Documentos do tribunal de contas e do
ministro público revelam que há cinco anos os tucanos paulistas foram
alertados sobre as irregularidades no metrô e trens de São Paulo
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
E AGORA?
Alckmin (à esq.) e Serra foram avisados sobre o propinoduto
Desde a eclosão do escândalo de pagamento
de propina e superfaturamento nos contratos da área de transporte sobre
trilhos que atravessou os governos de Mário Covas, José Serra e Geraldo
Alckmin, os tucanos paulistas têm assumido o comportamento de outra ave,
o avestruz. Reza a crença popular que, ao menor sinal de perigo, o
avestruz enterra a cabeça no chão para não enxergar a realidade. Não foi
outra a atitude do tucanato paulista nos últimos dias. Como se
estivessem alheios aos acontecimentos, líderes do PSDB paulista alegaram
que nada sabiam, nada viram – e muito menos participaram. Documentos
agora revelados por ISTOÉ, porém, provam que desde 2008 tanto o
Ministério Público como o Tribunal de Contas vem alertando os seguidos
governos do PSDB sobre as falcatruas no Metrô e nos trens. Apesar dos
alertas, o propinoduto foi construído livremente nos últimos 20 anos.
Além dos documentos agora divulgados, investigações anteriores já
resultaram no indiciamento pela Polícia Federal de 11 pessoas ligadas ao
partido. No entanto, questionado sobre o cartel montado por
multinacionais, como Siemens e Alstom, para vencer licitações, o
governador Geraldo Alckmin jurou desconhecer o assunto. “Se confirmado o
cartel, o Estado é vítima”, esquivou-se. Na mesma toada, o seu
antecessor, José Serra, declarou: “Não tomamos em nenhum momento
conhecimento de qualquer cartel feito por fornecedores e muito menos se
deu aval a qualquer coisa nesse sentido”. As afirmações agridem os
fatos. Os documentos obtidos por ISTOÉ comprovam que os tucanos de São
Paulo, além de verem dezenas de companheiros investigados e indiciados,
receberam no mínimo três alertas contundentes sobre a cartelização e o
esquema de pagamento de propina no Metrô. Os avisos, que vão de agosto
de 2008 a setembro de 2010, partiram do Ministério Público estadual e do
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP). Nos três casos, os
documentos foram encaminhados aos presidentes das estatais, nomeados
pelo governador, e publicados no Diário Oficial.
Nos três avisos de irregularidades aparecem fortes indícios de
formação de cartel e direcionamento de certames pelas companhias de
transporte sobre trilhos para vencer e superfaturar licitações do Metrô
paulista e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). O
primeiro alerta sobre o esquema foi dado pelo Ministério Público de São
Paulo, em um procedimento de agosto de 2008, durante gestão de José
Serra. Ao analisar um acordo firmado entre o Metrô e a CMW Equipamentos
S.A., o MP comunicou: “A prolongação do contrato por 12 anos frustrou o
objetivo da licitação, motivo pelo qual os aditamentos estariam
viciados”. Na ocasião, a CMW Equipamentos foi incorporada pela gigante
francesa Alstom, uma das principais investigadas nesse escândalo. Ainda
no documento do MP, de 26 páginas, aparecem irregularidades também em
uma série de contratos firmados pelo governo paulista com outras
empresas desse segmento.
Em fevereiro de 2009, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo
emitiu ao governo paulista o segundo aviso de desvios e direcionamentos
em contratos no setor. As irregularidades foram identificadas, desta
vez, na estatal CPTM. Ao julgar um recurso, o conselheiro do TCE Antonio
Roque Citadini concluiu que a estatal adotou uma conduta indevida ao
querer usar uma licitação para fornecimento de 30 trens com o consórcio
Cofesbra, celebrada em 1995, durante gestão de Mário Covas, para comprar
mais de uma década depois outros 12 novos trens. A manobra foi
identificada como uma forma de fugir da abertura de uma nova
concorrência. “O julgamento de irregularidade recorrido fundamentou-se
na inobservância da Lei de Licitações e, também, na infringência aos
princípios da economicidade e da eficiência”, diz o relatório. Citadini
ainda questiona os valores pagos pelos trens, uma “majoração de 17,35%”.
