Um orador
Você pode não gostar de Lula. Pode detestar. Pode abominar.
Mas você vê uma entrevista como a que ele concedeu ontem ao jornalista Kennedy Alencar, no SBT, e logo entende por que os caras têm tanto medo dele.
Imagine Lula, numa eventual campanha em 2018, debatendo com Aécio. Ou com Serra. Ou com Alckmin.
Ou com quem quer que seja.
É concorrência desleal. É profissional versus mirins.
O tempo deixou claro que desde Lacerda os brasileiros não viam um talento tão notável em oratória.
Com a diferença de que Lacerda falava a língua da classe média, e Lula fala a língua do povo.
Lula é um natural, para usar uma expressão inglesa. Nasceu orador. O resto foi consequência, da carreira sindical à presidência.
Ele fala com graça, com verve, com espírito. E, talvez o maior de seus atributos retóricos, transmite sinceridade.
Tudo isso se viu na entrevista de ontem.
A forma como ele referiu às invencionices contra seu filho Lulinha
faz você rir e refletir. Ele disse que Lulinha é dono da Casa Branca e
da Torre Eiffel.
Só com muito mau humor para não deixar escapar uma risada.
As referências a FHC foram também um dos pontos altos da entrevista.
Primeiro, na questão de fundo: a inveja que FHC parece ter de Lula. Com o correr dos dias, FHC foi diminuindo do ponto de vista histórico e Lula aumentando.
Hoje é claro que FHC governou para os ricos, para a plutocracia. E Lula para os excluídos.
É justo, num país tão desigual, que Lula seja por isso tão maior que FHC.
Lula deu também uma resposta definitiva a FHC na questão da
corrupção. Toda vez que ele falar em corrupção tem que pensar na emenda
que permitiu sua reeleição.
O Congresso foi comprado com dinheiro vivo, embalado em malas, para que FHC pudesse ter um segundo mandato.
Na questão da Petrobras Lula deixou escapar uma estocada sutil mas doída na imprensa.
Disse que jamais a nossa gloriosa imprensa o avisou de corrupção na Petrobras. É verdade. Nunca jornais e revistas fizeram nada no campo investigativo sobre a Petrobras.
É uma mídia viciada em vazamentos, em receber tudo no colo e depois gritar como se estivesse fazendo um outro Watergate.
Na entrevista, Lula mostrou também um bom senso que vem faltando a quase todo mundo.
Ficar falando em eleições três anos antes é uma insensatez. É
conhecida a grande frase de Keynes: “A longo prazo estaremos todos
mortos”.
Há um tempo para cuidar de eleições, e não é este de agora. Há
problemas presentes que devem ser enfrentados antes de nos debruçarmos
sobre 2018.
Temos na presidência da Câmara, por exemplo, um embaraço monstruoso, Eduardo Cunha.
E temos também uma imprensa que se bate até contra o direito de resposta, uma coisa sagrada em qualquer democracia.
Há hora para tudo.
Por enquanto, o que se viu, ontem, é que não é à toa que os caras temem tanto Lula.
Quem não temeria se estivesse no lugar deles?
‘Dilma errou ao desonerar tanto e congelar preço da gasolina’
Lula afirma que não teme ser preso e que tem "consciência tranquila"
KENNEDY ALENCAR
SÃO PAULO
O ex-presidente Lula diz que poderá ser candidato
novamente ao Palácio do Planalto em 2018 a fim de defender “um projeto
que fez com que os pobres fossem vistos neste país”.
Ao apontar erros da presidente Dilma Rousseff no primeiro mandato,
Lula considera que “houve um equívoco, por exemplo, quando não se
aumentou, em 2012, o preço da gasolina”. Segundo ele, “nós acumulamos
uma inflação que só foi acontecer no segundo mandato da Dilma”.
Lula avalia que Dilma não deveria ter feito “tanta desoneração”
(redução de impostos para empresas). “Foi um equívoco desonerar. Eu não
vejo uma propaganda na televisão agradecendo ao governo pela
desoneração. Eu vejo propaganda contra a CPMF.”
Ao ser indagado sobre a solução para a crise econômica, Lula diz: “Ou
fazemos um aumento de impostos, como a Dilma está propondo agora a
CPMF, ou você faz uma forte política de crédito”. Ele faria “uma
política de crédito”.
“Eu acho que a presidenta Dilma tem que saber que a roda-gigante da economia tem que voltar a girar”, defende.
Ao falar de procedimentos das operações Lava Jato e Zelotes que podem
atingi-lo direta ou indiretamente, afirma que “são coisas normais de um
país democrático”. Ressalta que os governos petistas criaram “todos os
instrumentos de transparência neste país” que são os responsáveis pelo
atual combate à corrupção.
Lula discorda da avaliação do ex-ministro Gilberto Carvalho, que
disse em entrevista à “Folha de S.Paulo” que o ex-presidente seria
“alvo” dos investigadores para ser desmoralizado e preso, a fim de que
não pudesse ser candidato à Presidência em 2018. Lula afirma não ter
medo de ser preso. “Tenho a consciência tranquila”.
“Eu não temo ser preso porque eu duvido que tenha alguém neste país,
do pior inimigo meu ao melhor amigo meu, qualquer empresário, pequeno ou
grande, que diga que um dia teve uma conversa comigo ilícita. Duvido”,
afirma.
Lula rebateu críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que
disse que o petista seria o pai da crise, por ter nomeado diretores da
Petrobras que hoje estão presos. O tucano também afirmou que Lula seria
“um político encantado pelas delícias do poder” e que “adotou o toma lá,
dá cá como uma regra, não como uma exceção”.
“O FHC, toda vez que ele tiver que falar de corrupção, ele tem que
lembrar da reeleição. (…) Ele tem que lembrar que o único mensalão
criado, reconhecido inclusive por deputados do DEM, que disseram que
receberam, foi ele. Ele tem que lembrar que nenhum processo dele era
investigado. Cadê a pasta cor de rosa, que não foi investigada? O
Ministério Público dele se chamava engavetador”, diz Lula.
