O alívio da ansiedade
Conheça os novos tratamentos e as descobertas que ajudam a controlar as crises e melhorar a qualidade de vida daqueles que sofrem com a chamada doença do século
Cilene Pereira e Mônica Tarantino
Neste momento, uma em cada quatro pessoas no mundo está com uma
sensação de aperto no peito, sentindo o coração bater mais rápido, com
as mãos suando. Na mente, um medo inexplicável ou preocupação obsessiva
com algo que ainda nem aconteceu. Esses são alguns dos sintomas das
crises de ansiedade, um dos transtornos mentais mais incidentes da
atualidade e, assim como os demais, extremamente cruel. Dependendo do
grau, tira o sono do indivíduo, deixa-o mais predisposto a sofrer de
enfermidades cardiovasculares e o priva de sair de casa quando o medo
atinge níveis incontroláveis.
Estudos mostram que a ansiedade é mais frequente do que transtornos de
humor como a depressão. E dados divulgados pelo World Health Mental
Survey, ligado à Organização Mundial da Saúde, revelam um triste
panorama para o Brasil: 20% das pessoas que vivem em São Paulo convivem
com ou tiveram algum transtorno ansioso nos últimos 12 meses. “Foram
analisadas cidades de 24 países. Em São Paulo, encontramos o índice mais
elevado”, diz Laura Andrade, do Instituto de Psiquiatria da
Universidade de São Paulo (USP). Mas um esforço monumental da medicina
para buscar as origens da doença e criar novas opções de tratamento
promete dar alívio a quem sofre desse pesadelo.
A ansiedade fazia parte das reações que nossos ancestrais manifestavam
diante de ameaças como a possibilidade de um ataque animal ou a morte
por frio extremo. Preocupar-se com esses eventos mantinha o corpo em
alerta: mais tenso, pressão elevada, maior bombeamento de sangue. Se o
perigo se concretizasse, o corpo estava pronto para reagir. Se não, o
sistema era desligado. Esse esquema ficou gravado no cérebro e até hoje
entra em ação diante de situações interpretadas como risco. Essas
circunstâncias podem ser reais ou fictícias, resultado de mecanismos
psíquicos não totalmente esclarecidos. O problema é que, se esse estado
de preocupação se torna crônico, caso da ansiedade generalizada, ou leva
a crises espontâneas, como os ataques de pânico, deixa de ser uma
reação natural. Causa prejuízos à saúde e à vida social, afetiva e
profissional. Transforma-se em doença.
TERAPIA
Adriana Mazzagardi tem a ajuda dos cavalos para controlar o sentimento
Atualmente, há catalogados oito tipos da enfermidade (leia mais
detalhes no quadro à pág.84). Como ocorre com a maioria das enfermidades
mentais, há dificuldade na detecção do problema. “Um estudo feito em
Londres, pelo psiquiatra Paul Bebbington, mostrou que apenas 14% dos
pacientes tinham sido diagnosticados e tratados no ano anterior ao
trabalho”, contou Márcio Bernik, coordenador do Programa de Ansiedade
(Amban) do Instituto de Psiquiatria da USP. O diagnóstico é feito por
psicólogos ou psiquiatras, que recorrem a perguntas definidas para
identificar a alteração, como ela se insere na vida do indivíduo e sua
gravidade. “Uma das primeiras perguntas é se a pessoa sente que teve
prejuízo em algum campo ou momento da vida por causa da doença”, diz o
psiquiatra Bernik.
O tratamento varia de acordo com o transtorno especifico e a intensidade
da enfermidade. Nos casos mais leves, indicam-se apenas medicamentos ou
sessões de terapia cognitivo-comportamental (TCC), método cujo objetivo
é modificar padrões de pensamentos e comportamentos associados. Uma
pessoa que tenha receio permanente de perder o emprego, por exemplo,
pode ser treinada para evitar esses pensamentos ou substituí-los por
outros, mais otimistas e calcados na realidade. Nos casos moderados e
mais graves, é recomendada a combinação de remédios com a TCC. Um
trabalho da psicóloga Mariângela Savoia, ligada ao Amban, mostrou que
essa associação foi mais eficaz do que o uso isolado dos métodos.
Os recursos criados recentemente são utilizados para os casos mais
severos e que não respondem ao tratamento padrão. Um dos mais
promissores é a aplicação da realidade virtual. A terapia consiste em
expor o paciente – de modo virtual – às situações que desencadeiam
crises para que, aos poucos, ele aprenda formas de evitar os pensamentos
ansiosos. Na Universidade de Washington (EUA), o método está sendo
aplicado para tratar fobias, a ansiedade gerada pelo estresse
pós-traumático e aquela sentida durante a troca de curativos em
pacientes com queimaduras. “Temos bons resultados”, disse à ISTOÉ Hunter
Hoffman, coordenador da equipe que aplica a técnica.
