7.15.2013

A história sem fim das reformas nos prédios públicos

Obras têm seus prazos de entrega adiados diversas vezes e frequentadores dos espaços têm sensação de abandono

Tamyres Matos
Rio - Fechado para obras. Esta frase pode causar arrepios em amantes de cultura, principalmente se estiver estampada em algum dos lugares que costumam frequentar. É comum no Brasil, os prédios públicos estourarem os prazos de entrega e os orçamentos iniciais. Quando se trata de uma instituição associada à cultura, a morosidade é ainda mais habitual.
Obras na Sala Cecília Meireles em andamento
Foto:  André Mourão / Agência O Dia
Membro do conselho deliberativo do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Marat Troina Menezes acredita que o problema esteja na maneira como as licitações de obras públicas são realizadas. Ele esclarece que, para que uma obra complexa seja executada, é necessário uma série de desenhos específicos. Ainda segundo ele, é fundamental que as intervenções comecem com um projeto executivo completo já pronto e feito por uma empresa diferente daquela que vai executar os reparos.
"Hoje em dia, as obras estão sendo licitadas com projetos em nível muito preliminar de definição. O que os arquitetos defendem é que as obras públicas sejam licitadas com um projeto executivo em mãos. A construtora que vence a licitação acaba ficando responsável por desenvolver o projeto e a obra. E este é o que podemos chamar de fio da navalha. Ela fica com um rol de variáveis muito grande em seu domínio, ela pode redefinir o projeto e escolher se a obra será mais rápida ou mais lenta, mais cara ou mais barata. A licitação única é o problema", resumiu.
No Rio de Janeiro, um local que ilustra esta situação é a Sala Cecília Meireles. A casa de
concertos, localizada no coração da Lapa, região central da cidade, passa por obras desde 2009. As apresentações que ocorreriam no local passaram a ser transferidas para outros espaços na cidade e assim continua acontecendo até hoje.

Em 2011, houve uma retomada do projeto com um orçamento de R$ 12 milhões e reinauguração prevista para o primeiro trimestre de 2012. A secretária estadual de Cultura do Rio, Adriana Rattes, e o diretor da Sala Cecília Meireles, João Guilherme Ripper, anunciaram que o local passaria por uma reforma que aumentaria a integração entre o espaço e a cidade. A maior transformação prevista seria no salão de entrada, planos que permanecem os mesmos, mas com um novo cronograma.
Inclusive, nesta sexta-feira, ainda era possível ler um pedido de contribuição financeira no espaço do site da Secretaria Estadual de Cultura dedicado à Sala com o seguinte aviso: "Você, frequentador e parceiro da Sala Cecília Meireles, espaço da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, sabe que ela está passando por um grande trabalho de reforma interna e de meticuloso restauro de suas fachadas, com o patrocínio do BNDES e da Claro. Quando reabrir, no segundo semestre de 2012, o Rio de Janeiro passará a dispor de uma sala de concertos totalmente renovada, à altura das melhores do mundo".
Previsão é de que reforma no espaço seja concluída apenas no final de 2014
Foto:  André Mourão / Agência O Dia
De acordo com a secretaria, a reforma e modernização do prédio é uma obra complexa, por se tratar de um prédio do final do século XIX, "readaptado para vários usos, ao longo das décadas, tais como hotel, cinema e teatro. O ponto crítico da primeira etapa desta obra foi a recuperação estrutural da área interna do prédio, o que demandou reforço de todas as vigas, incluindo as da plateia e do foyer, e a demolição das lajes da plateia, para a reconstrução de outras novas. Todo o interior do prédio precisou ser demolido e reconstruído, mantendo-se apenas a fachada".
Ainda segundo a secretaria, atualmente são 100 operários em trabalho diário na reconstrução do prédio. "Estamos iniciando a fase de alvenaria, instalações, esquadrias, marcenaria acústica e ar condicionado. A próxima etapa será a instalação da caixa cênica, do mobiliário, e a finalização da restauração da fachada, mais os acabamentos". A nova previsão é de que as obras sejam concluídas apenas no final de 2014.
O Teatro Villa-Lobos vive uma situação parecida e houve um agravante: um incêndio atingiu o local quando sua reforma anterior era concluída, em 2011. O espaço está fechado desde 2010 e deve reabrir no segundo semestre de 2014. É mais um caso onde é ressaltada a necessidade de modernização e ampliação, processo que acaba por interromper as atividades das instituições culturais por anos a fio. O projeto, também coordenado pela Secretaria de Cultura, tem custo estimado de R$ 36,7 milhões.
Ansiedade pelo retorno do Centro de Artes da UFF
Desde novembro de 2009, os moradores de Niterói não podem mais contar com o Centro de Artes UFF, com seu cinema, teatro e sala de exposições. Último cinema de rua da cidade da Região Metropolitana, o local trabalhava com preços populares - sessões às segundas-feiras custavam apenas R$ 2 a todos - em total (e favorável) dissonância com os altos valores cobrados pelo mercado exibidor comercial.
Integrado à comunidade, o centro de artes recebia um público de todas as idades que se encontrava para conversar, ouvir música em pequenos shows no gramado, participar de debates... mas surgiu a necessidade da modernização e adequação a demandas de acessibilidade. A previsão inicial era que as obras fossem concluídas ainda no fim de 2010, o que não aconteceu.
Grupo movimento #Cinejá protestou no início deste ano contra a demora na entrega do Centro de Artes da UFF à população
Foto:  Reprodução Internet
A justificativa para este primeiro atraso, dada em entrevista ao Globo pelo reitor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Roberto Salles, em abril do ano passado, foi de que uma mina de água encontrada no subsolo do terreno teria provocado o problema. A explicação do superintendente de Arquitetura e Engenharia da UFF, Luiz Augusto Cury Vasconcellos, no entanto, é diferente.
"Foram encontradas tubulações de esgoto e água no local e não havia mapeamento, pois a planta é de 1940. Foi necessário fazer todas as instalações novamente. Até começarmos a obra propriamente dita demorou um tempo. Além disso, trata-se de um prédio tombado pelo município. A reforma é cheia de restrições, o que acaba atrasando mesmo. Mas a obra está indo muito bem e devemos entregar tudo pronto em dezembro deste ano", esclareceu.
A principal reclamação da população no caso do cinema da UFF é a falta de transparência do projeto desde o começo. O professor de história Henrique Monnerat que integra o grupo #Cinejá, criado em janeiro deste ano e com página no Facebook , critica a falta de informações sobre todo o processo de reforma.
"Há muita obscuridade, não há uma prestação de contas da situação das obras no site deles (UFF). Nós tampouco podemos entrar para ver e fiscalizar as obras. Queremos que os professores, estudantes e moradores de Niterói construam pela base a formação de um centro de artes tão importante e relevante para a memória da nossa cidade", afirmou.
Segundo Henrique, o principal temor da população de Niterói é que a reforma torne o edifício mais um espaço elitizado da cidade, com preços diferentes dos que eram praticados anteriormente. "Eu sou morador de Niterói e desde a adolescência frequentei aquele cinema. Os preços eram acessíveis e me permitiam ter acesso a uma produção que não era exclusivamente hollywoodiana. Assim como eu, muitos colegas do Colégio Estadual Joaquim Távora, onde estudava, iam assistir aos filmes do lugar. Me pergunto se, quando o cinema voltar, os estudantes das escolas públicas atuais conseguirão frequentá-lo", questionou.

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