Segundo o petista, ele “deveria ter apreço” por FHC porque sempre
tiveram “uma boa convivência”. “Mas eu acho que o FHC tem um problema
comigo, que é um problema de soberba. O FHC, ele sofre com o meu
sucesso. Ele sofre.” Lula disse ser “difícil” se encontrar com FHC para
tratar da crise política. Acha que PT e PSDB podem conversar.
Correção: o aniversário de Lula é no dia 27 de outubro, não no dia 26.
A seguir, a íntegra, em vídeo e texto, da entrevista dada pelo
ex-presidente ao SBT na manhã de quinta-feira (05/11), em São Paulo:
Parte 1
Parte 2
*
K – O SBT entrevista hoje o ex-presidente Lula. Presidente, muito obrigado por nos dar esta entrevista.
L – Obrigado a você, Kennedy, por marcar esta entrevista.
K – Como é que está a saúde? Tudo bem?
L – Está bem. Graças a Deus, está bem.
K – Tem feito exercícios com regularidade?
L – Estou bem. Estou, agora, terminando os dois últimos check-ups para saber se o câncer desapareceu definitivamente. Nos próximos dez dias, eu tenho que fazer um novo check-up, mas eu acho que é coisa do passado.
K – E tem feito algum exercício com regularidade?
L – Muito, muito, muito. Estou mais jovem, agora, do que quando eu tinha 50 anos.
K – Pois é, o senhor acabou de completar 70 anos no último dia 27 de outubro. Qual é a sensação, presidente, de chegar aos 70?
L – É esquisito porque, na verdade, ao completar 70 anos, eu vivi
mais do que meu pai e minha mãe. Coisa que eu, quando tinha 15 anos, 10
anos de idade, eu não acreditava que pudesse chegar aos 70. Eu agora que
cheguei aos 70, estou pensando nos 80 e com muita expectativa por 90.
E, se tudo der certo, vamos pensar nos 100. Porque é engraçado este
negócio de completar 70 anos. É uma coisa importante, porque a gente tem
que tomar novas definições na vida, né? Quando você tem 15 anos de
idade, a vida é infinita. Ou seja, não tem limite pra você. Mas, quando
você tem 70, você já começa a ver o horizonte mais curto. Podem ser 15
anos, podem ser 10 anos, pode ser de 5 anos. Então, você precisa tentar
viver melhor. Criar condições pra você só fazer aquilo que você quer,
não ficar escravo de uma agenda pesada, como se o mundo nunca fosse
acabar. Eu vou tentar agora viver nos próximos anos um pouco mais
tranquilo, viver de forma mais razoável do que eu vivi até hoje.
K – Pois é, presidente, sempre se fala numa nova candidatura do
senhor ao Palácio do Planalto. Quando o senhor aborda o assunto, é
sempre de uma maneira meio dúbia. Assim: “Não posso dizer que sou nem
que não sou”, falou isso no final de agosto. Também falou assim: “Se a
oposição pensa que vai ganhar, que não vai ter disputa, que o PT está
acabado, ela pode ficar certa do seguinte: se for necessário, eu vou pra
disputa e vou trabalhar para que a oposição não ganhe as eleições”.
Primeiro, o senhor tem vontade de ser candidato novamente à Presidência?
Segundo, a bandeira de impedir a vitória da oposição não é uma bandeira
pequena?
L – É pequena. Se for apenas para enfrentar a oposição, não precisa
nem ser candidato. O que é importante é que você defenda um projeto
político, que nós defendemos e que incluiu milhões de brasileiros,
participando da economia, participando da distribuição de riqueza neste
país. Então, para defender esse projeto, eu posso ser candidato outra
vez. Agora, obviamente que você não pode discutir isso com três anos de
antecedência.
K – Mas o senhor tem vontade de ser candidato?
L – Não se trata de ter vontade. Eu não tinha vontade em 89, não
tinha vontade em 94. Você vai porque tem uma necessidade partidária, uma
necessidade de um agrupamento de pessoas. E você vai.
K – Se houver necessidade, o senhor será candidato.
L – O que que eu posso dizer pra você: se houver necessidade de
defender um projeto que fez com que os pobres fossem vistos neste país,
que incluiu milhões e milhões de pessoas, para defender esse projeto, se
eu perceber que ele vai correr risco, você não tenha dúvida de que eu
estou disposto a ser candidato. Mas eu trabalho com a certeza de que
este país produz tantas lideranças que podem surgir novas pessoas.
Inclusive um jornalista da sua qualidade pode ser candidato. Escolher um
partido e ser candidato. Mas é o seguinte, Kennedy, eu estarei na
campanha de qualquer jeito. Eu estarei na campanha. Eu estou bem de
saúde, estou motivado.
K – Está com discurso de candidato…
L – Não, eu não estou com discurso de candidato. Eu vou preparar
ainda. Acontece, Kennedy, que eu tenho consciência de que ninguém
conhece este Brasil como eu conheço, ninguém conhece a alma do povo
brasileiro como eu conheço, ninguém viveu a alma deste povo como eu
vivi. É por isso que houve uma interação tão grande entre mim e a
população brasileira, porque eu não era um estranho na Presidência, eu
era um deles na Presidência. E isso, obviamente, fez com que houvesse
tanta solidariedade, que a gente pudesse eleger a Dilma e reeleger a
Dilma. Eu sou grato ao carinho do povo. Então, é o seguinte: para
defender este povo, eu faço qualquer coisa. Para defender o direito do
pobre entrar na educação, na universidade, eu faço qualquer coisa. Para
fazer com que os pobres subam mais um degrauzinho na ascenção social, eu
trabalharei 24 horas por dia.
K – O senhor falou que saiu com o carinho do povo. O senhor saiu com
80% de popularidade quando deixou o governo, no final de 2010. Mas hoje,
presidente, passados cinco anos, uma pesquisa Ibope recente mostrou que
o senhor tem uma taxa de rejeição muito alta. É a mais alta entre os
candidatos pesquisados. 55% disseram que não votariam no senhor com
certeza. Um ano atrás, era uma rejeição de 33%. Não é alta a chance de
uma derrota em 2018?