Semelhante à realidade virtual, a terapia de modificação cognitiva
com auxílio de computador também desponta como alternativa. Um trabalho
da Brown University (EUA) mostrou que indivíduos com fobia de falar em
público melhoraram depois de se submeter aos exercícios duas vezes por
semana, por um mês. Eles consistem em instruir o paciente a evitar
expressões faciais hostis – para quem tem fobia social isso detona
crises – e a interpretar as reações de interlocutores de forma otimista.
Começa também a ser testada a eficácia da estimulação magnética
transcraniana. A técnica submete o paciente a aplicações de ondas
eletromagnéticas. O objetivo é regularizar a atividade elétrica nas
regiões cerebrais associadas à doença (leia mais no quadro à pág. 82). O
médico Marco Marcolin, do Instituto de Psiquiatria da USP, iniciará até
o fim do ano testes com 30 pacientes com fobia social. Por enquanto,
não há nada conclusivo. Estudos com o método para tratar a ansiedade
associada ao estresse pós-traumático deram resultados negativos no
Brasil e positivos na Europa.
Ganhando espaço na prática clínica está o neurofeedback, método que se
propõe a imprimir no cérebro um novo padrão de funcionamento, igual ao
de uma pessoa sem a doença. “Eletrodos colocados sobre o couro cabeludo
fazem a leitura da informação neurológica que está sendo produzida e
registrada por eletroencefalografia”, explica o psicólogo Leonardo
Mascaro, mestre em neurociências pelo Núcleo de Neurociências e
Comportamento da USP e autor do livro “Para Que Medicação?”. Segundo
ele, na presença de enfermidades como a ansiedade, os dados revelam
padrões eletroencefalográficos anormais e específicos que possibilitam o
reconhecimento da doença ou de outros comprometimentos neurológicos.
TECNOLOGIA
Acima, o psicólogo Mascaro acompanha a sessão de neurofeedback da
empresária Marisa. Abaixo, paciente com queimadura no braço usa equipamento
de realidade virtual. O recurso o ajuda a diminuir a dor e a ansiedade
No treinamento, o paciente visualiza as alterações e também os
padrões normais. “Os parâmetros corretos são então apresentados de volta
aos neurônios por meio de um trabalho de condicionamento feito sob a
forma de sinalização sonora e visual”, diz Mascaro. Essas sinalizações
ocorrem somente quando os neurônios em treino produzem o tipo de
atividade que está sendo solicitada. “Dessa maneira acontece a
aprendizagem neurológica e a modificação da atividade cerebral, que se
normaliza progressivamente”, complementa o psicólogo. “Conforme o
tratamento caminha, a pessoa necessita de menos medicação e a retirada
do medicamento acontece, sempre sob supervisão médica”, assegura
Mascaro. A empresária Marisa Rollemberg Rocha, 40 anos, de Brasília,
submeteu-se a três sessões até agora. “Já consigo dormir melhor e passei
a suar menos nas mãos”, diz. A técnica, porém, não é aceita por todos
os médicos. Bernik, do Amban, não a considera eficaz.
O desenvolvimento de instrumentos como esses só foi possível a partir do
avanço do conhecimento sobre as bases neurológicas da doença. Apesar
de a identificação das estruturas cerebrais vinculadas à enfermidade ter
sido feita há algum tempo, dezenas de pesquisas estão revelando
detalhes sobre a interação entre elas. Cientistas da Columbia University
(EUA), por exemplo, descreveram a maneira pela qual operam o hipocampo e
o córtex pré-frontal medial. “Vimos que o hipocampo envia muita
informação para esta área do córtex, fazendo com que ela reconheça o
ambiente como uma ameaça”, explicou Joshua Gordon, autor da pesquisa.
Por aqui, o psiquiatra Luiz Vicente Mello, de São Paulo, participa de um
esforço internacional para entender melhor a relação entre
comportamentos ansiosos e mecanismos de defesa legados pela evolução.
“Muitas das nossas reações são anacrônicas. Ao mesmo tempo, não temos
defesas para situações recentes, como o medo de carros, que precisa ser
ensinado”, diz.
