem reduzidos.
Vilões sob controle
Um pouco de adrenalina deixa a mente alerta e a memória vigilante. Mas, quando a concentração é grande e a tensão se arrasta, o benefício desaparece. “Excesso de trabalho que rouba tempo de lazer e de conviver com a família deixa as pessoas deprimidas e ansiosas e causa desequilíbrio psíquico”, alerta o neurologista Ricardo Teixeira, do Instituto do Cérebro de Brasília, criador do blog ConsCiência no Dia-a-Dia.O stress crônico reduz a formação de novas células e a comunicação entre elas, sobretudo no hipocampo, região associada à aprendizagem e à memória. Um estudo da neurobióloga Rajita Sinha, da Universidade Yale, nos Estados Unidos, observou que depois da morte de um ente querido ou do fim de uma relação amorosa importante, o cérebro pode encolher. Mas tudo indica que a plasticidade garante meios de reverter o quadro e socorrer o cérebro, diz Rajita. Aliás, cultivar amizades (ainda que o contato se limite às redes sociais) protege a massa cinzenta, assim como ter uma atitude mental positiva. Para Norman Doidge, o que uma pessoa imagina se torna um gatilho para emoções e ações: “Os bons pensamentos são capazes de ligar os centros de prazer do cérebro da mesma forma que a presença de uma pessoa querida”. Na lista dos inimigos, ainda estão o cigarro e álcool em excesso. Eles podem danificar as células nervosas. Problemas de saúde também precisam ser controlados: colesterol alto, hipertensão arterial e diabetes comprometem os vasos sanguíneos – e má circulação acaba prejudicando o funcionamento do cérebro, adverte Sonia. Na Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, realizada em julho do ano passado em Paris, foi dada a boa notícia: a saúde bem cuidada é um bálsamo para a mente. Metade dos casos de Alzheimer, doença degenerativa que arrasa os neurônios e apaga a memória, poderia ser evitada se fossem eliminados o fumo, o sedentarismo, a pressão alta, o diabetes, a obesidade e os quadros depressivos. Assim, talvez seja possível estimular novas conexões neurais e, finalmente, vencer essa e outras doenças.
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Postado por Antonio Celso da Costa Brandão no Boas Práticas Farmacêuticas em 7/03/2012 11:07:00 AM
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