L – Não é alta. Deixa eu te falar uma coisa, não sei se você
acompanha, mas a rejeição existe para você mudar. Você pode, em dois
meses, transformar o que é rejeição em aprovação, dependendo do seu
discurso e dependendo do que você faça. Veja, eu estou fora da
comunicação há cinco anos.
K – Tem falado pouco, não é?
L – Não tenho falado. Eu tomei uma decisão de não falar porque eu
queria ensinar a uns e outros que é preciso ter um comportamento, como
ex-presidente, de deixar quem está presidindo presidir o país. Eu tinha
responsabilidade pela eleição da presidenta Dilma e eu tinha que deixar
ela governar, tinha que deixar ela montar o governo, tinha que deixar
ela fazer as coisas que ela entendia, com o seu governo, que fossem
certas. Então, eu tomei a atitude de ficar de fora.
K – As notícias são de que o senhor interfere muito no governo.
L – Só pode falar isso quem não conhece a Dilma. A Dilma é uma mulher
de muita personalidade, é uma mulher de muita competência. Ela montou o
governo do jeito que ela quis, como quis. Porque ela é quem vai dirigir
o governo. E eu, por precaução e por cuidado, não me meto no governo da
Dilma. Se ela pedir sugestão, eu dou. Se ela não pedir, não dou. Eu
acho que não compete a quem já foi presidente ficar querendo dizer para a
pessoa o que fazer.
K – Para encerrar essa questão eleitoral, outros candidatos
tradicionais, nomes tradicionais como o Aécio, o Geraldo Alckmin, a
Marina Silva, também apresentaram uma taxa de rejeição alta nessa
pesquisa do Ibope. O senhor vê risco de um “salvador da pátria”, alguém
que negue a política, se eleger presidente em 2018?
L – Deixa eu te falar uma coisa, Kennedy. Primeiro, é preciso a gente
não ficar trabalhando com pesquisa com três anos de antecedência.
Segundo, eu não acredito em “salvador da pátria”. Na história da
humanidade, toda vez que alguém negou a política e tentou encontrar um
“salvador da pátria”, o resultado foi desastroso. Na Alemanha se tentou
negar a política, e o Hitler virou presidente. O Mussolini virou na
Itália. Berlusconi virou, com a negação da política. Veja o que é que
deu a Primavera Árabe quando se nega a política. Então, é importante que
quem queira mudar este país, quem queira ser candidato, quem queira
melhorar este país, é o seguinte: fora da política não existe
possibilidade. Se você não está contente com os partidos que tem, você
cria um partido político. Faça qualquer coisa, mas não negue a política,
porque a experiência histórica é desastrosa quando você nega.
K – O Brasil corre esse risco, de ter uma experiência desastrosa?
L – Eu acho que o Brasil não corre esse risco. Não corre porque o
Brasil já está calejado. Nós estamos vivendo hoje o mais longo período
democrático desde a Proclamação da República neste país. E é importante,
porque a democracia é complicada. A democracia exige paciência,
sacrifício, muita conversa, muito diálogo. Tem gente que não gosta. Eu,
de vez em quando, vejo na rua pessoas pedindo a volta do regime militar.
Certamente, essas pessoas têm mais simpatia pelos torturadores do que
pelos torturados. E quem viveu aquele período não quer a volta da
ditadura militar. Nós queremos mais democracia, mais democracia e mais
democracia, porque é a única coisa que garante que um operário
metalúrgico chegue à Presidência. É a única coisa que garantiu que um
índio chegasse à Presidência na Bolívia. É a democracia.
K – Importante, isso. Na semana passada, lá em Brasília, o senhor
disse o seguinte, aspas do senhor: “Tivemos um grande problema político,
sobretudo na nossa base, quando tomamos a atitude de fazer o ajuste que
era necessário fazer”. O senhor falava desse ajuste que está sendo
feito depois da eleição. O senhor disse o seguinte: “Ganhamos a eleição
com um discurso e depois tivemos que mudar o discurso e fazer o que
dizíamos que não íamos fazer. Isso é fato conhecido pela nossa querida
presidente Dilma Rousseff ”, palavras do senhor. O senhor não está
dizendo, com todas as letras, que houve um estelionato eleitoral,
presidente?
L – Veja, eu não digo que tenha havido estelionato eleitoral. Nós
estávamos numa disputa política em que nós tínhamos um projeto a ser
defendido. E é importante levar em conta que a presidenta Dilma foi
vítima do sucesso do seu mandato. É importante lembrar, porque hoje as
pessoas se esquecem, as pessoas tentam ter memória curta, que, em
dezembro, a gente tinha apenas 4,8% de desemprego neste país. Isso foi
resultado de uma política de subsídio a algumas áreas, sobretudo na área
habitacional. Isso foi resultado de uma forte política de desoneração
que, no mandato da presidenta Dilma chegou a quase 340 bilhões ou um
pouco mais, três vezes o ajuste que nós estamos fazendo agora. E, de
repente, depois da campanha, percebeu-se o quê? Percebeu-se que estava
saindo mais dinheiro do que entrando. Era preciso, então, começar a
discutir.
K – Presidente, a inflação estava alta, na casa dos 10%, o país não
cresceu, os juros na Lua e o desemprego crescendo. Não foi um sucesso o
primeiro mandato da presidente Dilma.
L – De vez em quando, eu gosto de citar dados para poder especificar.
Nós fizemos, esse dias, uma comparação entre o primeiro ano do segundo
mandato da Dilma e o primeiro ano do segundo mandato do Fernando
Henrique Cardoso. Só para mostrar. No FHC, nós tínhamos só 36 bilhões de
reservas, dos quais 19 eram do FMI. A Dilma tem 370 bilhões. No
primeiro ano do FHC, em 99, a dívida pública líquida era 44. A da Dilma é
35. O câmbio subiu, no FHC, 66%. Na Dilma, subiu 40%. A inflação, no
FHC, era exatamente 9%. Igual à da Dilma, que era 9%.
