Conveniente com corrupção em seu governo, leniente com caixa dois: alguém ainda tem dúvidas da máscara de Sérgio Moro?
A
notícia da última semana foi a adesão de Moro ao time de complacentes
com corruptos. Isso em razão de em menos de dois anos após a afirmação
de que a prática de caixa 2 era pior que a de corrupção, tê-la tirado de
seu “pacote anticrime” por não a considerar tão grave quanto a
corrupção. Esse cavalo de pau lhe garantiu, inclusive, alguns segundos
de sarro no Fantástico do último domingo[1].
Mas essa suposta contradição representa muito mais do que um sincericídio.
Moro construiu seu capital
pessoal como implacável caçador de corruptos. Tudo em cima de uma
liturgia incompatível com a magistratura da qual até pouco tempo fez
parte. Se os fins justificam os meios, viu-se, como um Raskólnikov
togado, moralmente autorizado a massacrar a lei e a Constituição – este
abjeto bunker de malfeitores – em nome de sua cruzada desinfetante.
O salvo-conduto para o ex-juiz trocar a lei por seus códigos
morais – algo que se vem tentando evitar ao menos desde a edição da
Magna Carta em 1215 – o levou a ser emoldurado em capas de jornais e
revistas como o adversário de seu mais ilustre réu: o ex-presidente Luís
Inácio Lula da Silva, cuja prisão era considerada por ele e pela turma
de Dallagnol uma espécie de troféu.
Lula
já possui duas condenações em processos oriundos da lava jato. Ambas
completamente fora das regras convencionais previstas em lei. Por
exemplo: quando o ex-juiz se abraçou à delação de Léo Pinheiro, sócio da
OAS, que incriminava o ex-mandatário, “ignorou” que, em 2016, o mesmo
delator afirmara que as obras que a OAS fez no apartamento tríplex do
Guarujá e no sítio de Atibaia não foram contrapartidas a algum benefício
que o grupo tenha recebido de Lula.
Por não ter dito o que os procuradores queriam ouvir, estes
puxaram o freio de mão da delação – ainda não homologada – e resolveram
dar a Pinheiro mais alguns meses de cana para refletir melhor[2].
Sem saber o que Lula fez em favor da OAS no caso do tríplex, Moro o
condenou por ter cometido um “ato de ofício indeterminado”. Qual? Não se
sabe. Eis exatamente a função do “indeterminado”.
Essa é apenas uma das incontáveis evidências de como o
ex-juiz colonizou a lei de acordo com o seu (suposto) propósito
messiânico de limpar o país da corrupção.
Mais do que uma bala de prata na imagem de salvador, conforme demonstramos na semana passada[3],
seu cavalo-de-pau quanto à gravidade do caixa 2 demonstra que o
ministro já não faz mais questão de esconder que suas principais
intenções nunca incluíram o combate à corrupção como um arcanjo que
desce dos céus varrendo a terra de suas verrugas purulentas ao brandir
sua espada flamejante.
O Moro ministro dá a cada dia mais provas de que o que de fato queria
quando usava a toga era, no mínimo, inviabilizar o programa
representado por Lula e pelas esquerdas de modo geral.
Vamos lembrar que Moro aceitou sem titubear o convite de
Bolsonaro para assumir o Ministério da Justiça. Em outro momento, tascou
no seu novo chefe as características mais improváveis de “moderado” e
“sensato”. É óbvio que tamanho deslumbre deixa claro que compactua pelo
menos com boa parte dos valores anti-iluministas e de extrema direita
representados pelo bolsonarismo, sem falar no antipetismo.
O iluminismo de Montesquieu, a propósito, nasceu para que juízes não tivessem poderes absolutos.
Livrar-se dessa lembrança inconveniente certamente contribuiu para
que fizesse suas trouxas e se despedisse da 13ª Vara Federal de
Curitiba.
No final das contas, Moro se encontra muito mais à vontade ao lado de
seu colega e amigo Onyx Lorenzoni e do clã familiar que hoje se
equilibra diante dos escancarados sinais de que durante anos se amparou
eleitoralmente em esquemas obscenos envolvendo laranjas e milicianos.