A crescente elevação do número de passageiros transportados deveria
implicar, diz ele, estudos por parte da CPTM com vistas à realização de
um novo certame licitatório. “Tempo parece não lhe ter faltado, pois se
passaram 11 anos da compra inicial”, relatou Citadini. À ISTOÉ, o
conselheiro Citadini destacou que “um sem-número de vezes” o órgão
relatou ao governo estadual irregularidades em contratos envolvendo o
Metrô paulista e a CPTM. “Nossos auditores, que seguem normas
reconhecidas por autoridades internacionais, têm tido conflitos de todo
tamanho e natureza para que eles reconheçam os problemas”, disse
Citadini.
CONLUIO
Políticos tucanos incentivaram empresas a formar
cartel para vencer licitação da linha 5 do Metrô paulista (foto)
O terceiro recado ao governo paulista sobre irregularidades nas
licitações do Metrô e do trem paulista ocorreu em setembro de 2010. Ao
analisar quatro contratos firmados pelo Metrô, o Tribunal de Contas do
Estado de São Paulo estranhou que os certames envolviam uma enorme
quantidade de serviços específicos. Dessa forma, apenas um reduzido
número de empresas tinha condições de atender aos editais de licitação e
se credenciar para disputar a concorrência. Os contratos em questão se
referiam ao fornecimento de trens, manutenção, além de elaboração de
projeto executivo e fornecimento de equipamentos para o Metrô paulista. O
Tribunal insistia que, quanto mais ampla fosse a concorrência, menor
tenderia a ser o preço. Em diversos trechos, o relatório aponta outras
exigências que acabavam estreitando ainda mais o número de
participantes. Havia uma cláusula, por exemplo, que proibia companhias
estrangeiras que não tivessem realizado o mesmo serviço em território
brasileiro de participar da disputa. Na prática, foram excluídas
gigantes do setor do transporte sobre trilhos que não integravam o
cartel e poderiam oferecer um melhor preço aos cofres paulistas. “A
análise das presentes contratações revelou um contexto no qual houve
apenas uma proposta do licitante único de cada bloco. Em outras
palavras, não houve propriamente uma disputa licitatória, mas uma
atividade de consorciamento”, analisou o TCE sobre um dos acordos. A
recomendação foi ignorada tanto por Serra como por Alckmin, que assumiu o
governo três meses depois.
Passo a passo da denúncia sobre o escândalo do metrô
Um e-mail enviado por um executivo da Siemens para os seus superiores
em 2008, revelado na última semana pelo jornal “Folha de S.Paulo”,
reforça que os ex-governadores tucanos José Serra, Geraldo Alckmin e
Mário Covas não só sabiam como incentivaram essa prática criminosa. O
funcionário da empresa alemã revela que o então chefe do executivo
paulista, José Serra (PSDB), e seu secretário de Transportes
Metropolitanos, José Luiz Portella, sugeriram que a Siemens fizesse um
acordo com a espanhola CAF, sua concorrente, para vencer uma licitação
de fornecimento de 40 trens à CPTM. Serra teria ameaçado cancelar o
certame se a Siemens tentasse desclassificar a concorrente na justiça.
Como saída, conforme relata o jornal, sugeriu que as empresas dividissem
parte do contrato por meio de subcontratações. O executivo da Siemens
não revela na mensagem, mas essa solução heterodoxa de Serra já havia
sido adotada numa ocasião anterior. No final da década de 1990, o
governo Mário Covas (PSDB) incentivara as companhias da área de
transporte sobre trilhos a formarem um consórcio único para vencer
licitação de compra da linha 5 do metrô. A prática, como se vê,
recorrente entre os tucanos paulistas, continuou a ser reproduzida nos
anos subsequentes à licitação. Reapareceu, sem reparos, com a chegada ao
poder do governador Geraldo Alckmin. Hoje, sabe-se que esse esquema
gerou somente em seis projetos da CPTM e do Metrô um prejuízo de pelo
menos R$ 425,1 milhões aos cofres paulistas. As somas foram obtidas,
como ISTOÉ antecipou, com o superfaturamento de 30% nesses contratos.