K – O senhor não está comparando banana com abacate? Porque o
Fernando Henrique pegou o país de um jeito. Quando o senhor deixou o
país para a Dilma, crescia 7,5%, os juros eram mais baixos do que hoje, a
base de apoio era maior. Ela desarrumou o país.
L – A crise mundial, ninguém tinha a dimensão que ela fosse tomar a
dimensão que ela tomou. Trabalhava-se, naquele instante, eu participei
do G20 em 2009, em Londres, e a decisão nossa no G20 era de que a única
forma de a gente evitar que a crise se alastrasse era a gente não adotar
nenhuma política protecionista. Era a gente fazer mais comércio, para
garantir o nível de emprego. O que aconteceu no mundo desenvolvido? Todo
mundo fez protecionismo. Porque, para eles, livre comércio é quando
eles querem exportar. Então, a crise aumentou. Houve equívoco no
governo? Houve. E eu discuti muito isso com o Guido. Houve equívoco, por
exemplo, quando não se aumentou, em 2012, o preço da gasolina. Nós
acumulamos uma inflação que só foi acontecer no segundo mandato da
Dilma.
K – Tolerância com a inflação foi um erro?
L – A inflação… Eu acho que a atitude de não aumentar [o preço da
gasolina] foi um equívoco, porque a Dilma fez isso para evitar a
inflação. Mas, quando nós aumentamos tudo de uma vez, isso representou
quase 30% da inflação do período.
K – Eu quero ouvir do senhor só uma coisa que eu acho importante
nessa questão do ajuste. O senhor acha que o erro foi ter escondido na
campanha que seria necessário fazer um ajuste depois da eleição ou o
erro foi ter feito o ajuste depois da eleição?
L – Eu não sei se o governo todo tinha clareza, porque, toda vez que
você conversava, a impressão que tinha era que o governo tinha base
financeira para fazer tudo que estava fazendo.
K – Mas todo mundo alertava, presidente. Até o senhor alertava.
L – Veja, todo mundo alertava, mas o governo tem seus próprios caminhos.
K – O senhor recomendou que o Guido Mantega deixasse o Ministério da fazenda no final de 2013…
L – Eu não recomendei. O que eu achava, e que que acho, é que todas
as pessoas que estão há muito tempo no governo, de vez em quando,
precisam fazer uma reflexão e sair, para que haja uma renovação dentro
do governo. É importante lembrar que eu fiz um ajuste, em 2003, maior do
que o da Dilma. Não maior na quantia do orçamento, mas eu fui mais
duro. Inclusive o superávit primário eu levei para 3,75%. Muita gente
saiu do PT por conta disso. O problema não é fazer o ajuste. Porque toda
vez que você descobre que você está gastando mais do que está
arrecadando, você tem que parar. Isso vale no seu orçamento, vale no meu
e vale no orçamento do governo. O que eu acho é que nós estamos agora
diante de um problema sério: é preciso retomar o crescimento econômico.
K – Então, como que retoma? Como que sai da crise?
L – Você está lembrado que, em julho do ano passado, em Porto Alegre,
eu brinquei com o Arno: “Arno [Augustin, então secretário do Tesouro],
tem inflação de demanda? Não. Então, por que que está aumentando a taxa
de juros?”. A taxa de juros só tem que aumentar quando você tem uma
inflação de demanda que você quer esfriar a demanda. Se você não tem
inflação de demanda, você precisa, então, fazer outra coisa, e não
aumentar a taxa de juros. Eu não sei se o governo pode reduzir agora,
porque tem uma coisa chamada credibilidade e confiança que, em economia,
vale muito.
K – Que a Dilma perdeu.
L – Você está lembrado de que eu dizia o seguinte: não tem mágica em
economia. Em economia você fala, as pessoas acreditam e você executa.
Tem que convencer os trabalhadores, tem que convencer os empresários. Ou
você tem que fazer uma opção. Neste momento, nós estamos diante de uma
situação delicada, que é a seguinte: a União tem poucos recursos para
investimento, os Estados têm poucos recursos para investimento, os
municípios têm poucos recursos para investimento e há uma crise
política. Os empresários não confiam no que vai acontecer amanhã. Então,
nós temos duas opções: ou fazemos um aumento de impostos, como a Dilma
está propondo agora a CPMF, ou você faz uma forte política de crédito.
K – O que o senhor acha melhor fazer?
L – Eu faria uma política de crédito. Primeiro a cadeia produtiva.
Faria com que as grandes empresas fossem avalistas das pequenas empresas
fornecedoras delas. Depois, eu aumentaria o crédito consignado para o
setor da indústria privada. Depois, a gente liberaria crédito para os
governadores e prefeitos que têm capacidade de aumentar financiamento.
Muitos têm, inclusive, dinheiro no exterior, que poderiam pegar. Você
pode abrir crédito para o consumo.
K – Isso não vai gerar mais inflação?
L – É que a inflação não é por conta disso, agora. A inflação, é uma
obsessão a gente não deixar ela voltar. Kennedy, quem está falando com
você viveu a inflação a 80% ao mês. Eu sei o que a inflação causa no
salário do trabalhador e eu acho que a Dilma tem que fazer todo e
qualquer esforço para controlar a inflação. O que eu acho, Kennedy, é
que não pode ter um único caminho. Nós temos que escolher. E nesse
momento de crise, em que a situação está difícil. Porque quando está
tudo muito bom… Sabe, você vai num baile e tem muita mulher, ou tem
muito homem, ninguém reclama do baile.
K – Todo mundo dança…
L – Agora, quando você vai e tem pouquinha mulher, todo mundo
reclama. Então, eu acho que agora é hora da gente tentar criar coisa
nova.
K – Foi um erro desonerar tanto?
L – Eu acho que talvez o governo tenha descoberto que desonerou tanto
quando já tinha ultrapassado o limite. Eu acho que foi um equívoco
desonerar, consequentemente. Eu não vejo uma propaganda na televisão
agradecendo ao governo pela desoneração. Eu vejo propaganda contra a
CPMF. Mas agradecendo os 340 bilhões que foram desonerados ao longo dos
últimos anos eu não vejo ninguém falar.
