House of Cunha
Como o deputado Eduardo Cunha acumulou força política para esfacelar a base de apoio de Dilma e impor derrotas em sequência ao Planalto no congresso
NOME PARA ESQUECER NA HORA DE VOTAR
Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br) e Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br)Francis J. Underwood, o protagonista da série “House of Cards” interpretado pelo ator Kevin Spacey, é um ambicioso senador que, sentindo-se traído pelo presidente dos EUA, inicia um ardiloso plano de vingança. O jogo bruto de Underwood, que se tornou o símbolo máximo de político inescrupuloso, parece ter se materializado em Brasília nas últimas semanas. Na versão nacional, o papel de vilão vem sendo desempenhado, sem o charme do ator Kevin Spacey, pelo líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ). Desde o início do ano, Cunha cumpre uma rotina parlamentar dedicada unicamente a esgarçar a aliança com o PT, engessar o governo de Dilma Rousseff e, quem sabe, inviabilizar sua reeleição. “Se ela não sabe o que é respeito, vai aprender da pior maneira”, repete Cunha a qualquer interlocutor que o aborda nos corredores do Congresso Nacional. Se a série americana virou mania entre líderes políticos, como Barack Obama e Fernando Henrique, a novela de Cunha promete manter em alta a audiência do noticiário político-eleitoral. Para suspender seu roteiro, Cunha cobra uma fatura alta: mais cargos, com mais poder e mais verbas.
PROTAGONISTA
Eduardo Cunha: sem o charme do ator Kevin Spacey, que interpreta
Francis Underwood, de House of Cards, mas com o mesmo jogo bruto, conseguiu
impor uma enorme derrota à presidenta Dilma no plenário da Câmara, na terça-feira 11
Eduardo Cunha: sem o charme do ator Kevin Spacey, que interpreta
Francis Underwood, de House of Cards, mas com o mesmo jogo bruto, conseguiu
impor uma enorme derrota à presidenta Dilma no plenário da Câmara, na terça-feira 11
ÁGUA NA FERVURA
Depois de se reunir com o vice Michel Temer, Dilma Rousseff
antecipou o anúncio de seis novos ministros
Outro revés forçado pela turna de Cunha tem um potencial maior para
gerar dores de cabeça a Dilma. Nas comissões da Casa, os peemedebistas,
com o apoio da oposição e aliados queixosos, conseguiram aprovar a
convocação de quatro ministros e o convite a mais seis, a fim de prestar
esclarecimentos sobre questões que, na melhor das hipóteses, podem
constranger o governo. Entre eles a presidenta da Petrobras, Graça
Foster, e o delegado Romeu Tuma Jr., que acusa o PT de implantar no País
um estado policialesco. Foram convocados os ministros Gilberto Carvalho
(Secretaria-Geral da Presidência), Aguinaldo Ribeiro (Cidades), Jorge
Hage (CGU) e Manoel Dias (Trabalho), este denunciado por ISTOÉ por
suspeita de envolvimento em esquema de cobrança de propinas por cartas
sindicais e desvio de verba por meio de ONGs. Na sexta-feira 14,
meditando sobre as feridas institucionais, um cacique petista definiu
assim o atual cenário político: “Este é o pior momento dos três mandatos
do PT.”Depois de se reunir com o vice Michel Temer, Dilma Rousseff
antecipou o anúncio de seis novos ministros
O ARTICULADOR
Eduardo Cunha em ação na quarta-feira 12 na Câmara:
ele liderou os insurgentes contra Dilma
A metodologia de Cunha Eduardo Cunha em ação na quarta-feira 12 na Câmara:
ele liderou os insurgentes contra Dilma
Eduardo Cunha já demonstrou inúmeras vezes sua capacidade de articulação, ao apadrinhar indicações de ministros, dirigentes de estatais e funcionários do segundo ao quarto escalão. Quando é contrariado, tenta dar o troco lançando mão do que há de pior nas práticas políticas: a ameaça e a chantagem. No governo Lula, cansou de utilizar esse expediente. Mas, normalmente, era driblado por uma articulação política eficaz. Desta vez, Cunha se aproveitou da fragilidade dos operadores políticos do governo para obter sucesso em sua empreitada.
