Como o País está se preparando para garantir a segurança nos quatro grandes eventos que irá sediar a partir de junho
Michel Alecrim, Wilson Aquino, Cláudio Dantas Sequeira e João Loes
À ESPERA DO PAPA
Policiais do Bope fazem operação de treinamento tático para a Jornada
Mundial da Juventude no Cristo Redentor, que pode ser visitado por Francisco
O ataque terrorista na Maratona de Boston,
nos Estados Unidos, na semana passada, fez acender a luz amarela no
Brasil. Embora o País não faça parte da rota do terror, os grandes
eventos internacionais que acontecerão aqui nos próximos anos irão
atrair para as cidades brasileiras dezenas de autoridades e milhares de
jornalistas e cidadãos de diferentes nações. Em junho, Rio de Janeiro,
Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Fortaleza receberão jogos
da Copa das Confederações e, no mês seguinte, o Rio será palco da
Jornada Mundial da Juventude, com a presença do papa Francisco. Serão
eventos-teste para a Copa do Mundo de 2014, que incluirá outras seis
capitais, e, dois anos depois, para os Jogos Olímpicos, majoritariamente
sediados na capital fluminense. Quanto mais visibilidade, maior a
comoção diante de tragédias – e é isso que os terroristas buscam. Por
isso, as autoridades estão se preparando para todo tipo de emergência. O
governo federal investirá, em parceria com os 12 Estados-sede da Copa e
a iniciativa privada, mais de R$ 2 bilhões em segurança. Ao todo, serão
cerca de 142 mil policiais de todas as esferas em ruas e em pontos
estratégicos.
Horas depois das explosões em Boston, enquanto as autoridades americanas
ainda tentavam entender o que havia acontecido, o ministro-chefe do
Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general José Elito Siqueira,
convocou uma reunião com assessores militares e da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) para avaliar o caso. Pouco antes, ele havia
recebido um recado da presidenta Dilma Rousseff para dar atenção
especial ao episódio e verificar a necessidade de rever a estratégia de
segurança dos grandes eventos. Uma das conclusões é que é preciso maior
integração entre as forças envolvidas na proteção dos cidadãos. Em
Brasília, cidade de abertura da Copa das Confederações, em 15 de junho, o
comitê local de organização montou uma espécie de gabinete de
emergência, com representantes das polícias Civil, Militar e Federal e
da polícia do Exército. “Sem integração, perdemos agilidade no
atendimento às demandas”, diz Severo Augusto, coronel da reserva e
membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O aparato que está sendo montado é grande. Dos R$ 2 bilhões
investidos, metade será empregada na instalação de centros de comando e
controle. Serão 14 bases, duas de abrangência nacional – em Brasília e
no Rio de Janeiro – e as outras regionais. Cada centro será dotado de
dezenas de monitores que processarão imagens de centenas de câmeras
espalhadas dentro e fora dos estádios. Esses centros serão operados por
agentes das polícias Civil, Militar, Rodoviária e Federal e por órgãos
da Defesa Civil. Na Copa das Confederações, as seis cidades-sede terão,
cada uma, em torno de três mil militares e, juntas, 25 mil agentes de
segurança pública. Durante a Jornada, o Rio terá o reforço de 8,5 mil
homens das Forças Armadas e de 4,5 mil policiais das três esferas de
governo. E na Copa do Mundo os números são ainda mais expressivos: 36
mil militares e 50 mil agentes de segurança. A questão é que falta
treinamento. São poucas as oportunidades de se realizar uma ampla
simulação com todos os envolvidos. Um evento-teste aconteceu um dia
antes da tragédia de Boston, no jogo Fortaleza x Ceará, no Castelão.
Foram destacados, para a operação, 665 policiais militares, dois
delegados, 15 policiais civis e 40 bombeiros, além de 240 guardas
municipais. No Carnaval, o Ministério da Saúde realizou ensaios no
Recife e em Salvador. O objetivo foi avaliar a capacidade de
planejamento, execução, resposta e avaliação das situações de emergência
relativas à saúde em grandes aglomerações.