K – O senhor está falando do Paulo Skaf, da Fiesp, que é contra a CPMF?
L – Eu não falo do Paulo Skaf, eu falo de todos os setores que
ganharam com a desoneração e que agora estão dispensando o trabalhador.
K – Então foi um erro, não é presidente? Não teve o efeito desejado.
L – Eu acho que não deveria fazer tanta desoneração. Eu acho. Porque o
Estado tem que manter uma certa capacidade de arrecadação. E também,
quando você está do lado de fora, você acha, você pensa, você acredita.
Quando você está do lado de dentro, você faz ou não faz. Você toma uma
decisão. Ao tomar a decisão e perceber que vazou, tenta mudar. Eu acho
que é isso que a Dilma está fazendo agora. E eu queria dizer uma coisa, a
Dilma tem três anos de mandato pela frente. O que nós precisamos agora é
saber o seguinte: esse povo não pode continuar vivendo nesse clima de
incerteza, de pessimismo.
K – Tem uma onda de pessimismo no país tremenda.
L – Pessimismo maluco, sem nenhuma necessidade. Eu acho que é preciso o Congresso Nacional…
K – Para se ter uma percepção real, presidente, 10% avaliam o governo
dela como ótimo/bom. A popularidade dela é pior que a do Collor. Ou
seja, na percepção da população, ela faz um governo ruim.
L – A percepção dela é igual à do Fernando Henrique Cardoso em 99: 9%. Faltam três anos.
K – Mas sempre comparar com o pior não é a solução…
L – Faltam três anos de mandato. A Dilma tem todas as condições de
mudar, ela sabe o que tem que fazer, eu tenho certeza que ela sabe o que
tem que fazer. E ela, eu acho, está esperando o momento de começar a
anunciar. E a palavra significa desenvolvimento, significa esperança. Eu
acho que a presidenta Dilma tem que saber que a roda-gigante da
economia tem que voltar a girar. Ela pode começar a voltar a girar
pouquinho, mas ela tem que dar ao povo a certeza de que esses meninos
que nós colocamos no Pronatec, esses meninos que nós colocamos na
universidade, vão ter perspectiva de trabalho.
K – Presidente, uma pergunta que eu acho que é importante fazer para o
senhor. Dois afilhados políticos do senhor, o senhor escolheu os dois, a
Dilma e o Fernando Haddad, todos dois estão muito mal avaliados. O
senhor não faz uma autocrítica sobre essas escolhas que o senhor
ofereceu?
L – Não faço. Não faço, porque o problema não é do Fernando Haddad ou
da Dilma pessoal. Há uma conjuntura política. Veja, desde aquela grande
passeata de 2013, houve uma conjuntura política que reverteu quase toda
política nacional. Isso mudou na campanha de 2014. Foi uma campanha
muito virulenta, muito virulenta. E a gente não pode analisar o clima
político do país apenas por São Paulo. São Paulo é uma situação atípica,
porque é o Estado mais industrializado, certamente que o PIB de São
Paulo já caiu mais do que o PIB nacional e certamente o desemprego é
mais sentido aqui do que em outras partes do país.
K – O senhor vê chance de o Haddad se reeleger?
L – Eu vejo. Essa será a grande surpresa. São Paulo nunca teve uma
pessoa da qualidade do Haddad. É importante o povo de São Paulo saber.
K – Ele está mal avaliado na periferia de São Paulo.
L – É importante São Paulo saber. É um orgulho você ter um prefeito
da qualidade do Haddad numa cidade como São Paulo. O Haddad está vivendo
um momento de crise difícil, financeira. Caiu a arrecadação da cidade.
Kennedy, era muito fácil ser prefeito quando eu fui presidente no último
mandato. Porque a gente estava numa situação boa, tinha muito dinheiro
para a cidade, muito dinheiro para o Estado, muito crédito à disposição.
Isso acabou agora, por causa da situação nacional. Então, piorou a
situação de todo mundo.
K – É, ele paga um pouco pela crise da Dilma.
L – O que nós precisamos agora é parar de falar em crise. Conversar com o Congresso Nacional.
K – O Brasil não discute o problema real. Por exemplo, o slogan do
governo é “Pátria Educadora”. Só se fala de corte orçamentário na
educação, presidente, não se discute educação.
L – Deixa eu falar uma coisa para fazer justiça. Você pode ter
momentos em que você é obrigado a fazer um corte. Mas, vamos ser
francos, nós aprovamos um Plano Nacional de Educação em 2014. Foi um
projeto que eu mandei para o Congresso em 2010, tramitou durante quatro
anos. Durante quatro anos, esse programa foi discutido na Câmara e no
Senado. Foi aprovado. É um plano que estabelece meta até 2024, que vai
da creche à universidade. Esse plano tem que ser cumprido, porque tem
prazo, tem lei, tem regras, tem data. Tem que ser cumprido. E é por isso
que nós aprovamos 75% dos royalties do petróleo para a Educação. Era
para tentar acabar, de uma vez por todas, zerar com o deficit
educacional neste país. Eu conto sempre uma história: você não acha
absurdo que eu, sendo o único presidente que não teve diploma
universitário, sou o presidente que mais fez universidades no país? O
que mais fez escolas técnicas? Você não acha absurdo que este país aqui,
que foi descoberto em 1500, só foi ter a primeira universidade em 1922 e
que Santo Domingo, que foi descoberto em 1492, já tinha universidade em
1507? Você não acha que a elite brasileira brincou com a educação desse
povo, menosprezou? Sempre trabalhou com a ideia de que pobre não tinha
que chegar na universidade?
K – Vocês estão no governo há 13 anos, podiam ter mudado isso.
L – Nós mudamos muito! Nós mudamos. Se você pegar o orçamento da
Educação, nós mais do que triplicamos o orçamento da Educação. Nós
fizemos 18 universidades federais novas, 173 campus novos pelo interior
do Brasil. Nós fizemos em 12 anos, Kennedy, três vezes mais escolas
técnicas do que a elite brasileira fez em 100.
