Cada vez mais brasileiros vivem na
capital do sol e das compras. Saiba quem são eles e o que é preciso
fazer para realizar esse sonho
Chris Delboni, de Miami, e Mariana Queiroz Barboza (mariana.barboza@istoe.com.br)
Foi com poucas malas e o sonho de
experimentar a vida nos Estados Unidos que a empresária Ana Paula
Mariutti, 45 anos, o marido, Alexandre, 46, e os filhos Thomas, 15, e
Lucas, 13, desembarcaram no Aeroporto de Miami, na Flórida, no domingo
3. Sócia de duas escolas bilíngues em São Paulo, Ana Paula já estava
acostumada a passar as férias na cidade ao menos uma vez por ano.
Encantou-se tanto com o lugar que decidiu ficar em definitivo por lá. Os
Mariutti vão morar em North Miami Beach, um paraíso a menos de dois
quilômetros da praia, e assim se juntam aos 250 mil brasileiros que
atualmente vivem na Flórida. A maioria deles, em Miami e arredores, como
Fort Lauderlade e Boca Raton. “Sou atraída pelo estilo de vida
americano, mas queria um lugar próximo de nossa realidade cultural”, diz
Ana Paula. Não é recente o interesse dos brasileiros pela região. A
novidade é que o fenômeno agora conhece um terceiro – e mais marcante –
ciclo. Primeiro houve a invasão dos turistas, em meados da década de
1990. Depois, no final dos anos 2000, muitos deles descobriram que era
vantajoso comprar um imóvel na cidade. Além de o custo ser inferior a
similares vendidos no Brasil e da perspectiva de valorização do
investimento, parecia ser um jeito de manter uma ligação com a cidade.
Agora, nessa terceira fase, as pessoas simplesmente querem ficar –
talvez para sempre.
Qual é a mágica de Miami que seduz tanta
gente? Não são poucos os seus atributos. A cidade é daquelas raras que
combinam beleza natural com vasta oferta de serviços. São 24 quilômetros
de praias de areia branca e mar azul de frente para o Caribe. Mas isso
pode ser encontrado em outros lugares. A diferença da capital do sol nos
Estados Unidos é todo o resto que ela proporciona. Para quem gosta de
ir às compras, talvez não exista melhor destino no mundo. Para os
padrões brasileiros, seus preços são baixíssimos. Roupas, eletrônicos,
computadores, itens de decoração, cosméticos, artigos para bebês, tudo
custa bem menos. Quase sempre, metade do valor praticado no Brasil. Às
vezes, um terço. Não é só. Em Miami, os serviços públicos funcionam. Os
parques são bem cuidados. Os pedestres são respeitados no trânsito. Se a
pessoa mora numa região central, dá para fazer tudo a pé ou de
bicicleta. A sensação de segurança permite que se caminhe à noite, de
frente para o mar, sem o pavor típico experimentado por quem vive em uma
grande cidade brasileira. As escolas públicas são boas. Faz calor boa
parte do ano. E Miami é perto de tudo. Até do Brasil. Para São Paulo,
são oito horas de voo. Nova York, menos de três. Havana, a capital
cubana, 40 minutos.
A maior deficiência de Miami, e que rendia
críticas severas mundo afora, era sua irrelevância cultural. Mas isso
está mudando. Se não é uma Paris ou uma Nova York, a região caminha para
se tornar um centro cosmopolita. E parte dessa transformação se deve à
extensa comunidade latina. Antes vista com certo preconceito, agora ela
se insere na sociedade americana pela via mais nobre, a da arte e da
cultura. Há seis meses, o antigo Miami Art Museum foi renomeado Pérez
Art Museum, depois de um aporte de US$ 40 milhões do bilionário
cubano-americano Jorge Pérez. Há muito mais. No inverno, a cidade
respira cultura com a realização do Art Basel, reconhecido como um dos
mais importantes eventos de arte contemporânea do mundo. Inspirado por
essas transformações, o jornal britânico “The Guardian” classificou
Miami como “a cidade mais excitante dos Estados Unidos”, um elogio e
tanto vindo de uma das publicações mais sisudas da Europa. “Às vezes,
Miami parece estar seguindo a fórmula de Londres: especulação
imobiliária + arte contemporânea + boom de restaurantes + diversidade
cultural = cidade global dinâmica”, escreveu o crítico de arquitetura
Rowan Moore, em artigo recente.
Uma comprovação definitiva dessa tendência é
o Design District, região que concentra grifes como Cartier, Louis
Vuitton e Louboutin e que, nos últimos anos, ganhou novas galerias,
estúdios e antiquários. Perto dali, o bairro de Wynwood fez de suas ruas
uma grande galeria de arte alternativa, ao exibir grafites do mundo
inteiro, inclusive do Brasil, presente com os desenhos dos Gêmeos. O
País desempenha um papel relevante no amadurecimento cultural da cidade.
Com uma galeria na Lincoln Road, em Miami Beach, o pernambucano Romero
Britto foi um dos primeiros brasileiros a se instalar na região e a
fazer sucesso entre americanos e latinos. Neste exato momento, a arte
brasileira está em destaque na região. Até setembro, na Galeria Richard
Shack do ArtCenter/South Florida, está aberta à visitação uma exposição
da escultora e pintora paulista Laura Vinci. “Quando vim para cá de vez,
não havia uma ligação relevante da cidade com a arte e a cultura”,
afirma Paulo Bacchi, dono da loja de móveis de luxo Artefacto, com três
endereços na Flórida e 11 no Brasil. Bacchi trocou São Paulo pelos
Estados Unidos em 2002. Fez tanto sucesso por lá que se tornou líder no
segmento de móveis de luxo na cidade. “Hoje, Miami é cosmopolita.”
