Na CH de abril, Franklin Rumjanek aborda a polêmica e as
consequências das fraudes envolvendo a utilização do resveratrol,
substância presente no vinho, em estudos sobre tratamento e prevenção do
câncer.
O resveratrol é um polifenol que pode ser encontrado principalmente nas sementes de uvas, na película das uvas pretas e no vinho tinto. Foi descoberto em pesquisa na PUCRS que a raiz de uma hortaliça chamada azeda possui cem vezes mais resveratrol do que o suco de uva ou o vinho. (Jornal Folha de São Paulo). Quanto mais intensa for a cor, quer do vinho quer das uvas, tanto maior o seu conteúdo em polifenóis. Além do resveratrol, existem outros polifenóis com interesse para a saúde humana, tais como os taninos, flavonas e os ácidos fenólicos.Estudos parecem indicar que o resveratrol pode ajudar a diminuir os níveis de lipoproteínas de baixa densidade, também conhecidas como colesterol LDL e aumentar os níveis de lipoproteínas de alta densidade, o colesterol HDL. (O LDL, principalmente no seu estado oxidado, pode acumular-se nas paredes dos vasos sanguíneos, levando à formação de placas de ateroma. Essas placas dão origem à aterosclerose, que causa a obstrução dos vasos sanguíneos).
O resveratrol favorece a produção, pelo fígado, de HDL; e a redução da produção de LDL, e ainda impede a oxidação do LDL circulante. Tem, assim, importância na redução do risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como o infarto do miocárdio.
Estudos parecem indicar também um efeito benéfico do resveratrol na prevenção do câncerPB / cancroPE, pela sua capacidade de conter a proliferação de células tumorais, através da inibição da proteína NF Kappa B, está envolvida na regulação da proliferação celular.
Acusação de fraude contra defensor do efeito do vinho no
combate ao câncer coloca potencial terapêutico da substância sob
suspeita e prejudica outras linhas de pesquisa baseadas nos resultados
contestados. (foto: Flickr/Andrew Albertson – CC BY-NC-ND 2.0)
Um ritual praticamente universal ao ingerir bebidas alcoólicas é,
antes da libação, brindar os presentes desejando-lhes saúde. Em
especial, o consumo de vinho parece justificar tal costume. Dentre as
virtudes dessa bebida, têm sido relatadas na literatura científica
atividades de proteção contra o câncer além de doenças ligadas ao
sistema cardiovascular.
No vinho, o princípio ativo seria o resveratrol, um polifenol que exerceria seus efeitos benéficos por meio da regulação da produção de radicais livres, potenciais agentes carcinogênicos. Radicais livres em excesso são, junto com inúmeros outros compostos, reconhecidamente agentes que podem deflagrar o processo de formação de tumores.
Os verbos estão conjugados no futuro do pretérito porque a recomendação da ingestão de vinho como um procedimento terapêutico recebeu recentemente um golpe sério.
As acusações se basearam principalmente em resultados que, segundo os analistas, revelaram manipulação por meio de programas utilizados no processamento de imagens. Em outras palavras, Das ‘fabricou’ resultados que apoiariam suas ideias. Naturalmente, sua carreira científica está encerrada e possivelmente também a de seus colaboradores mais próximos. Mas isso não resolve o problema.
Talvez o dano maior tenha sido o efeito cascata resultante do impacto das publicações sobre outros grupos científicos que, em função da leitura de tais textos, nortearam seus próprios projetos, vigentes ou potenciais. Incluam-se aí também as comunidades médica e farmacêutica que investiram, ou teriam investido, pesadamente em protocolos, visando consagrar o resveratrol (e o vinho) como uma arma significativa do restrito arsenal anticâncer.
A fraude de Das não significa, entretanto, que o resveratrol deva cair em desgraça e ser abandonado. Outros grupos de prestígio já produziram resultados encorajadores, mas fica agora a pergunta sobre o que pode ser aproveitado em termos de resultados desde 2002, quando começaram as suspeitas sobre os trabalhos desse médico.
Um excelente artigo publicado na revista Nature (v. 483, 01/03/12) por Barbara Dunn, diretora do programa de prevenção ao câncer do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, discute de maneira muito clara o estado da arte sobre a pesquisa e as novas estratégias de tratamento do câncer. Dunn dá destaque especial ao resveratrol como uma avenida importante a ser percorrida pelos pesquisadores e como alento a todos aqueles preocupados com o aumento da freqüência de incidência do câncer.
Aliás, segundo Dunn, o câncer parece ser bem mais antigo que o vinho, já que ossos fossilizados de dinossauros exibiam evidências de tumores (pode-se afirmar que o vinho é quase tão antigo quanto a humanidade). Assim, lendo o texto de Dunn no cenário pós-Das, fica a dúvida sobre a validade potencial ou de fato do resveratrol e de outros produtos de plantas, o que ilustra eloquentemente que os malefícios da fraude científica transcendem as paredes do laboratório.
