Elas são jovens, bonitas, modernas e declaradamente heterossexuais. Mas são vistas nas baladas assediando e namorando garotos homossexuais. O que explica essa curiosa atração
O desafio de Juliana parece ser compartilhado por um número cada vez maior de meninas. Elas querem um gay para chamar de seu. O assédio feminino é tão frequente que muitos gays reclamam. As marias purpurinas – apelido dessas garotas que se encantam por homens muitas vezes de voz afeminada e trajes extravagantes – vão a casas noturnas voltadas para o público homossexual para se divertir. E, na falta de héteros no local, paqueram os gays. “Elas atacam mais que as bichas!”, diz o blogueiro e DJ Daniel Carvalho. “Falo na hora que comigo não rola, mas elas passam a mão e ficam em cima. Sempre dou um jeito de fugir.”
O fascínio feminino pelos gays é antigo. E sempre pareceu restrito à clássica amizade entre mulher hétero e homem homossexual, nutrida por interesses comuns. Nos Estados Unidos, o termo “fag hag” descreve as meninas que se encantam pelo universo gay. Nos últimos anos, as linhas que definem as fronteiras entre amizade e relacionamento amoroso parecem ter se fundido. O cinema e a televisão captaram rapidamente isso. Na novela A favorita, de 2008, a atriz Deborah Secco interpretava Céu, uma prostituta que casa de fachada com o amigo gay e se apaixona. No filme A razão do meu afeto, lançado em 1998, a personagem de Jennifer Aniston se envolve com o amigo gay. A série americana Will & Grace, exibida entre 1998 e 2006, faz comédia com um casal de ex-namorados. O homem descobre que é gay, mas a dupla continua enrolada. Em sua segunda temporada, o reality show Girls who like boys who like boys (Garotas que gostam de garotos que gostam de garotos) mostra as nuances da amizade entre os gays e suas amigas.
Parte da explicação vem da abertura recente da sociedade. Com maior liberdade para as pessoas assumirem suas orientações sexuais, as mulheres sentiram-se à vontade para experimentar outras possibilidades. E os gays, liberados para se divertir em relacionamentos convencionais. “As novas gerações não querem se prender a rótulos rígidos e definitivos”, afirma o psiquiatra Alexandre Saadeh, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mesmo porque a atração sexual e o envolvimento afetivo não cabem em definições simplórias. Nos estudos sobre sexualidade, algumas teorias sugerem que a mente humana separa sexo de afeto. Os dois podem ser totalmente distintos. “Uma pessoa pode ser homossexual e heteroafetiva”, afirma Saadeh. Um gay pode gostar de transar com homens, mas ter maior afinidade para conversar e se relacionar emocionalmente com mulheres. Assim como um homem pode ser heterossexual, mas homoafetivo. Ou seja, ele se excita com o sexo feminino e se sente mais bem compreendido pelos amigos do sexo masculino.
Mas, segundo os psiquiatras, há outras razões menos libertárias e que, ao contrário, evocam antigos estereótipos para explicar o arranjo curioso entre gays e mulheres. A primeira delas é que, em geral, os gays são fisicamente atraentes. Preocupam-se com a aparência porque precisam chamar a atenção de outros homens, seres que, por natureza, são seduzidos principalmente pelo apelo visual. Ao contrário de muitos heterossexuais, que nutrem com carinho uma barriga de cerveja e se negam a comprar roupas novas, os gays em geral são antenados com o universo da moda e cuidam do corpo. Mantêm aquela barba milimetricamente mal-feita, o cabelo impecável e o perfume recém-aplicado. Tornam-se irresistíveis ao olfato e ao olhar delas. “Já são maravilhosos e perfeitos à primeira vista”, diz Juliana.
O desafio de converter um gay a heterossexual é outra razão que fascina muitas das marias purpurinas. É uma busca por autoafirmação. Elas se sentem valorizadas por fazer com que um gay traia a própria orientação sexual por alguns beijos com ela. “Ela se sente muito poderosa quando consegue seduzir um homossexual”, afirma Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Sexualidade da Universidade de São Paulo.
Os motivos que levam alguns gays a manter a amizade colorida não são muito diferentes dos alegados pelas mulheres. Na hora da carência emocional, eles também precisam de referências com quem possam contar. As mulheres estão dispostas a oferecer esse vínculo emocional. O estilista A.B, de 27 anos, já namorou três mulheres. Diz ter certeza de que não é bissexual. Mas, quando bebe demais e elas continuam investindo incisivamente, ele afirma que é difícil resistir. Hoje, Alexandre namora outro homem. Diz que ficar com mulheres dá muita dor de cabeça. “Elas se apaixonam de verdade.”
Época
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