5.07.2012

Produção de camundongos geneticamente modificados.

Pesquisa facilitada

Chineses descobrem técnica mais eficiente para produzir camundongos de laboratório geneticamente modificados. O método, que usa uma célula-tronco embrionária em vez de um espermatozoide para fertilizar o óvulo, vai facilitar o estudo de várias doenças.
Por: Célio Yano
Publicado em 26/04/2012 | Atualizado em 27/04/2012
Pesquisa facilitada
Camundongos com oito semanas de idade produzidos a partir da fecundação de um óvulo por uma célula-tronco embrionária haploide. Técnica permite a criação de roedores geneticamente modificados de forma mais rápida e eficiente. (foto: Cell/ Elsevier)
Produzir animais geneticamente modificados para experimentos científicos é prática cada vez mais comum em laboratórios de todo o mundo. Mas a forma como isso vem sendo feito ainda deixa muito a desejar: o processo é demorado, e o resultado nem sempre é o que se espera.
Esses problemas podem estar com os dias contados, graças a um grupo de pesquisadores chineses que conseguiu criar camundongos geneticamente modificados por meio de um método inédito. A novidade foi que eles usaram uma célula-tronco embrionária no lugar de um espermatozoide para fertilizar um óvulo imaturo.
A forma como se produz animais geneticamente modificados ainda deixa muito a desejar: o processo é demorado, e o resultado nem sempre é o que se espera
A descrição do trabalho está na última edição da revista Cell , publicada nesta quinta-feira (26/04). Para entender a estratégia que os pesquisadores usaram, é preciso saber alguns conceitos técnicos.
As células da maior parte dos animais são classificadas em duas categorias segundo a configuração genética. No caso da espécie humana, por exemplo, as células reprodutivas (espermatozoides e óvulos imaturos) têm 23 cromossomos e são chamadas haploides. Já as demais, que compõem os órgãos e tecidos humanos, carregam 46 cromossomos e, por isso, são classificadas como diploides.
O número de cromossomos nas células varia de acordo com a espécie de animal, mas as haploides sempre terão a metade do que as diploides contêm. Na fecundação do óvulo imaturo pelo espermatozoide, o futuro embrião passa a ter material genético tanto do pai quanto da mãe e, assim, torna-se diploide.
Portanto, as células-tronco embrionárias são, por natureza, diploides. Para que os pesquisadores conseguissem utilizar uma delas no lugar de um espermatozoide, foi necessário primeiramente criar células-tronco haploides, que, no caso do camundongo de laboratório (Mus musculus), têm 20 cromossomos.
O procedimento consistiu em retirar o núcleo de um óvulo imaturo, transformando-o em uma célula sem material genético, e injetar em seu interior um espermatozoide. Quem explicou à CH On-line foi o bioquímico Jinsong Li, um dos autores do trabalho.
“Ainda precisamos aperfeiçoar as características de espermatozoide dessa célula, mas o que fizemos foi suficiente para usá-la na fecundação”
“O que obtivemos foi uma célula-tronco embrionária haploide que manteve as impressões químicas características da linhagem paterna encontradas no esperma”, diz Li, pesquisador do Instituto de Bioquímica e Biologia Celular do Instituto de Ciências Biológicas de Xangai.
“Ainda precisamos aperfeiçoar as características de espermatozoide dessa célula, mas o que fizemos foi suficiente para usá-la na fecundação”, acrescenta.
Camundongos geneticamente modificados são essenciais para pesquisas com doenças que vão do mal de Alzheimer ao câncer. Em 2007, o Nobel de Medicina ou Fisiologia foi dividido pelo britânico Sir Martin J. Evans e pelos norte-americanos Mario R. Capecchi e Oliver Smithies justamente pela criação de uma tecnologia para produção de camundongos geneticamente modificados.

Vantagens

No modelo usual para modificação genética de camundongos de laboratório, uma nova linhagem é produzida a partir de células-tronco embrionárias comuns, que carregam tanto os genes do ‘pai’ quanto os da ‘mãe’ que as geraram, ou seja, são diploides. Por meio de engenharia genética, o pesquisador pode alterar alguma parte da estrutura que seja de interesse científico.
Essas células, modificadas, são injetadas em um blastócito (tipo de pré-embrião), que por sua vez é implantado em uma fêmea que será uma espécie de ‘mãe de aluguel’. O filhote nascido dessa gestação é chamado de quimera, pois é constituído tanto de células com mutações quanto de células normais.
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Ninhada nascida de uma fêmea modificada geneticamente pelo novo método. A roedora mãe transmite a alteração genética para sua prole. (foto: Cell/ Elsevier)
Como o genoma modificado é incorporado aleatoriamente nas células que darão origem a óvulos e espermatozoides, as modificações genéticas podem passar para os futuros filhotes do animal ou não.
Caso sejam transferidas para a geração seguinte, consegue-se a linhagem geneticamente modificada. “Mas esse processo leva pelo menos um ano”, explica Li.
A técnica desenvolvida por sua equipe permite que, após a preparação das células-tronco e a fertilização, a espera por um roedor transgênico que transmitirá suas características para as próximas gerações seja apenas do período de gestação do animal, que é de cerca de 20 dias.
No experimento, o grupo de pesquisadores chineses utilizou uma linhagem de camundongo de laboratório já modificada geneticamente, chamada tecnicamente pelo código Oct4-EGFP .

Outros animais

Li explica que a nova metodologia deve permitir ainda a modificação genética de outros animais, como macacos, que sempre apresentaram restrições para serem manipulados, uma vez que a espécie não admite a produção de quimeras. “A eficiência ainda precisa ser testada em primatas, mas tudo indica que nosso modelo abre novos caminhos para trabalhos com macacos geneticamente modificados.”
A nova metodologia deve permitir ainda a modificação genética de outros animais, como macacos
“Para usar nosso procedimento em outros animais, é preciso que tecnologias como a de transferência nuclear e de microinjeção intracitoplasmática já estejam estabelecidas para a espécie”, afirma o bioquímico. “Todas essas tecnologias estão disponíveis para macacos.”
Os pesquisadores afirmam que a utilização de células-tronco embrionárias haploides ainda não é tão boa para a fertilização in vitro humana quanto o uso de espermatozoides. “Nossas células mantêm apenas parcialmente as características paternas encontradas no espermatozoide e, além disso, essas características tendem a se perder durante a cultura de células”, diz Li.
Futuramente, porém, eles acreditam que o aperfeiçoamento da técnica pode permitir seu uso para modificar células reprodutoras humanas para que um casal com genes de uma doença genética possa ter um filho saudável.

Célio Yano
Ciência Hoje On-line/ PR

Este texto foi modificado para incluir a seguinte alteração:
O estudo foi realizado com camundongos (Mus musculus), e não ratos, como constava na versão anterior. (27/04/2012)

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