7.16.2011

A palavra de Chico Buarque

Após cinco anos, o cantor e escritor lança novo CD com versos autobiográficos e afirma que é na escrita que ele "domina a bola"

Eliane Lobato

Chico Buarque cantando com Roberto Carlos, participando do programa do Chacrinha, dividindo o palco com Pixinguinha e Donga. Essas e outras raridades estão na coletânea de vídeos que montamos. Confira :
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"Chico" é o nome do novo e aguardado disco de Chico Buarque de Holanda, o primeiro em cinco anos, previsto para chegar às lojas na sexta-feira 22. Enxuto e curto assim, o título pode levar a supor que não há dicas sobre o tema de seu conteúdo. Gigantesco engano: não há dica mais escancarada que essa. O CD fala muito do autor, um homem de 67 anos com o "cabelo cinza", como consta na música "Essa Pequena", encantado por uma mulher de cabelo "cor de abóbora" - tal e qual a cantora curitibana Thaís Gulin, com quem o cantor e compositor estaria namorando. A faixa que abre o trabalho, "Meu Diário", diz que conhecidos "têm pena de eu viver sozinho". Uma licença poética autorreferente? O Rio de Janeiro inteiro sabe que Chico Buarque vive como um ermitão numa cobertura com esplendorosa vista para as praias do Leblon e de Ipanema. Só não se sabe se alguém ousa ter pena dele. E "Barafunda", a nona faixa das dez canções novas, fala de um momento que ele admite estar vivendo, o dos lapsos de memória comum a quem já passou dos 60 anos.

Nesse disco, Chico se assume como um "compositor que canta", como disse na videoentrevista que divulga o trabalho: "Sou um músico intuitivo. Não sou um múúúsico... Sei o básico." Logo a seguir, compara: "Já com a letra, não. Essa, sei mais. Posso discutir. E discuto, discuto, discuto." A palavra, ele admite, é um campo no qual domina a bola. Um elogiado centroavante do time Polytheama, Chico recorre ao futebol para explicar sua incapacidade de brilhar no violão, o inseparável companheiro. "Se eu tivesse com as mãos a metade da habilidade que tenho com os pés, seria um Paco de Lucía. Literalmente, meto os pés pelas mãos", diz ele. "Chico", o disco, nasce depois de quatro livros lançados - "Estorvo", "Benjamim", "Budapeste" e "Leite Derramado", este último, em 2009 -, todos muito bem-sucedidos no mercado e elogiados pela crítica. A obra dá mais visibilidade à mistura dos talentos do artista. O compositor Arthur Nestrovski, diretor artístico da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, escreveu no texto de lançamento do CD que a música "Rubato" alude "com ironia às trocas e roubos de identidade pessoal e autoral no romance "Budapeste". Também, segundo ele, a brincalhona "Barafunda" nos remete ao ancião de memórias confusas que protagoniza "Leite Derramado".
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GRAVAÇÃO
Bastidores do CD "Chico" mostram o compositor e os músicos
de sua banda: canções sobre amor, solidão e envelhecimento
Sim, está tudo misturado e costurado pela incrível capacidade de formular ideias de modo original e escolher as palavras certas para isso.
O exercício de apropriação da escrita vem de décadas de carreira e centenas de músicas, além de peças de teatro - entre as quais as históricas "Roda Viva" e "Gota d'Água". Em entrevista à ISTOÉ no ano de 2006, quando lançou o disco anterior, "Carioca", Chico contou um episódio em que mostra a sua obstinação com a letra. Ele cismou com uma frase da música "Leve". Eu tinha escrito "Será um caminho bom", mas, depois, achei que não era o que eu queria. Fiquei repetindo até que encontrei:  "Será tudo de bom." Voltei para o estúdio e troquei." Nessa mesma entrevista, Chico disse que é comum passar meses do lançamento de um livro ou disco e, de repente, ser atormentado por uma dúvida semântica: "Cacete, por que eu não usei essa outra palavra em vez daquela?? Talvez isso não aconteça com "Chico", um disco belo, que dialoga com o amor ao estilo Buarque de Holanda, caprichando na ironia fina e na poesia sem lugar-comum. A dúvida, agora, é se o cantor que arrasta multidões em seus shows vai encarar turnês. Essa é a resposta que ele deu na videoentrevista: "Não sei."
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