O secretário-extraordinário de Segurança para Grandes Eventos do governo
federal, delegado Valdinho Caetano, afirma que o Brasil está dotado de
tecnologia de ponta para proteção contra grandes atos terroristas ou
ações domésticas. O aparato inclui câmeras especiais que identificam uma
única pessoa no meio da multidão e que estarão disponíveis até em
helicópteros. “É uma filosofia inédita no País, de planejamento conjunto
e de tomadas de decisão conjuntas”, explica Caetano. Há investimentos
também em cursos no Exterior. Integrantes do Esquadrão Antibombas do Rio
estão sendo treinados em países como Colômbia, Israel e Espanha a fim
de aprender técnicas de elite para desativar carros-bombas. Oficiais
espanhóis vieram ao Brasil dar cursos de treinamento de controle de
massa, no mês passado. Em maio, militares serão enviados ao Centro de
Treinamento da Guarda Costeira dos EUA, em Yorktown, no Estado da
Virgínia, para um curso de Controle e Comando de Crises.
A missa campal que será celebrada pelo papa Francisco irá reunir a
maior aglomeração de todos os eventos: são esperados 2,5 milhões de
católicos no dia 28 de julho, em Guaratiba, zona oeste do Rio. Um grande
esquema está sendo preparado. Haverá três hospitais de campanha (dois
das Forças Armadas), 14 postos médicos, dez aeronaves e mais de mil
bombeiros. “Nosso planejamento está acima de qualquer ameaça, até
terrorismo. Mas sabemos que é difícil prevenir; nem os Estados Unidos
conseguem”, diz o general José Alberto Abreu, responsável pela
coordenação das Forças Armadas na Jornada e na Copa. No caso de o papa
visitar o Cristo Redentor, o que ainda não foi definido pelo Vaticano, o
Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope) já se preparou com um
treinamento recente junto à estátua.
As Forças Armadas deverão complementar a atuação da Segurança Pública
nessas ocasiões. “Estamos trabalhando as áreas de controle aeroespacial,
marítimo e fluvial, além da defesa cibernética, com a criação de um
centro de controle em Brasília”, diz o coordenador do Ministério da
Defesa para Grandes Eventos, general Jamil Megid Júnior. O risco maior
dos ataques cibernéticos é a derrubada do sistema de comunicação por
hackers, como foi tentado, sem sucesso, durante a Rio+20, a Conferência
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, no ano passado. No
Rio, tropas militares vão tomar conta da água para evitar sabotagem ou
contaminação que possa prejudicar o abastecimento. Outros pontos
estratégicos, como torres de transmissão de energia, refinarias de
petróleo, usinas nucleares de Angra dos Reis, portos e aeroportos,
também serão vigiados pelas Forças Armadas.
Na semana passada, o governo federal anunciou um plano para o setor
aéreo. A Copa das Confederações será o primeiro grande teste do conjunto
de medidas que, entre outras coisas, amplia o número de servidores
públicos que atuam nos aeroportos em 1.723 funcionários, restringe o
espaço aéreo sobre os grandes eventos em um raio de até sete quilômetros
e reforça a infraestrutura elétrica que serve os aeroportos. Um
acréscimo no número de policiais federais nos principais terminais do
País – de 313 para 1.153 – também é esperado, bem como a expansão no
número de operadores aeroportuários, que hoje é de 1.023 e passará a ser
de 1.537. Ainda há dúvidas, no entanto, sobre a capacidade do governo
de colocar todas essas medidas em prática a tempo.
No caso da defesa aérea, o monitoramento será feito com veículos
aéreos não tripulados (Vant), os drones. A Aeronáutica já tem dois em
operação e espera ter mais dois disponíveis já para a Copa das
Confederações. Assim como a Força Aérea Brasileira (FAB), o Exército
prevê o uso de equipamentos de última geração para defesa dos estádios,
inclusive baterias antiaéreas e modernos equipamentos de comunicação
criptografada e 34 carros de combate Gepard alemães, comprados
recentemente, capazes de derrubar mísseis, aviões comuns, helicópteros e
aviões não tripulados.
