Justiça
Decisão favorável à empresa aérea se confirmou nesta quarta-feira por 5 votos a dois; Barbosa e Mendes defenderam que não havia razão para que a companhia fosse beneficiada em detrimento de outras empresas também penalizadas pelas mudanças de planos econômicos
Laryssa Borges, de Brasília
Carmen Lúcia: quatro ministros do STF seguiram a relatora no caso da indenização da Varig
(Carlos Humberto)
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No julgamento, os ministros Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski afirmaram, em seus votos, que o poder público tem obrigação de indenizar a empresa porque, a despeito de vários setores terem sido atingidos por planos econômicos, a aérea, como detentora de um contrato de concessão, foi mais prejudicada.
Os ministros da Corte apresentaram teses sobre a possibilidade ou não de se ressarcir uma empresa por prejuízos decorrentes de políticas de governo. Apenas Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes consideraram que planos econômicos, na tentativa de conter índices astronômicos de inflação, afetaram toda a sociedade, e não apenas as empresas — o que liberaria o poder público de qualquer indenização. A corrente vitoriosa, porém, apresentada pela ministra Cármen Lúcia, é a de que o Estado pode ser responsabilizado por atos lícitos, como os planos econômicos, quando alguns setores da sociedade são muito mais prejudicados que o restante da coletividade.
Além de resolver o impasse econômico sobre o dever de indenizar atores afetados pelas medidas governamentais de contenção da pressão inflacionária, a decisão tomada nesta quarta-feira pelo STF afeta pelo menos 10 000 ex-funcionários da Varig, que veem na possibilidade de indenização uma forma de receber direitos trabalhistas nunca pagos. O Instituto Aerus, entidade de previdência de empresas ligadas ao setor aéreo, estima que pelo menos 6 bilhões de reais seriam necessários para quitar dívidas de aposentados e pensionistas. Aproximadamente 1 000 funcionários da empresa já morreram à espera da decisão do tribunal.
Na sessão desta quarta, o presidente do Supremo Joaquim Barbosa, que proferiu o primeiro voto contrário à Varig, questionou o argumento da empresa de que o tabelamento das tarifas tenha provocado uma situação “especialíssima”, pior que o restante da coletividade afetada pelos planos econômicos. Para o ministro, não se pode atribuir ao congelamento de preços o baque no caixa da aérea e a consequente falência da empresa, já que as medidas econômicas adotadas pelo governo afetaram não somente o setor aéreo, mas diversos setores da economia e cidadãos economicamente ativos.
“A companhia Varig possuía posição econômica absolutamente ímpar no mercado de serviços aéreos no Brasil. Essa condição invejável parece afastar a possibilidade de atribuir a União a culpa exclusiva dos prejuízos. Parece lícito especular que o que pode ter ocorrido foi a dificuldade de ajustar o perfil de atuação da companhia às demandas surgidas a partir do crescimento de concorrentes”, disse o ministro. Seus argumentos são similares aos do então Ministério da Aeronáutica, que ainda na 1ª instância, afirmou que “a situação deficitária jamais deixou de acompanhar as empresas aéreas, que arrimadas no paternalismo que presidiu o transporte aéreo brasileiro, sempre recorreram aos cofres públicos para cobrir os resultados desastrosos de uma administração desastrosa”.
“Internamente a empresa enfrentou mal a abertura dos mercados interno e externo de aviação, bem como foi afetada pela oscilação cambial iniciada em 1999. A Varig sofreu com aumento dos valores dos seguros nos mercados internacionais, mercado que dominava, principalmente após os atentados de 11 de setembro. Diante de todas as intempéries, é altamente improvável que o congelamento das tarifas tenha somado prejuízos que montassem quase 4 bilhões de reais. Não há garantia de que Varig teria conseguido aplicar aumento pretendido no volume por ela estimado”, disse o ministro.
Ainda no ano passado, quando o STF começou a analisar o caso, a relatora, ministra Cármen Lúcia, havia dado ganho de causa à companhia aérea por considerar que a empresa, que detinha um contrato de concessão pública, foi muito afetada pelas medidas econômicas e não teve alternativa senão comercializar passagens com preço congelado. “Na condição de concessionária de serviço público, a Varig não poderia adotar qualquer providência para se esquivar dos danos. Não tem liberdade para atuar segundo a sua conveniência, não tem como evitá-los ou conduzir-se de outra que não a forma pré-determinada pelo próprio ente concedente”, afirmou ela em seu voto.
“É inconteste que o Estado deve ser responsabilizado pela prática de atos lícitos quando deles prejuízos específicos expressos e demonstrados para particulares em condições que os desigualam dos demais porque teriam uma sobrecarga em relação a todos os outros cidadãos. A Varig não teria como não cumprir o que foi determinado e, ao cumprir, assumir sozinha os danos que se sucederam até o comprometimento não apenas de seus deveres, que não mais puderam ser cumpridos, como dos seus funcionários, dos aposentados, dos pensionistas, cujos direitos não puderam ser honrados e que, pela delonga dessa ação, estão pagando com a própria vida”, completou a ministra. O entendimento dela foi seguido por outros quatro ministros. Não participaram da votação os ministros Teori Zavascki, Luiz Fux, José Antonio Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello.
A primeira ação movida pela Varig, na 17ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, data de fevereiro de 1993, quando a aérea alegou pela primeira vez que a política de congelamento de preços de outubro de 1985 a janeiro de 1992 comprometeu seu capital de giro, já agravado pela política de juros elevados da época. Dois anos depois, a 17ª Vara deu ganho de causa à Varig e definiu o valor da indenização: 2.236.654.126,92 reais. Desde 1995, o imbróglio jurídico já foi analisado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, por diversos colegiados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e há quase sete anos aguardava uma decisão definitiva do STF.
Má administração – Nas diversas instâncias em que se discutiu o pedido de indenização da Varig, o governo utilizou recorrentemente o argumento de que as aéreas reivindicavam um "direito hipotético" e atribuiu à má gestão das empresas a situação financeira que levou boa parte delas à insolvência.
Ainda na primeira instância, em 1993, a União, com base em informações do então Ministério da Aeronáutica, afirmou que “a situação deficitária jamais deixou de acompanhar as empresas aéreas, que arrimadas no paternalismo que presidiu o transporte aéreo brasileiro, sempre recorreram aos cofres públicos para cobrir os resultados desastrosos de uma administração desastrosa”.
Com o processo já em tramitação no STF, a advogada da União Grace Maria Fernandes afirmou, durante o julgamento em 2013, que “não há uma relação direta entre os supostos prejuízos alegados pela empresa e a conduta promovida pelo Estado brasileiro” e que, em todas as antigas decisões desfavoráveis, o Executivo estaria sendo condenado “por exercer legitimamente a função administrativa de regular e controlar a prestação do serviço público em prol da coletividade”
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