Entrevista: Joanna Newman
'Brasil importa para o futuro das universidades britânicas'
A responsável pela assinatura do acordo que prevê envio de 10.000 estudantes brasileiros à Grã-Bretanha fala sobre a posição do Brasil no ensino superior
Nathalia Goulart
Vista de Cambridge. No detalhe, Joanna Newman: em busca de percerias com nações em desenvolvimento
Como a senhora avalia as parcerias entre Brasil e Grã-Bretanha até o momento? Há seis meses, fizemos uma pesquisa com as nossas universidades pedindo que elas nos apontassem que tipo de parcerias elas mantinham com o Brasil e recebemos muitas respostas interessantes. Existe, sim, colaboração nos campos da pesquisa e da pós-graduação, mas sentimos que o intercâmbio de estudantes ainda é muito pequeno comparado ao que desejamos. E essa foi uma das razões que nos fizeram abraçar o programa Ciência Sem Fronteiras.
No âmbito do programa, o que foi acertado? Nós assinamos um contrato de cooperação diretamente com a Capes e o CNPq. Assim, otimizamos o processo. Em vez de assinar um documento para cada instituição, firmamos um compromisso em nome de todas elas. Na medida em que os estudantes forem sendo selecionados no Brasil, nós trataremos de alocá-los aqui. Esse é o maior programa de mobilidade estudantil do qual a Grã-Bretanha já participou.
O Ciência Sem Fronteiras é um projeto bastante ambicioso. Qual o ponto de vista da senhora a respeito? Sim, ele é audacioso. Admiramos a inciativa porque o Brasil precisa desse empurrão. Um ponto muito positivo dessa empreitada é fazer com que os beneficiados voltem ao Brasil para terminar seus estudos e, com isso, ajudem no desenvolvimento de assuntos centrais nos próximos anos. Ou seja, eles adquirem uma experiência extremamente valiosa no exterior e voltam a trabalhar pelo país.
Quantos alunos do Ciência Sem Fronteiras a Grã-Bretanha pretende receber do Brasil nos próximos anos ? Serão 10.000 no total, sendo que 600 bolsistas cursarão integralmente o pós-doutorado na Grã-Bretanha, 2.500 farão parte desse processo lá e 6.900 são estudantes da graduação, que irão para o país para o chamado "intercâmbio sanduíche".
O acordo não prevê que estudantes britânicos venham ao Brasil. A Grã-Bretanha sai perdendo nesse processo? Pelo contrário. A nossa expectativa é que esses estudantes que forem para a Grã-Bretanha desenvolvam laços com as nossas instituições, professores e alunos. Assim, podem fortalecer nosso processo de internacionalização, fazendo com que os nosso alunato se interesse em estudar e fazer pesquisa no Brasil no longo prazo.
Quem vai pagar as contas do programa? O governo brasileiro vai custear as passagens, a acomodação e as mensalidades. Mas isso não significa que as universidades britânicas estejam lucrando em cima dos estudantes brasileiros. Em muitos casos, as escolas estão oferecendo bolsas ou descontos para os alunos estrangeiros. Acredito que podemos dizer que, apesar de o Brasil estar bancando a estada dos estudantes no exterior, as universidades britânicas também estão contribuindo para o sucesso do programa.
Recentemente, o jornal britânico The Observer noticiou que a Grã-Bretanha estava interessada em atrair 10.000 estudantes brasileiros para cobrir um rombo no orçamento das suas universidades. O número coincide com a quantidade de alunos prevista no acordo do Ciência Sem Fronteiras. Como a senhora responde a essa acusação? A notícia vinculada no jornal não é verdadeira. O que acontece é que o sistema de financiamento dos estudantes mudou na Grã-Bretanha. Antigamente, os fundos vinham diretamente do governo para as universidades. Agora, ao invés de financiar diretamente a universidade, o governo financia os estudantes por meio de empréstimos estudantis. Ou seja, toda a verba das instituições vem agora das anuidades, e isso causou certa confusão, porque as pessoas imaginaram que queríamos atrair estrangeiros para conseguir mais dinheiro. A verdade é que, no âmbito do Ciência Sem Fronteiras, as universidades estão oferecendo descontos ao brasileiros em um claro sinal de que não se trata de fazer lucro às custas dos estudantes. Essa parceria existe porque, como eu disse antes, acreditamos que a parceira com o seu país é extremamente valiosa para as nossas instituições e para o nosso futuro.
O Brasil ainda não tem uma universidade de prestígio internacional como Oxford ou Cambridge, duas das maiores do mundo. O que a Grã-Bretanha ganha apostando nos nossos estudantes? Temos muito a lucrar com essa parceira. O Brasil tem apresentado uma expansão do ensino superior sem precedentes, e as universidades têm se tornado um polo de pesquisa atraente para muitos de nossos estudantes, professores e pesquisadores. Talvez esse movimento não seja muito expressivo nesse exato momento, mas será em um futuro muito próximo. O Brasil, com sua população jovem, avança para a universidade e a pesquisa. É óbvio que daqui a alguns anos o país terá um número considerável de grandes cientistas. No futuro, vocês poderão oferecer soluções e invenções para os desafios da ciência. Quanto mais fortalecermos nossa aliança com vocês, mais as universidades brasileiras vão se beneficiar do nosso expertise. Nós vamos no beneficiar no longo prazo por sermos os parceiros na solução de diversos desafios.
A Grã-Bretanha é o segundo destino mais procurado pelos estudantes estrangeiros, atrás apenas dos Estados Unidos. Qual a receita do sucesso, e o que o Brasil tem a aprender com ela? Nós temos muitas universidades importantes que lideram rankings de excelência e temos também uma longa tradição de excelência em pesquisa e ensino. Temos avaliações internas que medem a satisfação dos alunos das nossas escolas, e nada é mais precioso na hora de se vender do que alunos satisfeitos. Eles funcionam como embaixadores. Nós formamos líderes de todas as partes do mundo – inclusive alguns importantes líderes do seu país passaram por aqui e se sentiram muito bem. Eles são nossos cartões de visita.
Além do Brasil, em que outros países a Grã-Bretanha tem apostado? A população da Grã-Bretanha e da Europa de forma geral está envelhecendo. Dessa forma, nossos esforços se concentram em países com população jovem, como Brasil, México e Colômbia, na América Latina, e Índia e China, na Ásia. São países que, acima de tudo, estão investindo no ensino superior. A quantidade de futuros cientistas e PhDs que essas nações vão produzir no futuro é animadora.
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