Médicos: o problema não é a quantidade
O Brasil tem uma boa média mundial de profissionais de saúde por habitante. A questão é que eles estão concentrados em poucos Estados e na rede privada
Natália MartinoMEDIDA
Para o MEC, a criação de novas vagas em faculdades de
medicina públicas e privadas irá melhorar o sistema de saúde
De acordo com Maria Helena Machado, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, o principal problema do Sistema Único de Saúde (SUS) é a má gestão do trabalho. “Faltam políticas adequadas para fixar os profissionais onde eles são necessários, seja no interior do País, seja nas periferias das metrópoles”, diz. A cidade de São Paulo, por exemplo, conta com mais de quatro médicos por mil habitantes, o dobro da média nacional, mas cerca de 75% deles atuam na região central da cidade. Do Complexo Hospitalar Heliópolis, dentro da maior favela da cidade, na zona sul da capital, o cirurgião F. expõe algumas das razões para isso. “São horas de trânsito para chegar a essas áreas, onde é preciso enfrentar situações de violência e hospitais sucateados”, diz o médico, que trabalha há mais de 20 anos no local. F. preferiu não se identificar por estar sendo ameaçado de morte pela família de um de seus pacientes, que entrou em coma após uma reação à anestesia durante uma cirurgia de hérnia cervical. Nesses anos de trabalho em hospitais públicos, ele coleciona histórias de violência e tensão. Em outra ocasião, no Hospital Fernando Mauro, zona sul de São Paulo, o cirurgião salvou da morte uma adolescente de 14 anos com um tipo grave de meningite depois de o irmão da paciente sacar um revólver na recepção. “Eu poderia ter morrido antes de conseguir tratá-la”, afirma. “Além de tudo, os salários são baixíssimos e só valem a pena quando complementamos a renda com plantões.”
"Os pacientes estão à míngua, estão morrendo.
Meu desabafo foi a gota d'água do acúmulo de estresse"
Ângela Maria Tenório, médica do Hospital Estadual Rocha Faria, no Rio de Janeiro
O fato é que, sobrecarregados, os médicos não conseguem atender à demanda. Na noite da quarta-feira 30 de maio, por exemplo, a médica Ângela Maria Tenório teve uma espécie de surto no Hospital Estadual Rocha Faria, zona oeste do Rio de Janeiro. Pelos corredores da instituição lotada, ela gritava: “Os pacientes estão à míngua, estão morrendo.” À ISTOÉ, Ângela disse que o hospital deveria ter uma equipe com nove profissionais de clínica médica, mas só vem trabalhando com quatro. Naquele dia, só ela estava presente para atender a duas enfermarias com cerca de 130 pessoas internadas e uma unidade intensiva com mais de dez pacientes em estado grave. “O desabafo foi a gota d’água do acúmulo de estresse”, disse.
"São horas de trânsito para chegar às áreas periféricas, onde é
preciso enfrentar situações de violência e hospitais sucateados.
Atualmente estou ameaçado de morte pela família de um paciente"
F., cirurgião do Complexo Hospitalar Heliópolis, em São Paulo
Colaborou Michel Alecrim
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