K – O problema no Ensino Fundamental é grave, não é?
L – Veja, no Ensino Fundamental é grave. Por isso é que o Plano
Nacional de Educação resolve. Porque ele vai exigir uma nova repactuação
entre governo federal, governo estadual e governo municipal. Porque
você sabe que tem Estado que é o Estado que cuida, tem Estado que é o
município que cuida. Ou seja, você sabe que cachorro de muito dono morre
de fome, porque todo mundo fala que deu comida e não deu. Então, é
preciso rediscutir a educação. O Plano Nacional de Educação foi
discutido na base, Kennedy. Foi discutido exaustivamente. Agora é
cumprir. É por isso que eu estou andando pelo Brasil, para tentar
convocar a sociedade a discutir a educação. Não é um problema do
prefeito, da presidenta ou do governador. É um problema da mãe e do pai,
é um problema da comunidade, é um problema da diretora, é um problema
do professor, é um problema de todos nós. Eu morava em frente a uma
escola. Eu nunca fui na escola dos meus filhos, minha mulher é que ia. E
eu acho que é irresponsabilidade os pais não saberem como é a escola
dos filhos. Então, eu trabalho com essa ideia. Eu trabalho com a ideia
de que a gente vai chegar, em algum momento, a ter uma escola tão boa
que quando o prefeito falar “A minha escola da minha cidade é boa”, você
pergunta “Onde é que tá o teu filho?”. E ele tem que falar que o filho
dele está na escola pública. Se não falar, significa que não é boa a
escola.
K – Presidente, o nosso tempo está acabando e é muito importante
abordar com o senhor a questão da Lava Jato e da Zelotes. Está na raiz
de um desgaste da imagem do senhor, que se reflete nas pesquisas. O
senhor não é investigado na operação Lava Jato nem na Zelotes, mas há
uma série de procedimentos na Polícia Federal e no Ministério Público
que podem atingir o senhor diretamente ou indiretamente. Sejam amigos do
senhor, parentes e ex-ministros. Por exemplo, na Zelotes houve
procedimento investigatório em relação ao ex-ministro Gilberto Carvalho e
ao seu filho mais novo, o Luis Cláudio. Pergunto para o senhor, a
respeito desses fatos e dessas investigações: essas investigações,
presidente, elas são atos normais numa república, onde ninguém está
acima da lei, nem o filho de um presidente, de um jornalista importante,
de um empresário importante, ou o senhor vê um cerco de natureza
política, uma perseguição ao senhor e à sua família?
L – Vamos fazer duas coisas. Primeiro, eu acho que essas coisas são
coisas normais de um país democrático. E, para ser honesto e para
explicar para o nosso telespectador, é um ato normal, resultado de 12
anos de governo que permitiu que fossem criados todos os instrumentos de
transparência neste país e de modernização de todo o sistema de
investigação neste país. Isso não é de uma república qualquer. Porque 15
anos atrás, não acontecia isso. Isso é uma coisa nova. Uma coisa que,
daqui a alguns anos, a história vai mostrar.
K – Aumentou o número de investigações da Polícia Federal, o Ministério Público…
L – Houve modernização na inteligência, houve mais liberdade para a
Polícia Federal, houve mais autonomia do Ministério Público. Houve tudo
melhor, tudo. E isso a gente faz porque combater a corrupção é
obrigação, não é mérito. Eu sou filho de uma mãe que nasceu e morreu na
favela. Eu digo em todo lugar, e disse aqui uma vez, para o Jô Soares,
mais de dez anos atrás, que o melhor patrimônio que a minha mãe deixou
para mim foi o direito de andar de cabeça erguida neste país, de saber o
que é meu e o que não é meu.
K – Por que, então, há tanta crítica ao senhor, tanta reportagem
dizendo que o Lula não quer investigação, que o Lula quer proteção para
ele e para os amigos e para os parentes?
L – Primeiro, eu duvido que tenha alguém neste país que diga que o
Lula tentou interferir antes da Presidência, depois da Presidência,
durante o mandato. Nunca interferi. Nunca, nunca, nunca. Porque, para
mim, eu dizia, no auge do mensalão, só tem um jeito de as pessoas não
serem investigadas neste país, é as pessoas andarem corretamente. Se as
pessoas andarem corretamente, as pessoas têm o prazer de não serem
investigadas. Você pode cometer erro ou não, como aquela escola aqui em
São Paulo…
K – Escola Base
L – Escola Base. Você pode cometer erro como aquele, em que o cidadão praticamente acabou e ele era inocente.
K – Mas o senhor acha que há um cerco ao senhor, uma perseguição ao senhor?
L – Eu não quero ser vítima, porque critico muito a imprensa, mas eu
devo o que eu sou também à imprensa. Porque quando a imprensa critica
demais, o povo também é inteligente, o povo também percebe, “Espera aí,
será que esse cara não merece nada?”. Quando eu estava na Presidência,
eu já era tratado do mesmo jeito. Eu cheguei a um momento, na campanha,
em que eu fui reclamar com os meios de comunicação que a Heloísa Helena
tinha mais espaço na mídia do que eu. Eu não reclamo porque eu acredito
na inteligência do povo. Eu acredito na inteligência do leitor, que
consegue perceber o que é falso e o que é mentiroso. Eu acredito na
inteligência do ouvinte, que consegue perceber. E acredito na
inteligência do telespectador. Eu não me faço de vítima.
K – O Gilberto Carvalho disse: “O alvo é o PT, é o presidente Lula.
Eles querem desmoralizar o presidente Lula para depois realizarem a
prisão dele e o tirarem de 2018”. Quem está dizendo isso, quem disse,
foi o Gilberto Carvalho, seu chefe de gabinete, ministro do governo
[Dilma]. O senhor concorda com ele?
L – Eu não concordo com ele.
K – O senhor teme ser preso, presidente?
