Às vésperas da Copa do Mundo, enquanto embaixadas são alvo de vandalismo, funcionários de consulados do Brasil no Exterior, numa ação oportunista, paralisam atividades e expõem inabilidade do Itamaraty para resolver suas questões administrativas
Izabelle Torres (izabelle@istoe.com.br)
Às vésperas da
Copa do Mundo no Brasil, o Itamaraty, que deveria zelar pela imagem e
diplomacia do País que está sob os holofotes do mundo, entrou em pé de
guerra. De um lado, as embaixadas vivem dias tensos, sob ameaças de
ataques de vandalismo e depredações. Em Berlim, vândalos jogaram pedras
na representação brasileira em sinal de protesto contra o evento
mundial. Outras embaixadas pelo mundo, especialmente na Europa,
reforçaram a segurança. De outro lado, o desentendimento do Itamaraty
com seus próprios funcionários expôs problemas internos do órgão e uma
total inabilidade diplomática para negociar. Quem precisou de
passaportes ou vistos em 13 representações diplomáticas, incluindo Nova
York e Paris, se deparou com uma paralisação de 48 horas dos
funcionários que possuem contratos terceirizados. Ao chegar a esses
consulados, turistas que pretendem assistir à Copa no Brasil foram
informados sobre a greve em sinal de protesto contra a precariedade dos
direitos trabalhistas de brasileiros que atuam nesses postos sem
vínculos efetivos.
ATAQUES
A embaixada brasileira em Berlim foi apedrejada por um grupo de vândalos
na madrugada da segunda-feira 12. Vidraças foram quebradas
A embaixada brasileira em Berlim foi apedrejada por um grupo de vândalos
na madrugada da segunda-feira 12. Vidraças foram quebradas
A greve, ocorrida justamente quando a
demanda por documentos para a entrada no Brasil triplicou por conta da
Copa, ao mesmo tempo que se revelou oportunista, lançou luz sobre as
dificuldades administrativas do Itamaraty e sua inépcia para tratar com
os próprios funcionários. Não há uma norma internacional que regule os
contratos entre servidores terceirizados e as embaixadas. O Itamaraty
afirma que esses contratos são regidos pela lei do país onde estão
instalados, como determinam a Lei 11.440/06 e o Decreto 1.570/95, e que é
impossível fazer uma negociação global, visto a diferença de mercado e
legislação de cada local. Apesar disso, os funcionários terceirizados
reivindicam direitos previstos na lei brasileira, como, por exemplo, 13º
salário, férias acrescidas de um terço e licença-maternidade. O
movimento é organizado pela Associação dos Funcionários Locais do
Ministério das Relações Exteriores no Mundo (Aflex), organização que não
inclui servidores de carreira que também atuam nas missões brasileiras
no Exterior, como diplomatas e oficiais de chancelaria. O Ministério de
Relações Exteriores diz que os auxiliares locais “têm todo direito de
levar à Justiça local eventuais reclamações trabalhistas ou de
cerceamento de direitos”, mas que até o momento não há registro de que
qualquer contratado local tenha impetrado ação trabalhista no Exterior.
As reclamações remontam ao ano de 2010,
mas, como esses servidores são demissíveis, os protestos vinham sendo
feitos de forma acanhada. O Itamaraty, em vez de encontrar uma solução
para o problema e debelar a crise lá atrás, deixou para negociar na
última hora. Por isso, teve de enfrentar a situação em momento
complicado. De maneira oportunista, esses funcionários aproveitaram a
proximidade com a Copa para intensificar as reivindicações. O resultado
foi a paralisação de serviços essenciais, prejudicando quem recorresse
às embaixadas e consulados no Exterior. “Não queríamos promover
paralisações. Só que chegamos ao nosso limite”, diz Claudia Rajecki,
presidente da Aflex. “Estamos sós e fomos abandonados pelo nosso
governo.” No Congresso, o grupo é ajudado pelo senador Paulo Paim
(PT-RS), que tenta aprovar um projeto de lei no Senado para tornar
obrigatório que representações diplomáticas do Brasil no exterior
contratem funcionários terceirizados com base na CLT.
Durante os protestos registrados na última
semana, foram afetados os consulados de Nova York, Atlanta, Los Angeles,
Hartford, São Francisco e Houston, nos Estados Unidos; de Londres,
Montreal, Frankfurt e Bruxelas, além do consulado e da embaixada em
Paris e em Berna. Houve também manifestações nas embaixadas de Roma e
Milão (Itália), Boston e Miami (EUA), Genebra (Suíça) e Roterdã
(Holanda). As representações diplomáticas brasileiras nos Estados
Unidos, país estrangeiro com mais compradores de ingressos para a Copa,
têm aproximadamente 340 funcionários locais, responsáveis por atividades
como emissão de vistos e passaportes. Só em Nova York, o consulado
brasileiro dispõe de 55 servidores terceirizados. Desses, 28 trabalham
no setor consular e atendem uma média de 350 a 400 pessoas por dia. No
ano passado, segundo informações oficiais, o consulado em Nova York
emitiu 81.767 vistos brasileiros para estrangeiros e 14.013 passaportes
brasileiros.
Ao mesmo tempo que tenta reduzir os
prejuízos gerados pelas paralisações, o Itamaraty trabalha para que suas
representações que foram alvo de vandalismo nos últimos dias voltem à
normalidade. Assustados, funcionários da embaixada em Berlim, na
Alemanha, fecharam as portas. Alguns servidores se recusaram a trabalhar
nos dias posteriores aos ataques. As depredações em Berlim foram
organizadas por um grupo de dez pessoas vestidas de preto. Elas lançaram
cerca de 80 pedras e destruíram grande parte dos vidros do primeiro
andar do prédio. No período noturno, a embaixada conta somente com um
segurança da empresa Securitas na portaria. Em nota divulgada em seu
portal, a polícia disse que, além do porteiro, um policial estaria de
plantão em frente ao edifício durante os ataques. O site Indymedia
publicou a carta de um grupo anônimo que avoca para si a autoria do
ataque. “Para chamar a atenção para o que a Copa do Mundo significa e
derrubar a Fifa, fizemos uma ação com as armas mais simples do povo, as
pedras. Com as mesmas pedras usadas para sua defesa contra o batalhão de
choque, nós demolimos a fachada da embaixada brasileira.” O manifesto
encerra com a expressão “Nao (sem o til) vai ter Copa”. A embaixada
brasileira em Berlim fica situada na rua Wall, no centro da capital
alemã, numa área nobre, com hotéis, museus e representações diplomáticas
de outros países.
Foto: Divulgação Aflex; REYNALDO PAGANELLI/FUTURA PRESS
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