A presença maciça de brasileiros tem forte
impacto na Miami que surgiu nos últimos anos. Graças a eles, os
restaurantes começaram a ficar abertos até mais tarde, como acontece em
São Paulo e no Rio de Janeiro. Por causa do Brasil, muitas lojas
estimulam seus funcionários a aprender algumas palavras em português. Em
2013, 755 mil turistas brasileiros desembarcaram em Miami, segundo o
órgão oficial de turismo da cidade – um avanço de 9,5% em relação ao ano
anterior e de quase 20% sobre 2011. Na Flórida como um todo, que abriga
os parques da Disney em Orlando, os brasileiros correspondem ao maior
contingente de turistas estrangeiros, com 1,8 milhão de visitantes no
ano passado e um desembolso total de R$ 5,7 bilhões no período. Isso
provocou um aumento nos investimentos das companhias aéreas,
interessadas na demanda cada vez maior. Até o fim do ano, a Azul deve
inaugurar uma rota já utilizada pela Gol que liga Campinas, no interior
de São Paulo, a Fort Lauderdale, a cerca de 40 quilômetros de Miami, com
tarifas promocionais a partir de US$ 600. A American Airlines, que
realiza voos diretos partindo de várias capitais do País, planeja fazer a
mesma rota em breve.
No mundo dos negócios, os brasileiros
provocaram uma revolução, especialmente no setor imobiliário. O
movimento começou depois que a crise econômica de 2008 derrubou o preço
dos imóveis no mercado americano. Atraídas pela ideia de pagar menos por
uma casa de veraneio em Miami do que por uma propriedade no Rio ou em
São Paulo, muitas pessoas começaram a procurar apartamentos para
investir. Não por acaso, os brasileiros se tornaram o terceiro maior
grupo de compradores de imóveis em Miami e arredores. “A procura é tanta
que, nos próximos dois anos, eles devem liderar esse ranking”, afirma
Claudia Murad, sócia da Unique Living Miami – Exit Realty Brickell. Para
atender à crescente demanda, os serviços das corretoras se estenderam a
recepção nos aeroportos, reserva de restaurantes, aluguel de carros e
barcos e ao cuidado das casas enquanto os proprietários estão fora do
país. No segmento de luxo, os brasileiros também representam fatia
importante. Projetado pela arquiteta pop star Zaha Hadid, o One Thousand
Museum, que tem apartamentos cotados entre US$ 5 milhões e US$ 15
milhões, já vendeu 28% de suas unidades a brasileiros, mais até do que
para americanos.
REQUISITADO
O artista plástico pernambucano Romero Britto foi um dos primeiros
brasileiros a se instalar em Miami e fazer sucesso entre os americanos
Há dez anos, a imobiliária Elite
International Realty recebia dois pedidos por mês de brasileiros
interessados em se mudar para o sul da Flórida. Hoje são duas consultas
por dia – e de pessoas que não querem baixar o padrão que têm no
Brasil. Dona de uma casa de cinco suítes em Miami Beach, usada há três
anos como refúgio da família em feriados prolongados, Cristiane Quitete
Nogueira, 44 anos, quer se mudar de vez em 2015 com o marido, o
empresário aposentado Marco Antônio Gomes Nogueira, 56, e a filha mais
nova do casal, Antônia, 5. “Vou em busca de mais qualidade de vida e
segurança”, afirma. A questão da segurança é um fator importante na
escolha de muitas pessoas. A psicóloga Taluana Cabral, 35 anos,
considerou três episódios de violência urbana sofridos por sua família
em Santos para que decidisse pela mudança. “Vivia em estado de alerta”,
diz. “Em Miami, tenho outro estilo de vida. Matriculei meus filhos numa
escola pública de Key Biscayne e faço quase tudo a pé.”
Outro atrativo para os brasileiros é o
dinamismo típico da sociedade americana. Ao contrário do que acontece no
Brasil, montar um negócio nos Estados Unidos requer pouca burocracia.
Para abrir uma empresa no ramo de logística, com instalações físicas e
alvará de funcionamento, o empresário Junior Amaral, 46 anos, precisou
de apenas um mês em Miami. Em São Paulo, chegou a esperar um ano e meio
apenas por uma licença da prefeitura. Os brasileiros também estão
descobrindo que obter um visto de permanência é menos complicado do que
se imagina. Ainda que só a compra de um imóvel não garanta nenhum
direito especial, empreendedores dispostos a investir a partir de US$
500 mil num negócio que gere emprego a americanos ou residentes
permanentes legais conseguem um visto de imigrante que, na maioria dos
casos, se estende ao cônjuge e aos filhos menores de 21 anos. As
licenças de moradia para não imigrantes são boas opções para os
estrangeiros que ambicionam fazer um período de experiência nos Estados
Unidos. Nesses casos, basta aos interessados se matricular em
universidades e outras instituições de ensino, inclusive escolas de
idiomas. Nunca foi tão fácil morar em Miami. Será que está chegando a
sua vez?