PROXIMIDADE: Arthur Teixeira, Lavorente e Jurandir Fernandes (da esq. para a dir.), atual
secretário de Transportes do governo Alckmin, em visita à fábrica da MGE em Hortolândia
O que também torna pouco crível que os governadores tucanos José
Serra e Geraldo Alckmin, até o mês passado, desconhecessem as denúncias é
o fato de o Ministério Público ter aberto 15 inquéritos para investigar
a tramoia, após a repercussão do escândalo envolvendo a Siemens e a
Alstom na Europa em 2008. Atualmente, essas provas colhidas no Exterior
dão suporte para o indiciamento de 11 pessoas, entre elas servidores
públicos e políticos tucanos. O vereador Andrea Matarazzo, serrista
fiel, é um dos indiciados. Na lista da Polícia Federal, constam ainda
nomes bem próximos aos tucanos como o de Jorge Fagali Neto. Ele foi
diretor dos Correios e de projetos para o Ensino Superior do Ministério
da Educação durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Ao reabrir, na
semana passada, 15 investigações paradas por faltas de provas e montar
uma força-tarefa para trabalhar em 45 inquéritos, o Ministério Público
colocou lupa sobre outras autoridades ligadas ao PSDB. Trata-se de
servidores que ascenderam na gestão Serra, mas mantiveram força e poder
durante o governo Alckmin. São eles: José Luiz Lavorente, diretor de
Operação e Manutenção da CPTM, Luiz Carlos David Frayze, ex-secretário
de transportes e ex-diretor do Metrô, Décio Tambelli, coordenador de
Concessões e Permissões do Metrô de São Paulo e Arthur Teixeira, lobista
do esquema Siemens, dono de uma das offshores uruguaias, utilizadas
pela multinacional para pagar propina a agentes públicos. Como revelado
por ISTOÉ na edição de 20 de julho, as evidências são tão fortes quanto à
proximidade destes personagens com a gestão tucana. Na última semana, o
atual secretário de Transportes, Jurandir Fernandes, reconheceu ter
recebido Teixeira em audiência “junto com outros empresários”. A foto da
página 45 desta reportagem mostra Arthur Teixeira visitando as
instalações da MGE Transportes, uma das empresas integrantes do cartel,
em Hortolândia, interior de São Paulo, ao lado de Jurandir e Lavorente. A
visita ocorreu durante a execução da reforma dos trens da CPTM.
Em meio à enxurrada de evidências, na sexta-feira 9, o governador
Alckmin anunciou a criação de uma comissão para investigar as denúncias
de formação de cartel e superfaturamento em contratos firmados com o
metrô paulista e a CPTM. Para fazer parte dela, ele pretende indicar
integrantes de entidades independentes, como a OAB (Ordem dos Advogados
do Brasil). Segundo o governo, ela terá total independência e contará
com a ajuda dos órgãos de fiscalização do Estado. A medida foi anunciada
após a Justiça Federal negar, na segunda-feira 5, um pedido do governo
de São Paulo para ter acesso aos documentos da investigação do Cade.
Tucanos paulistas acusam o órgão, uma autarquia vinculada ao Ministério
da Justiça, de vazar informação para a imprensa e agir sob os interesses
do PT. Deputados estaduais, porém, questionam a nova comissão. “Tudo
que traga transparência é bem-vindo. Mas há um local institucionalmente
correto para se apurar estas irregularidades. É uma CPI”, diz o líder do
PT na Assembleia Legislativa, Luiz Claudio Marcolino. “Se ele quer
apurar os fatos, como diz, é só pedir para sua base assinar o pedido de
CPI e não obstruir como o PSDB faz por décadas quando o assunto é
metrô”, complementa.
Alckmin resolveu agir porque vê o escândalo se aproximar cada vez
mais do Palácio dos Bandeirantes. As razões para este temor podem estar
em cinqüenta caixas de papelão guardadas nas dependências do CADE, na
Asa Norte, em Brasília. O material foi recolhido após uma operação de
apreensão e busca realizada em 4 de julho na sede de doze empresas
associadas ao cartel em São Paulo, Brasília, Campinas e São Bernardo do
Campo. Só numa destas empresas, os investigadores permaneceram por 18
horas. A Polícia Federal, batizou a operação de “Linha Cruzada”. Não se
sabe, até agora, o que há dentro das caixas de documentos apreendidos. A
informação é que elas permanecem fechadas e lacradas, aguardando ainda a
análise do CADE, que poderá transformar uma investigação de cartel, num
dos mais escandalosos casos de corrupção que o País já assistiu.
Foto: Ale Cabral/futura press
Foto: Almeida Rocha/Folhapress
Foto: Diogo Moreira/frame
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