No Rio de Janeiro, Eduardo Cunha controla o PSC,
partido que, durante a semana, anunciou oficialmente
o desembarque do governo Dilma
O líder do PMDB não se move por instinto. Metódico, ele cultiva há
anos o mesmo modo de operar. Diariamente, recebe líderes empresariais e
autoridades no apartamento da SQS 311 ou no número 50 da avenida Nilo
Peçanha, no Rio, onde funciona seu escritório político. Chega a gastar
R$ 15 mil da conta parlamentar só em telefonia. Os pedidos que atende
são ecléticos: vão desde os de empreiteiras e empresas de telefonia até
os de companhias prestadoras de serviço no setor elétrico. Dependendo da
negociação, e do desejo do freguês, Cunha providencia a anulação de
normas, inclui nas Medidas Provisórias as emendas-submarino (como são
chamados no Congresso os adendos oportunistas que nem sequer precisam
tratar do mesmo assunto da MP) e agiliza a aprovação de leis. É o
trabalho de uma espécie de despachante com mandato parlamentar. Em troca
desses favores, Cunha obtém apoio financeiro para suas campanhas e
também as de quem o apoia no Rio de Janeiro, seja do PMDB, seja de
legendas aliadas. Assim, cria uma bancada própria. Na política carioca
Cunha controla o PSC, partido que, durante a semana, anunciou
oficialmente o desembarque da aliança governista, e outras legendas
nanicas. Em Brasília, seu poder amplia-se como nunca.partido que, durante a semana, anunciou oficialmente
o desembarque do governo Dilma
Quando perdeu os cargos que controlava na diretoria internacional da Petrobras e em Furnas, no primeiro ano do governo Dilma, Cunha lançou ameaças públicas que não se concretizaram. Ele mesmo avaliou que as baixas dos apadrinhados poderiam ser recompensadas mais adiante, uma vez que vários setores do PMDB perderam indicações na primeira dança das cadeiras. Mas, para sua irritação, isso acabou não acontecendo. Com o aval do ex-presidente Lula e de Rui Falcão, presidente do PT, Dilma bloqueou dinheiro de emendas e impediu a aprovação de dispositivos legislativos que atendessem aos interesses do deputado carioca. No embalo, os articuladores políticos do governo, tendo o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, à frente, também deixaram de atender a muitos pleitos de outros aliados, evitando reuniões e audiências solicitadas reiteradamente pelas legendas da base. Dessa forma, criou-se uma legião de insatisfeitos. “Por várias vezes a ministra Ideli Salvatti (de Relações Institucionais) reunia os líderes para dizer que não haveria acordo. Ora, então para que convocá-los?!”, lembra um deputado do PMDB. Depois da confusão armada na semana passada, Rui Falcão comentava com interlocutores que ia propor à presidenta a troca de toda a articulação política do governo. A ideia é buscar uma saída honrosa para Ideli, que poderá se lançar candidata a deputada federal. Também para tentar jogar água na fervura da crise, na quinta-feira 13 a presidenta Dilma antecipou o anúncio de seis ministros. Após conversar com o vice-presidente Michel Temer, indicou Vinícius Nobre Lages, ligado ao senador Renan Calheiros, para o Ministério do Turismo; Gilberto Occhi, do PP, para as Cidades; o petista Miguel Rossetto para o Desenvolvimento Agrário; Neri Geller, da cota do PMDB, para a Agricultura; Clélio Diniz (PT) para a Ciência e Tecnologia; e Eduardo Lopes, do PRB, para a Pesca.
ARMISTÍCIO
No PMDB do Senado, o clima por ora é de paz com o governo,
depois das novas nomeações. Resta saber até quando
As mudanças podem servir de atenuante, mas não é certo que resolverão
de vez os problemas, pois eles ultrapassam as fronteiras do Congresso.