Além do resveratrol, há no momento uma nítida tendência a fortalecer a fitoquímica como maneira de descobrir novos adjuvantes da quimioterapia em câncer. Certas pimentas, por exemplo, contêm compostos que matam seletivamente as células tumorais, o que é o objetivo maior dos oncologistas. Seria possível com tais produtos evitar os efeitos colaterais da quimioterapia que muitas vezes produzem sintomas piores que o próprio tumor.
Embora a fraude em ciência não seja endêmica ainda, o exemplo de Das vai, infelizmente, complicar ainda mais o processo de publicação científica. Não só a competência dos pesquisadores será julgada, mas também a sua honestidade. Na verdade, alguns periódicos já fazem isso lançando mão de sofisticadas ferramentas de informática.
Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Texto originalmente publicado na CH 291 (abril de 2012).
No vinho, o princípio ativo seria o resveratrol, um polifenol que exerceria seus efeitos benéficos por meio da regulação da produção de radicais livres, potenciais agentes carcinogênicos. Radicais livres em excesso são, junto com inúmeros outros compostos, reconhecidamente agentes que podem deflagrar o processo de formação de tumores.
Os verbos estão conjugados no futuro do pretérito porque a recomendação da ingestão de vinho como um procedimento terapêutico recebeu recentemente um golpe sério.
A recomendação da ingestão de vinho como um procedimento terapêutico recebeu recentemente um golpe sério
Um dos principais advogados favoráveis ao resveratrol, o cirurgião
Dipak K. Das, da Universidade de Connecticut (EUA) e editor de um
importante periódico especializado na área de radicais livres, foi
acusado de fraude. Das tem centenas de publicações, mas aquelas que o
traíram são 26.As acusações se basearam principalmente em resultados que, segundo os analistas, revelaram manipulação por meio de programas utilizados no processamento de imagens. Em outras palavras, Das ‘fabricou’ resultados que apoiariam suas ideias. Naturalmente, sua carreira científica está encerrada e possivelmente também a de seus colaboradores mais próximos. Mas isso não resolve o problema.
Talvez o dano maior tenha sido o efeito cascata resultante do impacto das publicações sobre outros grupos científicos que, em função da leitura de tais textos, nortearam seus próprios projetos, vigentes ou potenciais. Incluam-se aí também as comunidades médica e farmacêutica que investiram, ou teriam investido, pesadamente em protocolos, visando consagrar o resveratrol (e o vinho) como uma arma significativa do restrito arsenal anticâncer.
A fraude de Das não significa, entretanto, que o resveratrol deva cair em desgraça e ser abandonado. Outros grupos de prestígio já produziram resultados encorajadores, mas fica agora a pergunta sobre o que pode ser aproveitado em termos de resultados desde 2002, quando começaram as suspeitas sobre os trabalhos desse médico.
Um excelente artigo publicado na revista Nature (v. 483, 01/03/12) por Barbara Dunn, diretora do programa de prevenção ao câncer do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, discute de maneira muito clara o estado da arte sobre a pesquisa e as novas estratégias de tratamento do câncer. Dunn dá destaque especial ao resveratrol como uma avenida importante a ser percorrida pelos pesquisadores e como alento a todos aqueles preocupados com o aumento da freqüência de incidência do câncer.
Aliás, segundo Dunn, o câncer parece ser bem mais antigo que o vinho, já que ossos fossilizados de dinossauros exibiam evidências de tumores (pode-se afirmar que o vinho é quase tão antigo quanto a humanidade). Assim, lendo o texto de Dunn no cenário pós-Das, fica a dúvida sobre a validade potencial ou de fato do resveratrol e de outros produtos de plantas, o que ilustra eloquentemente que os malefícios da fraude científica transcendem as paredes do laboratório.
Além do resveratrol, há no momento uma nítida tendência a fortalecer a fitoquímica como maneira de descobrir novos adjuvantes da quimioterapia em câncer. Certas pimentas, por exemplo, contêm compostos que matam seletivamente as células tumorais, o que é o objetivo maior dos oncologistas. Seria possível com tais produtos evitar os efeitos colaterais da quimioterapia que muitas vezes produzem sintomas piores que o próprio tumor.
Embora a fraude em ciência não seja endêmica ainda, o exemplo de Das vai, infelizmente, complicar ainda mais o processo de publicação científica. Não só a competência dos pesquisadores será julgada, mas também a sua honestidade. Na verdade, alguns periódicos já fazem isso lançando mão de sofisticadas ferramentas de informática.
Franklin Rumjanek
Instituto de Bioquímica Médica
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Texto originalmente publicado na CH 291 (abril de 2012).
Nenhum comentário:
Postar um comentário