Cliquem aqui e confiram a íntegra do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
11 dez 2014
A importância histórica do relatório final dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), entregue ontem à presidenta Dilma Rousseff, se imporá com o tempo e com nossa ação corajosa.
Como vemos, o jornal O Globo, por exemplo, que representa uma organização empresarial que apoiou a ditadura militar, seus crimes e a tortura, já iniciou em editorial hoje e na linha do noticiário a campanha para desmoralizar o relatório que expõe às novas gerações simplesmente a história e os fatos sobre o regime militar.
É um documento que, principalmente, exige que se faça justiça. Que a Suprema Corte de nosso país reveja sua posição contrária à revisão da Lei da Anistia o que é possível, sim, dada a nova composição do Supremo Tribunal Federal (STF) e a posição favorável do Ministério Público (MP). Além da condenação recente que o Brasil sofreu da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), a Corte penal à qual está vinculado por decisão do nosso Congresso Nacional que aprovou a adesão do país à Convenção de San José da Costa Rica.
Os fatos e as provas estão narrados à exaustão no relatório da Comissão, que expõe nada mais que a verdade: o Brasil viveu sob uma ditadura que institucionalizou não apenas a tortura, mas os assassinatos e os desaparecimentos dos restos mortais dos oposicionistas. E que, ao contrário do que afirma hoje, de novo, a nossa direita – com os veículos de comunicação das Organizações Globo, da família Marinho à frente – não necessariamente eram armados ou membros de organizações da luta armada. Para ser vítima do arbítrio da ditadura bastava ser de oposição ao regime.
Para ser vítima do arbítrio da ditadura bastava ser de oposição ao regime
O país viveu sob ditadura, sob um regime que expurgou quase 6.200 praças e oficiais de suas Forças Armadas (FFAA), uma das principais instituições nacionais mas que, até hoje, se recusam a reconhecer perante a Nação os crimes de seus membros, e ainda não se democratizou. Praças e oficiais que as FFAA considerou “mortos” a ponto de pagar seus soldos (salários) a esposas ou familiares.
A ditadura demitiu dezenas de milhares de servidores públicos – número não levantado pela Comissão – por motivos dos mais simples e injustos aos mais vis. Exilou, também, dezenas de milhares de brasileiros, usou a execrável figura do banimento para tornar brasileiros apátridas, fechou milhares de entidades populares e sindicatos.
E impôs a sempre condenável censura. Não apenas à imprensa, mas a toda manifestação cultural no país. Acabou com a eleição direta de presidente da República, governador de Estado, de 1/3 do Senado criando os senadores biônicos, de prefeito das capitais e de centenas das principais cidades do país a pretexto de que eram estâncias hidrominerais e/ou municípios-áreas de segurança nacional. Porque os brasileiros em qualquer brecha, em qualquer eleição direta que havia “teimavam” em votar na oposição.
Cassou milhares de mandatos de eleitos pelo voto popular e de servidores públicos suspendendo seus direitos políticos por 10 anos – o que eram 10 anos pró-forma, já que na prática as vítimas jamais puderam voltar á atividade política até a vinda da anistia em 1979. Fechou o Congresso Nacional toda vez que este se rebelou contra a ditadura (1968, 1969, 1977…). E, pior, com apoio de quase toda a mídia e de grande parte do empresariado como a Comissão Nacional da Verdade revela em seu relatório.
Congresso de “faz de conta” era fechado toda vez que se rebelava
A ditadura se fez passar por democrata, mantendo um Congresso de faz de conta (aberto, de fachada) e dois partidos de mentira (ARENA e MDB), sendo que um deles, após receber o apoio dos brasileiros nas eleições de 1974 aos poucos foi se constituindo numa expressão popular e nacional da oposição a ditadura.
Ao trazer à luz do dia os crimes da ditadura, as violações dos direitos humanos – como se diz hoje em dia, na maioria dos casos para suavizar – a tortura e o assassinato político decidido pela cúpula militar e pela Presidência da República entre os chefes militares que nela se revezavam, a Comissão Nacional da Verdade estabelece a culpa dos responsáveis pelas decisões perante a História às novas gerações e aos tribunais nacionais e internacionais.
Responsáveis não apenas por desfechar um golpe militar e rasgar a Constituição do país – crimes, por si só, já de lesa-pátria – mas por cometer crimes contra a humanidade.
Praticaram crimes, imputa-lhes a Comissão, violando os mais elementares direitos humanos, institucionalizando a tortura, o assassinato e o desaparecimento dos corpos dos que resistiam e combatiam, dos que eram adversários da ditadura militar. E o mais grave, negam até hoje seus crimes.
Tentam, até hoje, encobrir e acobertar seus crimes e os dos parceiros
Procuram encobri-los e acobertar seus parceiros, com base na própria violação da lei, afirmando que tudo o que fizeram foi em nome da legislação que eles próprios editavam de forma ditatorial e exatamente para esconder estas suas atividades criminosas. Eram leis feitas sob encomenda, sugeridas por juristas e advogados de ocasião a serviço da ditadura para legalizar seus crimes, uma ignomínia que também deve ser condenada explicitamente pela justiça hoje.
A ditadura não sobreviveu 21 anos sem apoio em vários setores de nossa sociedade. A começar pela mídia. E como sempre, com as Organizações Globo à frente. O regime militar teve apoio não apenas nas polícias militares e civis, nas universidades, no Itamaraty – como agora se revela – mas, também, contaminou e se infiltrou em toda a sociedade.
Organizou o nefasto Serviço Nacional de Informações (SNI, extinto em 1990) e a censura, os órgãos de repressão e tortura dentro das Forças Armadas – os DOI-CODIs – e nisso tudo teve a cumplicidade da propaganda e do meio publicitário. Uma parte importante do empresariado, inclusive, não apenas apoiou o regime militar como financiou os DOI-CODIs e, antes, a famosa Operação Bandeirante (OBAN) – como o nome indica, a vanguarda da tortura organizada com o entusiástico apoio da elite e da direita paulista.
Exposição dos crimes e criminosos à execração pública tem apoio da ONU
Foi a mídia dessa elite e dessa direita que serviu como ponto de apoio material e divulgação das versões de suicídio, morte em confronto e combate, dos presos na tortura, ou assassinatos de forma covarde, a sangue frio. Essas são as verdades históricas que a CNV revela agora às novas gerações, à História, e expõe à opinião pública nacional e internacional com o apoio do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon e de todas as entidades de direitos humanos e tribunais internacionais.
São a ONU e estas Cortes que já consolidaram a jurisprudência de que esses crimes são de lesa-humanidade e são imprescritíveis, não podem ser anistiados. Cabe-nos agora levar essa verdade ao povo e às novas gerações.
E lutar para que nossa Suprema Corte e nossa justiça façam única e exclusivamente o que se faz em todo o mundo e já foi feito em todos os países da nossa América Latina vítimas de ditaduras: que os responsáveis pelos crimes do regime militar respondam perante os tribunais por sua participação consciente e provada não apenas no golpe militar, mas nas decisões, ordem e execução da tortura e no assassinato de opositores.
Crimes hoje punidos – repetimos de propósito – por toda a legislação e pelos tribunais internacionais.
Zé Dirceu