ENERGIA
O psiquiatra Marcolin iniciará os testes para verificar a eficácia da aplicação
de ondas eletromagnéticas em centros cerebrais associados à doença
Ainda na USP, cientistas investigam a relação da enfermidade com o
sistema serotonérgico do cérebro. Recentemente, o psiquiatra Felipe
Corchs, em estudo feito no Amban com universidades da Inglaterra, Nova
Zelândia e Austrália, observou que as diferenças na quantidade de
serotonina (substância que faz a comunicação entre neurônios) interferem
na sensibilidade aos estímulos que iniciam crises. Para chegar a essa
conclusão, os cientistas deixaram sem comer proteínas um dia inteiro
voluntários que já haviam sido tratados de transtornos ansiosos. Não
ingerir proteína prejudica o aporte de triptofano, aminoácido essencial
para a formação da serotonina.
O resultado foi surpreendente: pacientes com pânico, estresse
pós-traumático e fobia social ficaram mais sensíveis aos gatilhos de
crise, sugerindo que a serotonina tem papel na modulação dessa resposta.
“E pessoas que tinham melhorado com o tratamento pioraram quando os
níveis da substância diminuíram”, explicou Felipe. A redução do composto
não causou o mesmo impacto em pacientes com ansiedade generalizada e
transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Para estes, o que parece é que o
contrário, o aumento na concentração da serotonina, faz diferença. Um
outro estudo, feito pelo psicólogo Thiago Sampaio, também do Amban,
indicou que portadores de TOC que possuem maior concentração de
serotonina respondem mais rápido à terapia.
Intervir nas situações em que a ansiedade pode prejudicar o tratamento é
hoje uma atitude incorporada por alguns hospitais. No Albert Einstein,
em São Paulo, psicólogos entram em ação para atender pacientes
internados que apresentam sintomas da doença. “Uma das formas de
reduzi-los é ajudar os doentes a esclarecer suas dúvidas”, diz Ana
Kernkraut, coordenadora do serviço de psicologia do hospital.
Nos EUA, médicos usaram a terapia com animais para diminuir o sentimento
em indivíduos que se submeteriam a exames de imagem, situação que
desencadeia temor. No Monmouth Medical Center, 28 pacientes que fariam
ressonância magnética foram selecionados para brincar com cães por 15
minutos, meia hora antes de fazer o exame.
Comparados a doentes que não tiveram esse tempo com os animais, eles
manifestaram muito menos ansiedade. “A terapia mostrou potencial para
substituir os remédios contra crises às vezes dados aos pacientes”,
disse Richard Ruchman, autor do estudo.
No Brasil, nos centros de equoterapia é possível aliviar os sintomas com
o auxílio dos cavalos. A empresária Adriana Mazzagardi experimentou
esses efeitos durante as aulas de equitação que teve na infância e
decidiu expandir o benefício. “Os cavalos me ensinaram a controlar a
minha ansiedade, que era muito intensa”, diz Adriana, que está à frente
do Centro Equestre Equovita, em Jundiaí (SP). O local é frequentado por
muitas pessoas em busca de alívio das tensões. “Se você está ansioso e
sem concentração, o cavalo percebe e reage. Você precisa estar atento e
calmo para que ele se deixe conduzir”, diz Adriana.
Manter a ansiedade sob controle é também importante porque reduz riscos
para outras doenças. Na semana passada, pesquisadores da Stanford
University (EUA) divulgaram os resultados de um estudo com animais,
indicando que o sentimento contribui para o surgimento de tumores. A
explicação é a de que a ansiedade costuma vir acompanhada de estresse.
Juntas, as condições enfraquecem o sistema de defesa do organismo. “Eles
podem acelerar a progressão do câncer”, afirmou o imunologista Firdaus
Dhabhar, autor do experimento.
A conexão com a depressão também está sendo investigada. Um trabalho
patrocinado pelo Canadian Institutes of Health Research apontou uma
molécula (CRFR1) como a responsável pela interação entre a ansiedade, o
estresse e a doença. Um primeiro passo já foi dado para quebrar a
associação: em cobaias, a inibição da produção dessa molécula atenuou a
ansiedade.
Mais conhecida, a relação da enfermidade com os males cardiovasculares
exige também atenção. Tanto que médicos do Montreal Heart Institute,
também no Canadá, fizeram um trabalho para provar que pacientes em risco
para doenças do gênero e que apresentem traços de ansiedade devem ser
submetidos a uma tomografia do coração, e não apenas a um
eletrocardiograma. “O exame de imagem é mais efetivo para identificar
doença cardíaca nesses indivíduos”, afirmou Simon Bacon, coautor do
experimento.
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