A segunda guerra do mensalão
Com uma composição que agora é desfavorável a ele, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, terá o desafio de evitar a impunidade
Izabelle TorresNa quarta-feira 18, quando o ministro Celso de Mello anunciou o voto de desempate no debate sobre embargos infringentes para 12 réus da ação penal 470, consumou-se uma mudança profunda no universo do Supremo Tribunal Federal. O julgamento do mensalão havia transformado o ministro Joaquim Barbosa no primeiro magistrado brasileiro cujo rosto foi reproduzido em máscaras de Carnaval e lhe trouxe uma popularidade capaz de alimentar uma eventual candidatura presidencial em 2014. Treze meses depois, o juiz que muitos brasileiros passaram a considerar como símbolo da luta contra a corrupção encarou uma derrota que o placar de 6 votos a 5 não traduz em seu significado real. Se tivesse sido vitorioso mais uma vez, como aconteceu sem exceção em todas as deliberações relevantes do julgamento, Barbosa teria conservado a posição de força que lhe permitiu conduzir o processo até aqui e provavelmente essa semana réus como o ex-ministro José Dirceu e o deputado João Paulo Cunha estivessem a caminho da cadeia para cumprir suas penas em regime fechado. A derrota de Barbosa, no entanto, adiou esse final, frustrou boa parte dos brasileiros e lhe trouxe novos desafios. Nos próximos meses, o presidente do STF terá a missão de liderar uma corte que seja capaz de assegurar os direitos que a lei permite a réus já condenados, mas que seja intransigente com a punição. E terá de fazer isso sem os mesmos poderes de antes. Nessa nova etapa do mensalão, estarão em cena dois ministros que não participaram das decisões anteriores, um novo procurador da República e um novo relator. Além disso, o resultado da quarta-feira 18 mostra que uma nova correlação de forças pode se instalar no plenário da Suprema Corte, tornando-o mais legalista.
NOVOS PROTAGONISTAS
Emergem para a próxima etapa do julgamento. Além do presidente do STF,
Joaquim Barbosa (à frente), exercerão papel fundamental os ministros Luiz Fux,
Luís Roberto Barroso e Teori Zavaski (da esq. para a dir.)
CORRELAÇÃO DE FORÇAS
Com o voto do decano Celso de Mello (embaixo, à dir. do ministro Gilmar Mendes)
em favor dos embargos infringentes, o ex-ministro José Dirceu (abaixo)
pode se beneficiar de uma composição do STF considerada mais “legalista”
e se livrar do regime fechado. O novo procurador da República, Rodrigo Janot (acima),
só pretende pedir a prisão dos condenados depois que todos os trâmites legais forem cumpridos
Escolhido por sorteio, o novo relator, Luiz Fux, mostrou-se um aliado de todas as horas de Barbosa. Mas não possui a mesma autoridade entre os colegas. Acusado de ter feito uma das mais persistentes campanhas para convencer a presidenta Dilma Rousseff a indicar seu nome para o STF, deixando em vários interlocutores do governo a certeza de que estava convicto da inocência dos acusados, sua capacidade de convencer ministros e liderar o plenário é muito baixa. Outra mudança no ambiente político em torno do tribunal consiste no novo procurador-geral da República, que dará sua opinião em vários momentos do julgamento, a começar pelos recursos que cada réu vai apresentar. Até agora, a postura de Roberto Gurgel sempre foi a de parceiro inquebrantável de Barbosa. O novo procurador, Rodrigo Janot, demonstra uma visão mais moderada e conciliadora. Na semana passada, Janot deixou claro que só pretende pedir a prisão dos condenados depois que todos os trâmites legais tiverem sido cumpridos.
A principal lição do voto de desempate de Celso de Mello, na semana passada, consiste em evitar maniqueísmos que só podem prejudicar o Direito e a Justiça. Mesmo inteiramente convencido da culpa dos condenados da Ação Penal 470, o decano apoiou os embargos infringentes sem manifestar a menor dúvida de que os condenados são mesmo culpados e devem cumprir a pena recebida. A questão, lembrou o decano, é que um juiz deve ser “justo, isento, imparcial e independente”. Não pode negar a um réu uma garantia assegurada a todos os cidadãos nem renunciar a suas convicções da missão do Direito em favor de pressões políticas ou da opinião das multidões. Esclarecendo, com base numa decisão do Congresso de 1998, que, longe de constituir uma “filigrana ou tecnicalidade,” os embargos integram os direitos fundamentais do regime democrático, Celso de Mello definiu um equilíbrio necessário entre a necessidade de punir crimes de toda natureza e a importância de se garantir uma ampla defesa, mostrando que é preciso combater a impunidade, mas nem por isso deve-se aceitar que direitos sejam atropelados. Num país onde há justa indignação com a impunidade, caberá agora ao ministro Joaquim Barbosa separar com rigor o que é direito assegurado daquilo que é filigrana ou tecnicalidade, armas que advogados competentes costumam usar para protelar a punição dos culpados.
A FORÇA DO NOVATO
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