Uma das raízes da querela com o PMDB é a falta de acordo para a montagem
dos palanques regionais. Desde o domingo 9, a presidenta Dilma iniciou
gestões para reverter essa situação. Primeiro reuniu-se com o vice,
Michel Temer, a quem expressou a vontade de chegar a um acordo. Na
segunda-feira 10, recebeu os demais caciques da legenda, o presidente do
Senado, Renan Calheiros (AL), e os líderes no Senado, Eduardo Braga
(AM) e Eunício Oliveira (CE). Também participaram do encontro Temer e o
ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Mais tarde, juntaram-se ao
grupo o presidente do PMDB, senador Valdir Raupp (RR), e o presidente da
Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). Nas conversas, Dilma sinalizou
apoio do PT a candidatos do PMDB em seis Estados: Maranhão, Pará,
Sergipe, Alagoas, Tocantins e Paraíba. Avisou, porém, que o cenário no
Rio de Janeiro é inegociável e que entregaria o sexto ministério à
legenda, caso Eunício Oliveira desistisse de lançar-se candidato ao
governo do Ceará contra os irmãos Cid e Ciro Gomes, fechados com o PT e o
Palácio.No PMDB do Senado, o clima por ora é de paz com o governo,
depois das novas nomeações. Resta saber até quando
Relação desgastada
O fato é que o governo tanto resistiu a se curvar aos desejos de aliados que quando o fez já era tarde. A dificuldade de relacionamento entre Legislativo e Executivo vinha se evidenciando ao longo dos últimos meses, mas atingiu seu ponto mais crítico no início deste ano, com o anúncio de que dos mais de R$ 19 bilhões prometidos para emendas parlamentares sobrarão pouco mais de R$ 6 bilhões. Os cortes atingem a alma da política eleitoral, pois as emendas são o cartão de visita de quem tem mandato. Ao tesourar as emendas, Dilma comprou uma briga com todos os partidos. Eduardo Cunha soube enxergar esse flanco e passou a trabalhar nos bastidores para ampliar o coro dos descontentes.
Dilma sinalizou apoio do PT a candidatos do PMDB em
seis estados: Maranhão, Pará, Sergipe, Alagoas, Tocantins
e Paraíba. Mas as promessas não entusiasmaram
Para piorar, a tentativa do governo de se aproximar do PMDB do
Senado, aquele que não age sob a orientação de Eduardo Cunha, fracassou.
Foram dois os principais motivos. O primeiro é que os senadores,
orientados por Temer, não toparam isolar a bancada da Câmara e ignorar o
descontentamento generalizado dentro do partido. Além disso, os
senadores demonstram insatisfação com o governo desde outubro, quando
Dilma vetou, sem se preocupar com afagos, a indicação do senador Vital
do Rego (PMDB-PB) para comandar o Ministério da Integração Nacional. A
pasta é desejada por senadores do Nordeste pelo forte apelo político e
por concentrar obras grandiosas e eleitoreiras, como o Canal do Sertão e
a distribuição de recursos para obras emergenciais.seis estados: Maranhão, Pará, Sergipe, Alagoas, Tocantins
e Paraíba. Mas as promessas não entusiasmaram
DENÚNCIA
Entre os convocados para prestar explicações na Câmara está o ministro
do Trabalho, Manoel Dias, acusado de favorecer uma indústria de sindicatos no órgão
Como não conseguiu isolar o PMDB da Câmara, cujo porta-voz do
descontentamento é Eduardo Cunha, o governo se enfraqueceu ainda mais.
Com o aval dos colegas para seguir empatando a vida do governo no
Congresso, Cunha se aproximou de integrantes de outros partidos
dispostos a mandar recados de insatisfação ao Planalto. O blocão
multipartidário que ele criou para reunir e ampliar o coro dos
descontentes mostrou sua força ao longo da semana e, quem diria,
transformou a oposição ao governo em coadjuvante nos ataques à atuação
dos ministros. “Se os próprios aliados estão querendo convocar todo
mundo do governo, nos poupa trabalho. Estamos assistindo a uma implosão e
ao movimento de independência dos parlamentares. Até aliados dizem que
há corrupção em ministérios”, disse o líder do DEM, Mendonça Filho (PE),
ao perceber que todos os requerimentos da oposição recebiam apoio de
partidos da base.Entre os convocados para prestar explicações na Câmara está o ministro
do Trabalho, Manoel Dias, acusado de favorecer uma indústria de sindicatos no órgão
Cientes da existência de um artefato com potencial para explodir às vésperas das eleições, os oposicionistas comemoraram a convocação de quatro ministros e o envio de convites a outros seis, que terão de enfrentar a fúria dos insatisfeitos com o governo em sessões especiais de diferentes comissões da Casa. Na avaliação de parlamentares do próprio PT, é hora de promover uma mudança de cultura. “Acho que precisamos rever os erros e procurar saídas”, teoriza o líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), desgastado com o Planalto e prestes a jogar a toalha da liderança do governo Dilma na Câmara. Não se sabe ao certo como e quando a crise política terá um desfecho. No ano eleitoral, ainda há cartas a serem baixadas em tempos de House of Cunha.
Fotos: montagem sobre fotos: Roberto Castro/AG. ISTOÉ; Pedro Ladeira/Folhapress, Beto Barata/Folhapress, Sergio Lima/Folhapress; Givaldo Barbosa/ag. O Globo
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