O ataque de Boston, porém, chama a atenção para a necessidade de
aprimoramento contra os artefatos artesanais. “Já há algumas práticas
que são adotadas, como lacrar os bueiros, lixeiras e caixas de correio
48 horas antes. Como muitos explosivos são detonados por aparelhos
celulares, há também o uso de misturadores de frequência que impedem a
transmissão dos sinais”, explica Renato da Silva, consultor de segurança
pública de grandes eventos. Dados do Esquadrão Antibomba da polícia
fluminense a que ISTOÉ teve acesso revelam um número extraordinário de
bombas caseiras apreendidas no Rio: 3.016, desde 2009, sem contar os
artefatos que não foram destruídos pelo esquadrão. A maioria é de
fabricação doméstica, mas também são encontrados rojões com capacidade
para derrubar aviões, desviados de quartéis ou contrabandeados por
traficantes de drogas. “É o Estado que tem mais ocorrências com
explosivos. Pernambuco, por exemplo, arrecadou dois ou três no ano
passado”, comparou um técnico.
Como o terror tem um alto grau de imprevisibilidade, as ações de
inteligência são fundamentais. É necessária cooperação internacional
para o País saber quais são os potenciais terroristas que podem
desembarcar aqui, além de um sistema protegido e eficiente de
comunicação interna para troca de dados. “A prevenção do terrorismo
depende de informação”, resume o capitão de mar e guerra José Alberto
Cunha Couto, que foi do Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência, é especializado em antiterror e participou das discussões
para a elaboração de um projeto de lei para tipificar o crime. Aliás, a
inexistência de uma legislação no Brasil que mencione o crime de
terrorismo é um problema, na avaliação de especialistas. “Hoje, se um
sujeito estiver diante do Palácio do Planalto fazendo desenhos da
estrutura, for perguntado por um policial o que ele está fazendo e
responder: ‘Planejando um ataque terrorista’, o policial não pode
prendê-lo”, diz Fernando Fainzilber, assessor de segurança da Federação
Israelita do Estado de São Paulo. “A menos que ele esteja com uma arma
sem registro ou carregando explosivos.” A única possibilidade – remota –
é tentar enquadrá-lo na Lei de Segurança Nacional. “Esse é o grande
calcanhar de aquiles na nossa política antiterrorismo”, complementa o
capitão Couto.
É preciso ainda integrar os cidadãos comuns na luta contra o terror. Por
exemplo: treinar os chamados “first responders” (em inglês, algo como
“quem vê primeiro”), ou seja, o gari, o porteiro, o guarda municipal.
“Não é glamouroso, mas o esquema antiterrorismo precisa deles”, diz o
coronel Severo Augusto. Afinal, foi um vendedor ambulante que percebeu
algo estranho no furgão prestes a explodir na Times Square, em 2011.
Graças ao aviso dele não houve uma grande tragédia no coração turístico
de Nova York. “Temos que transformar o cidadão em um elo do sistema que
garante a sua própria segurança, como já acontece na Inglaterra e nos
Estados Unidos”, diz Vinícius Cavalcante, diretor da Associação
Brasileira dos Profissionais de Segurança no Rio de Janeiro.
Numa guerra em potencial na qual não se conhece o inimigo, o desafio é
cercar todas as brechas possíveis. O cientista político especializado
em terrorismo Graham T. Allison, da John F. Kennedy School of Government
na Universidade Harvard, faz um alerta para os brasileiros: “O primeiro
passo a ser tomado pelos órgãos de defesa e inteligência é imaginar o
inimaginável.” E explica: “Antes do 11 de setembro, a ideia de que
alguém podia usar aviões como mísseis para derrubar o World Trade
Center, nos Estados Unidos, parecia inconcebível.” Não faltam avisos. O
último veio de Boston.
Fotos: Bernardo Soares/JC Imagem; Ed Alves/Esp. CB
Fotos: CHRISTOPHE SIMON/ AFP PHOTO; Ale Silva
Fontes: CNN, National Geographic, BBC
Foto: Fernando Quevedo/Ag. O Globo