Que querem as mulheres?
Por Arnaldo Jabor
O Dia Internacional devia estimular uma ação política das mulheres
No Dia Internacional da Mulher, várias amigas me pediram: “Escreve, escreve
sobre a Mulher!...”.
O psicanalista Lacan disse que A Mulher não existe, pois não há alguma coisa
que as unifique. Acho que ele tinha razão. Eu nunca conheci A Mulher. Eu já amei
e odiei “mulheres”. Então, por que esse título genérico? Existe a mulher de
burca, a stripteaser, existe a freira, a bondosa, a malvada, existe Eva
e Virgem Maria.
Sempre que chega esse Dia Internacional, nós machistas elogiamos o lado
“abstrato” das fêmeas, sua delicadeza, sua capacidade de perdão (sic), sua
coragem, em textos de hipocrisia paternalista, como se falássemos de pobres, de
crianças. As mulheres foram e são oprimidas e estupradas na alma e no corpo.
No Oriente e na África vemos o auge da violência: castrações, estupros
impunes, pais condenando filhas, tudo de horrível. Mas no resto do mundo
sobrevivem muitas formas mais sutis de opressão e desprezo.
Uma leitora, que se disse “perua inteligente”, me escreveu: “Antes, as
mulheres eram escravas passivas, hoje somos ativas, mas continuamos escravas.
Mesmo sendo frígidas, temos de prometer ‘funcionamento’. Não é por acaso que
eles nos chamam de ‘aviões’. É só olhar as revistas masculinas. O que está
acontecendo no Brasil é a libertação da mulher-objeto. A publicidade é toda em
cima de sexo.”
É verdade, penso eu: muita mulher que se sente livre é enganada.
Na mídia, só vemos estímulos para as mulheres buscarem a bunda perfeita,
bundas ambiciosas querendo subir na vida, bundas com vida própria, mais
importantes que suas donas, próteses de silicone, sucesso sem trabalho, anúncio
de cerveja com louras burras, mulheres divididas entre a “piranhagem” e a
“peruice”, sorrisos luminosos de celebridades bregas, passos de ganso de
manequins. A bunda é a esperança de milhões de Cinderelas. O corpo tem de dar
lucro. As mulheres querem ser disputadas, consumidas. Ficam em acrobáticas
posições ginecológicas para raspar os pelos pubianos nos salões de beleza e,
depois, saem felizes com uns bigodinhos verticais que lembram o Hitler ou
Sarney. A liberdade de mercado produziu o mercado da “liberdade”.
A mulher não é um enigma. Nós é que somos, disfarçados de sólidos. Os homens
são óbvios, fálicos.
As mulheres não sabem o que querem; o homem acha que sabe. O masculino é
certo; o feminino é insolúvel. A mulher deseja o impossível; desejar o
impossível é sua grande beleza.
A mulher precisa do homem impalpável. As mulheres têm uma queda pelo canalha
(cartas indignadas para a Redação...). O canalha é mais amado que o bonzinho.
Ela sofre com o canalha, mas o canalha lhe dá um sentido claro com sua viril
antipatia. Claro que é um preconceito também essa mania de dizermos que as
mulheres são “incompreensíveis” (mesmo Freud). Mas essa confusão na cabeça das
mulheres não é maluquice ou psicose; nessa confusa cabeça há uma verdade
indeterminada mais profunda do que as ilusões masculinas. Homem tem um “fim”.
Mulher abre-se num horizonte com muitos sentidos e está sempre equivocando o
homem. Lembrando-me de quem amei, vejo que elas queriam ser “descobertas” para
elas se conhecerem. Queriam ser decifradas pelos homens, por nossas mãos e
bocas. Uma grande submissão a elas só as tornava mais desoladas, raivosas.
Muitas vezes, cometi esse erro e dancei.
Elas ventam, chovem, sangram, elas tem inverno, verão, TPMs, raiam de manhã
ou brilham à noite, elas derrubam homens como terremotos. Elas querem ser
decifradas por nós, mas nunca acertamos no alvo, pois não há alvo, nem
mosca.
Daí o ódio que os primitivos cultivam contra elas, daí os boçais assassinos
do Islã apedrejando-as até a morte, daí os mitos negros como Lilith ou Jezebel
(até Eva) ou ladies da morte como Macbeth.
O único grande mistério talvez seja a divisão entre os sexos. Por mais que
queiramos, nunca chegaremos lá. Lá, aonde? Lá na diferença radical onde mora o
“outro”. Há alguns exploradores: os veados, sapatões, travestis, que mergulham
nesse mar e voltam de mãos vazias, pois nunca saberemos quem é aquele ser com
útero, seios, vagina, aquele ser maternal, bom, terrível quando contrariado no
“ponto G” da alma. Por outro lado, elas nunca saberão o que é um pênis
pendurado, um bigodão, a porrada num jogo do Flamengo, um puteiro visitado de
porre, nunca saberão do desamparo do macho em sua frágil grossura. Elas jamais
saberão como somos. O amor é a tentativa de pular esse abismo. Eu sou hoje o que
as mulheres fizeram comigo ou o que eu aprendi com elas, no amor ou no
sofrimento. Eu descobri defeitos e qualidades que me formaram, como acidentes
que me foram desfigurando. O que aprendi com elas? Não tenho ideia, mas sei que
me mudaram. Eram como quebra-cabeças: ao tentar armá-los, eu achava que sabia
tudo, mas entrava em novos labirintos. Com elas, loucas, sóbrias, boas e más,
descobri que não tenho forma nem lógica e que sempre me faltará uma peça na
charada.
Existe alguma coisa que as unifique em uma identidade geral? Não sei, mas
parece que elas estão muito mais próximas que nós da realidade múltipla do mundo
atual, aberto, sem futuro ou significado. Mas não é como vítimas que devemos
lamentá-las ou louvá-las. Sua importância é afirmativa, pois elas estão muito
mais próximas que nós da realidade deste mundo aberto, sem futuro ou
significado. Elas não caminham em busca de um “sentido” único, de um poder
brutal. O homem se crê acima do mistério, mas as mulheres estão dentro. São
impalpáveis como a realidade que o homem “pensa” que controla.
O Dia Internacional devia estimular uma ação política das mulheres, não
apenas para defender seus direitos, mas para condenar a civilização de machos
boçais que destroem nosso destino.
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