Uma
classe de complexos metálicos desenvolvida por pesquisadores do
Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) demonstrou em
experimentos in vitro
potencial ação antitumoral e antiparasitária. Os estudos estão sendo
realizados no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia
(INCT) de Processos Redox em Biomedicina
(Redoxoma) – um dos INCTs apoiados pelo Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI) e pela FAPESP que agora também é um Centro
de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID).
“Trata-se de uma classe de compostos que
contém um íon metálico central e uma molécula orgânica, que atua como
ligante. Trabalhamos principalmente com íons de cobre e de zinco e o
precursor dos nossos ligantes é um metabólito do aminoácido triptofano
chamado isatina”, contou Ana Maria da Costa Ferreira, coordenadora do
Projeto Temático FAPESP “Desenvolvimento
de compostos com interesse farmacológico ou medicinal e de sistemas
para seu transporte, detecção e reconhecimento no meio biológico”.
De acordo com a pesquisadora, há outras
classes de metalofármacos já sendo usadas no tratamento de neoplasias,
como, por exemplo, a cisplatina. A vantagem dos compostos sintetizados
no IQ-USP é ter em sua composição íons metálicos naturalmente presentes
no organismo humano e, por isso, serem mais facilmente metabolizados.
“Tanto os íons de cobre como os de zinco
são considerados elementos essenciais para o organismo, pois são parte
de diversas proteínas e enzimas que participam de processos metabólicos
importantes, como a respiração”, afirmou Ferreira.
Os primeiros estudos com linhagens de
células tumorais foram realizados durante o doutorado de Giselle
Cerchiaro, com orientação de Ferreira e Bolsa
da FAPESP. Os experimentos mostraram que, em determinadas
concentrações, os complexos metálicos eram capazes de diminuir a
viabilidade das culturas in vitro. “Começamos com cobre e
depois ampliamos a linha de pesquisa, incluímos o zinco e o vanádio e
fomos modificando os ligantes”, contou Ferreira.
Ao estudar o mecanismo de ação dos
metalofármacos, os pesquisadores observaram que eles induziam estresse
oxidativo nas células tumorais, ou seja, aumentavam a liberação de
espécies reativas de oxigênio que, em grande quantidade, danificam o
DNA. Incapaz de reverter o dano, a célula entra em processo de apoptose,
um tipo de morte fisiológica que não provoca uma reação inflamatória no
organismo. “Esse tipo de reação é o
desejado para uma droga antitumoral. Se ela causasse necrose, o
resultado seria inflamação em outros tecidos. Já a apoptose não tem esse
efeito”, explicou Ferreira.
Além disso, acrescentou, os complexos
metálicos afetam as mitocôndrias – organelas responsáveis por
transformar o oxigênio em energia. “Na presença dos metalofármacos, as
mitocôndrias continuam a consumir o oxigênio, porém não conseguem
sintetizar o ATP (adenosina trifosfato, molécula que armazena a energia).
Isso pode comprometer a célula, o órgão e todo o ser. Mas, como as
células tumorais são as que se multiplicam mais rapidamente, acaba
havendo uma certa seletividade na ação da droga – assim como no caso dos
quimioterápicos”, afirmou Ferreira.
Os complexos metálicos foram testados em
linhagens de neuroblastoma (câncer cerebral), melanoma e sarcoma
uterino. Em uma prova conhecida como determinação da IC50, na qual se
verifica a concentração da droga necessária para causar a morte de 50%
das células em cultura, os complexos metálicos mostraram-se eficazes em
doses na faixa nanomolar (10-9) – equivalente, segundo a literatura
científica, à dose necessária de cisplatina.
Em 2006, o grupo do IQ-USP obteve no
Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) a patente da classe
de complexos metálicos, bem como da ação antitumoral. Em 2013, foi
requerida também a patente para a atividade antiparasitária. “É a mesma
classe de compostos, mas com diferentes combinações e modificações
estruturais. O melhor antiparasitário não é o melhor antitumoral”,
explicou Ferreira.
Ação antiparasitária - Os metalofármacos já foram testados com sucesso in vitro contra o Trypanosoma cruzi,
protozoário causador da doença de Chagas. Atualmente, em parceria com o
grupo da professora Marcia Aparecida Silva Graminha, da Faculdade de
Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em
Araraquara, estão sendo testados contra o Leishmania amazonenses, um dos parasitas causadores de leishmaniose.
Durante estudos correlatos recentes, os
cientistas descobriram uma terceira via de ação das drogas: a inibição
da proteína topoisomerase – uma das enzimas responsáveis por manter a
integridade do DNA, vital tanto para as células humanas quanto para o
desenvolvimento de parasitas.
“Comparamos a ação de nossos compostos
com a do benzonidazol – a droga mais usada para tratar parasitoses há
décadas. No caso do T. cruzi, foram feitos dois tipos de
testes: um contra a forma do parasita existente no inseto vetor e que é
injetada na corrente sanguínea humana (tripomastigota) e outro com a forma que o parasita assume dentro dos macrófagos [amastigota]”, explicou Ferreira.
Em cada um desses casos, foi avaliado o
IC50 – concentração necessária para matar 50% do parasita. Além disso,
também foi mensurado o LC50, para descobrir a concentração necessária
para matar 50% dos macrófagos humanos.
“No teste IC50, alguns de nossos
compostos demonstraram, com a metade da dose, a mesma eficácia do
benzonidazol. Ou seja, foram duas vezes mais potentes. No teste LC50,
por outro lado, em alguns casos foi necessária uma dose 12 vezes maior
do complexo metálico para causar o mesmo dano aos macrófagos humanos.
Isso significa que a margem de segurança dos metalofármacos pode ser
maior que a do benzonidazol”, afirmou Ferreira.
De acordo com a pesquisadora, os resultados têm sido semelhantes nos experimentos com o L. amazonenses,
mas, em cada caso, uma combinação diferente tem se mostrado mais
eficaz. O grupo pretende, no futuro, testar a ação dos compostos contra
outros parasitas e detalhar os mecanismos de ação farmacológica.
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