Heterossexuais adultos representam a
maior parcela nas novas notificações de infecção pelo vírus HIV. Em
2012, 67,5% dos casos informados pela rede de saúde pertenciam ao grupo
de heterossexuais, sendo a maioria formada por mulheres, com 58,2%. O
levantamento também mostra que a maior incidência de contaminação está
na faixa de 30 a 49 anos, incluindo héteros e homossexuais. Os grupos
vulneráveis, somados, responderam por um terço nas notificações. O Rio é
o quarto estado com maior incidência do vírus: 28,7 por cem mil
habitantes, acima da média nacional, que é de 20,2. A maior taxa do país
está no Rio Grande do Sul, de 41,4, seguido por Santa Catarina (33,5) e
Amazonas (29,2), segundo levantamento do sociólogo Júlio Jacobo
Waiselfisz, com base nos dados do Ministério da Saúde.
"Fazer
sexo sem preservativo é roleta-russa. Não se fala mais em grupo ou
comportamento, mas em exposição de risco. A cada mil pessoas no Brasil,
quatro a seis estão infectadas pelo HIV. Parece pouco, mas, quando se
calcula pelo total da população, chegamos a cerca de um milhão de
pessoas portadoras do vírus. E pelo menos um terço delas ainda não
sabe", afirma o infectologista Alexandre Barbosa, da Faculdade de
Medicina da Unesp-Botucatu e membro da Sociedade Brasileira de
Infectologia.
As pessoas que não fizeram o teste e não sabem se são portadoras do vírus podem variar de 150 mil, número usado pelo governo, a 300 mil. Os heterossexuais que se descobriram recentemente portadores do HIV compõem uma espécie de retrato da evolução da epidemia no país. Eles foram contaminados cinco, dez anos atrás. Como nunca se perceberam vulneráveis, a descoberta ocorre por acaso.
Silvia Almeida, de 50 anos, descobriu
que o marido era portador do vírus em 1994. Os dois estavam casados há
10 anos e tinham dois filhos. O sinal vermelho surgiu quando ele teve
tuberculose: "Foi um choque, a gente
tinha uma relação muito boa. Éramos um casal feliz e com filhos. Na
época, falava-se muito de grupo de risco, e nós não éramos grupo de
risco".
Quatro meses depois, Silvia fez o teste e
descobriu que era portadora do HIV. Para ela, ter contraído o vírus
parecia certeza, já que o casal não usava preservativo. O teste feito no
filho do casal, na época com apenas 1 ano, deu negativo. Silvia
acha provável que o marido tenha sido infectado em uma relação
extraconjugal ou antes do casamento, uma vez que o vírus pode permanecer
incubado por mais de dez anos. Em 1996, ele morreu. Silvia tinha 32
anos e uma certeza: precisava se manter viva para cuidar dos filhos. "Minha
reação foi aprender a viver com o HIV", diz Silvia, que passou a
frequentar o Grupo de Incentivo à Vida e coordena projetos de prevenção e
programas de apoio e palestras.
M. E. S., de 59 anos, moradora de
Osasco, na Grande São Paulo, descobriu ser portadora do HIV em 1990,
quando teve endocardite, infecção que acomete o coração: "Descobri a presença do vírus nos exames pré-operatórios. Como estava com imunidade muito baixa, não pude ser operada".
O pico de mortes por Aids no mundo, com
2,5 milhões de óbitos, ocorreu em 2005. Em 2012, os óbitos somaram 1,7
milhão. Segundo Barbosa, a redução das mortes ocorreu depois que os
medicamentos se tornaram disponíveis nos países da África. Atualmente, a
cada ano cerca de três milhões se descobrem portadoras do vírus. O
saldo é de cerca de 35 milhões de pessoas convivendo com HIV. A epidemia
é considerada estabilizada.
Com bancos de sangue sob controle,
transmissão vertical (gestante/bebê) reduzida e casos residuais de
contaminação por uso de droga injetável, a transmissão do HIV nas
relações sexuais concentra as atenções. Para identificar os portadores, o
Ministério da Saúde aumentou o número de testes distribuídos de 8,8
milhões em 2013 para 10 milhões este ano. "Quem
tem vida sexual ativa e nunca fez teste, é melhor fazer", diz Jarbas
Barbosa, secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
Apesar do grande número de
heterossexuais contaminados, a principal preocupação do ministério hoje é
com a leva de jovens que tem contraído o HIV. Recém- iniciados na vida
sexual, eles não viveram o período em que contrair o vírus significava
uma sentença de morte. "Os jovens estão
se contaminando agora, em tempo real. Ele se sente imune. É impulsivo e
tende a tomar menos cuidado", explica Barbosa.
Segundo o secretário, outro indicador
importante é a velocidade de transmissão, que tem sido maior em alguns
grupos populacionais vulneráveis, como jovens gays, homens e mulheres
profissionais do sexo e travestis. Rio e Rio Grande do Sul estão entre
os estados que passaram a receber unidades móveis de saúde, para que os
testes sejam realizados em locais de balada ou em pontos de encontro
desses grupos.
No Rio, o superintendente de Vigilância
Epidemiológica e Ambiental da Secretaria estadual de Saúde, Alexandre
Chieppe, reconheceu que o atual patamar de incidência do vírus HIV no
estado é alto e lembrou que, no período de maior difusão do vírus no
país, o Rio foi um dos estados mais afetados. Segundo ele, a trajetória
de queda iniciada há 15 anos foi interrompida, e a taxa de incidência
estabilizou há 5 anos. "Vamos aos
lugares onde eles estão. Muitos não procuram os serviços de saúde, seja
porque trabalham à noite e dormem de dia, como prostitutas e travestis,
ou pelo estigma", diz Barbosa.
Em São Paulo, o número de jovens entre
20 e 24 anos que contraiu HIV cresceu 29% entre 2007 e 2012: de 489 para
631 casos. Artur Kalichman, coordenador adjunto do Programa DST/Aids,
afirmou que o foco se voltou novamente para a comunidade gay. O estado
vai começar um teste-piloto em grupos de altíssimo risco, que usarão o
medicamento como profilaxia. Numa exposição eventual ao risco, é
possível ser medicado durante 28 dias após o ato sexual. Em casos de
exposição contínua e de alto risco, é possível também receber medicação
contínua ainda que não tenha sido identificada a presença do vírus. "HIV não tem preconceito. É bom que a gente não tenha", diz Kalichman.
(O Globo / texto: Cleide Carvalho e Gustavo Uribe)
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