L – Não temo. Não temo. Eu não temo ser preso porque eu duvido que
tenha alguém neste país, do pior inimigo meu ao melhor amigo meu,
qualquer empresário, pequeno ou grande, que diga que um dia teve uma
conversa comigo ilícita. Duvido. Então, eu tenho a minha consciência
tranquila. Eu acho que é um problema político. Eu denunciei o vazamento
seletivo em dezembro, numa homenagem ao Márcio Thomaz Bastos, dentro do
palácio do Ministério da Justiça, porque eu acho que há. Muitas vezes, a
gente tem acompanhado, há um processo, parece até um cartel, em que na
quinta-feira começa a sair boato, na sexta começa a sair revista, no
sábado vai para a televisão, domingo vai para os jornais e na semana
seguinte começa tudo outra vez. E o vazamento é seletivo. Eu tenho casos
em que o advogado do cliente não recebeu a denúncia, mas a imprensa
recebeu. Então, eu acho um processo equivocado.
K – Houve exageros, então?
L – Eu tenho tranquilidade de dizer o seguinte. Todas as vezes, eu
fui o único presidente a ir fazer pronunciamento dentro da Polícia
Federal. Em todas as posses do Ministério Público que eu fui, eu dizia
que todas as instituições que são muito fortes, muito poderosas, elas
têm que ter muito mais responsabilidade. É preciso cuidar de não criar
uma imagem negativa de uma pessoa sem que você tenha provas
contundentes. Nós estamos vivendo, neste momento, a “República da
suspeição”. Eu não preciso de prova, eu só preciso suspeitar do Kennedy
que ele já está condenado.
K – Pois é, isso é errado. Todo mundo tem o direito de defesa. Agora,
presidente, é importante, porque o senhor fala da sua ligação com o
povo: hoje, o João Vaccari, que é ex-tesoureiro do PT, está preso. E o
José Dirceu está preso em Curitiba. Há inúmeros relatos na investigação
que apontam que doações legais feitas ao PT teriam origem em contratos
de propina na Petrobras. Novamente, as pessoas questionam. A gente vê na
rua as pessoas falando “Como é que o Lula não sabia de novo? No
mensalão, o Lula disse que não sabia. Agora vem um escândalo na
Petrobras, com diretores nomeados durante a gestão dele, diretores
importantes. Há todo um escândalo que envolve esses diretores, agentes
políticos, empresários, e, mais uma vez, o Lula não sabia”. O senhor
nunca foi alertado, presidente, sobre corrupção na Petrobras?
L – Eu não fui alertado pela gloriosa imprensa brasileira. Eu não fui
alertado pela Polícia Federal. Eu não fui alertado pelo Ministério
Público. E eu sou o presidente que mais visitou a Petrobras, Kennedy.
Ninguém foi tanto na Petrobras e em plataforma como eu, nunca.
K – Mas não é grave o que aconteceu lá?
L – Nunca ninguém me disse que tinha algum… Ou seja, essas coisas
você só descobre ou quando a quadrilha cai ou quando alguém denuncia.
Fora disso, ninguém tem escrito na testa “eu sou corrupto”. Porque se
estiver escrito na testa “eu sou corrupto”, ele não irá passar num
concurso, não irá trabalhar numa empresa importante. O que as pessoas
têm que compreender é o seguinte: Quantas coisas acontecem dentro da sua
casa, com seus filhos, que você não sabe? Quantas vezes acontece? Tem
uma coisa que não me agrada que é o seguinte, a impressão que dá é que
os empresários tinham dois caixas: o caixa beatificado, santo, e o caixa
de propina. E o Vaccari só ia no da propina? Os outros só iam nesse
aqui, que não tem nada?
K – É que o argumento do Ministério Público é que o PT comandava a Petrobras e que podia pedir a contrapartida.
L – É a suspeita do Ministério Público.
K – É uma acusação, já.
L – Não é fato, é uma acusação. Portanto, o Vaccari tem condição de
se defender. Porque nós precisamos ter consciência do seguinte, esse
processo de corrupção, ele tem que ficar restrito à Polícia, ao
Ministério Público e à Justiça. E a preocupação da Dilma tem que ser
cuidar deste país. Apenas cuidar do Brasil. Deixa os outros cuidarem de
cada coisa.
K – Presidente, há uma série de depoimentos de delatores que falam
que o José Carlos Bumlai, que é amigo do senhor, teria feito uso do nome
do senhor, do nome do PT, para obter recursos. São tantas delações,
tantos detalhes, não são evidências de que ele teve uma atuação indevida
de lobista?
L – Se ele teve situação indevida, vai ficar provado ou não. Eu fico
imaginando quantas pessoas utilizaram o meu nome. Eu, um dia desses, sou
surpreendido com uma notícia de jornal de que um cidadão tinha dito que
uma nora minha tinha recebido R$ 2,4 milhões.
K – O Fernando Baiano disse que o Bumlai pediu esse dinheiro.
L – Isso me criou um problema, porque eu tenho quatro noras. E eu
comecei a perguntar: quem é que recebeu dinheiro, quem é que ficou rico?
Você pode dizer não ou você pode abrir um processo para poder provar.
Você acompanha a vida do meu filho Fábio. Acompanha na internet: ele tem
avião, ele tem a torre Eiffel, ele tem a casa Branca, ele tem todos os
bois da Friboi. Você não sabe a quantidade de desmentido que é feita
todo santo dia. E é uma guerra que você não consegue acabar. Nem tudo
que o delator fala tem veracidade. O delator fala porque o delator está
sendo premiado. Eu tô condenado, eu vou condenar o Kennedy.
K – Se ele mentir, ele perde o benefício da delação.
L – É preciso que a gente não dê voto de confiança ao bandido e um
voto de desconfiança ao inocente. É preciso que a gente tenha em conta
que a delação premiada é apenas o começo de um processo de alguém que,
para livrar a sua situação, tenta culpar o outro. E veja que foi um
instrumento reforçado em 2011 e em 2013, no governo da Dilma. Ela
reforçou a delação premiada numa demonstração de que se tem uma coisa
que nós não tememos, é apurar corrupção. Aliás, eu acho que a corrupção
deveria ser tratada na escola. A gente começar no banco da escola a
ensinar às crianças o que é corrupção, desde um pequeno gesto até o que é
a grande corrupção, para ver se a gente constrói uma sociedade que, no
futuro, a gente tenha orgulho de ter acabado com a corrupção.
K – Estamos acabando aqui. Eu tenho uma pergunta importante para
fazer para o senhor. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que o
senhor é o atual pai da crise, que teria plantado as sementes com as
nomeações na Petrobras. E ele afirmou, numa entrevista aqui ao SBT, que o
senhor “é um político encantado pelas delícias do poder”, nas palavras
dele, e que “adotou o toma lá, dá cá como uma regra, não como uma
exceção” e que ele acha isso perigoso. Como o senhor responde a essa
avaliação do Fernando Henrique?
L – Eu, às vezes, preferia nem responder a um homem que tem 84 anos
de idade, que já foi presidente, já foi senador. O FHC, toda vez que ele
tiver que falar de corrupção, ele tem que lembrar da reeleição em 96.
K – A emenda da reeleição, em 97.
L – Ele tem que lembrar que o único mensalão criado, reconhecido
inclusive por deputados do DEM, que disseram que receberam, foi ele. Ele
tem que lembrar que nenhum processo dele era investigado. Cadê a pasta
cor de rosa, que não foi investigada? O MP dele se chamava engavetador.
K – Engavetador-geral da República.
L – Então, eu deveria ter apreço pelo FHC, porque sempre tive uma boa
convivência com ele. Mas eu acho que o FHC tem um problema comigo, que é
um problema de soberba. O FHC, ele sofre com o meu sucesso. Ele sofre.
Porque eu acho que ele queria que eu ganhasse, não que o Serra ganhasse.
Porque ele imaginava o seguinte: o Lula vai ganhar, ele é um coitadinho
metalúrgico, vai chegar aqui e não vai saber nada, não vai dar certo.
Quando chegar em 2006, eu voltarei de braços abertos para os braços do
povo. Ele devia pensar: o Lula não fala inglês, o Lula não vai saber
conversar com as pessoas. O que aconteceu é que o meu governo se
transformou numa coisa admirada por todo mundo. Porque nós fizemos a
maior inclusão social da história deste país. Nunca se praticou tanta
democracia. Foram 74 conferências nacionais para definir políticas
públicas. Nunca nenhum presidente da República fez reunião com reitores.
Eu, durante oito anos, fiz reuniões com reitores para discutir os
problemas das universidades e escolas técnicas brasileiras. Acontece
que, quando o meu governo teve sucesso, ao invés dele falar “eu ajudei
esse menino a vencer, eu tenho parte nisso”, não, ele começou a ficar
com bronca.
K – Não há hipótese de encontro entre o senhor e ele?
L – Acho que é difícil. É difícil porque eu acho que ele tem esse
problema e vai carregar para o resto da vida. Porque a soberba da elite
não permite achar que o cidadão da senzala tem direito de alguma coisa,
que pode alguma coisa.
K – Mas é ruim para o país o senhor e ele não conversarem, não é?
L – Eu acho que não é ruim, não. Temos que conversar com a sociedade.
Temos que conversar com os empresários. Conversar com os políticos da
ativa. Conversar com os trabalhadores. Conversar com a sociedade
organizada. Necessariamente, eu e o FHC não temos que conversar. Você
não vê Bush e Obama ficarem se reunindo. Não vê Clinton e Bush ficarem
reunindo. Eu não tenho que me reunir com FHC. Quem tem que reunir é o PT
e o PSDB. É o PMDB e o PSDB. Aliás, nós dois deveríamos ser
considerados carta fora do baralho. Mas é isso, eu lamento. Lamento que o
FHC, que deveria tirar proveito do sucesso do meu governo, porque ele
sabe, ele viaja o mundo e ele sabe. Sabe que o que nós fizemos neste
país, isso é motivo de orgulho no mundo. O brasileiro tem orgulho de
descer e mostrar o passaporte.
K – Hoje o país está numa crise grave, presidente.
L – O Brasil perdeu esse humor.
K – O governo Dilma não é um governo de retrocesso na economia e na área social?
L – Não é só um problema da Dilma. Na área social não houve nenhum retrocesso.
K – Cortes nos programas sociais, Fies, Pronatec. Corte orçamentário.
L – Não houve nenhum retrocesso, não houve corte. Num ano você pode
colocar dez, no outro ano você pode colocar oito. O dado concreto é que o
compromisso com as políticas sociais da Dilma é inatingível. Ela sabe
disso. E os compromissos com a educação, de quem criou um slogan do
governo de “Pátria educadora”, é total e absoluto. Então, eu acho que
nós estamos vivendo um momento de uma acidez política muito grande. As
pessoas perderam a tolerância. Corintianos e palmeirenses têm mais
tolerância de assistir a um jogo juntos do que políticos de partidos
adversários. Então, eu penso que nós temos que ter muita, mas muita
tranquilidade, temos que ter muita conversa. Nós temos que ter
consciência de que este país só vai melhorar quando a economia voltar a
crescer, quando voltar a gerar emprego, quando voltar a distribuir
renda. E não pode discutir 2018 agora. É muito cedo. E eu só posso dizer
o seguinte, eu vou repetir para você: para defender o projeto de
inclusão social, você pode estar certo, eu estou fazendo política a
partir de hoje, porque nós não podemos retroceder. Nós temos que
avançar.
K – O senhor é corintiano. Seu time está próximo de ser campeão. Já dá para comemorar ou tem que esperar a matemática?
L – Eu acho que tem que esperar a matemática, porque esse negócio de
festejar… Em 2002, eu tinha certeza de que eu iria ganhar no primeiro
turno. O pessoal estava festejando no comitê e nós fomos para o segundo
turno. Estava todo mundo irado. Eu fui o cara que foi lá para
tranquilizar as pessoas. Agora, eu não quero ficar comemorando título
antes. Vamos esperar.
K – O futebol mais bonito é o do Santos mesmo…
L – Eu acho que o Santos está bem! Mas o Corinthians está melhor.
K – Presidente, obrigado pela sua entrevista e até uma próxima.