De
algoz da presunção de inocência, Moro considerou as desculpas pedidas
por Onyx, confesso praticante de caixa 2, e passou a mão na cabeça de
Bebianno e do ministro Marcelo Álvaro Antonio ao ser questionado sobre o
laranjal no qual estão envolvidos até o pescoço[4].
Só com uma olhadela bem superficial sobre o ministro é capaz de
ainda vê-lo como combatente de práticas de malversação do dinheiro
público, pois ele mesmo vem fazendo questão de não deixar dúvidas de que
esse enfrentamento, com muita timidez, era secundário diante de suas
antes inconfessáveis intenções.
Moro
participou decisivamente enquanto juiz na eleição de Bolsonaro, o qual o
convidou em seguida para ser ministro. Foto: Agência Brasil.
“Dilma caiu quando era presidente. Lula foi condenado quando liderava
a pesquisa presidencial. Cunha foi poupado até a semana seguinte da
aprovação do impeachment”, observa Celso de Rocha Barros[5],
o qual, mesmo defendendo a neutralidade na lava jato, reconhece que
seus efeitos na luta política pendularam claramente para a direita[6]
(como se esse pêndulo não tivesse a ver com a politização da operação):
“a direita conseguiu segurar os seus no poder até eles perderem
importância. A esquerda perdeu uma presidente e um candidato favorito”.
Barros conclui que “isso é poder, meu amigo, poder em estado
puro. Aqui já não tem mais norma, não tem mais instituição. E esse
exercício descarado de poder é um sintoma claro de que nossa democracia
anda bastante doente”. Alguns meses depois da publicação do artigo, Lula
seria preso após um inusitado alinhamento do poder judiciário com o
calendário eleitoral e teria sua candidatura indeferida pelo TSE, ainda
que, com base no artigo 26-C da própria Lei da Ficha Limpa, já existisse
jurisprudência amplamente favorável à sua participação no pleito. À
época, estava com 39% das intenções de voto. Bolsonaro, com 19%.
A forcinha eleitoral de Moro foi devidamente reconhecida pelo presidente. “O trabalho dele foi muito bem feito”[7], disse. O convite para o Ministério da Justiça surgiu durante a própria campanha, segundo revelou o vice Hamilton Mourão[8]. Foi também no decorrer da campanha que Moro, ainda juiz, levantou cirurgicamente o sigilo da delação de Palocci[9] na qual repetira as mesmas coisas que dissera em delação anterior a qual nem o Ministério Público Federal levou a sério[10].
Assim como a liberação dos áudios da conversa entre Lula e Dilma
minou a última estratégia de sobrevivência do governo petista, o fim do
sigilo da delação de Palocci deu munição para o principal adversário de
Fernando Haddad (adivinhem quem).
O ex-magistrado deve dormir com a tranquilidade de quem
fez o trabalho “muito bem feito”, cumprindo o papel de pôr areia na
candidatura de Lula e assim pavimentar o caminho para a ascensão
triunfante do bolsonarismo – tudo às custas da sua imagem de paladino.
Mas com essa imagem nem ele se importa mais.
2.06.2020
Médica, ativistas e parlamentares repudiam fala de
Bolsonaro de que pessoa com HIV é despesa para todos: “Absurda,
preconceituosa, na contramão do mundo”
06/02/2020 - 09h09
por Conceição Lemes
Nessa quarta-feira (05/2), ao sair em defesa da campanha da ministra
do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que
prega a abstinência sexual para prevenir a gravidez precoce, o
presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou: — “Uma pessoa com HIV, além de ser um problema sério para ela, é uma despesa para todos aqui no Brasil”. Foi enquanto falava sobre uma história contada pelo jornalista
Alexandre Garcia, sobre a experiência da sua esposa, que é obstetra: — O próprio Alexandre Garcia, ele fala que a esposa dele, que é
obstetra, atendeu uma mulher que começou com o primeiro filho com 12
anos de idade. Outro com 15, e no terceiro, que a esposa dele atendeu,
ela já estava com HIV. Uma pessoa com HIV, além do problema sério para
ela, é uma despesa para todos no Brasil. Bolsonaro disse ainda que há uma “depravação total” e responsabilizou as administrações do PT por isso: — Essa liberdade que pregaram ao longo (do governo) do PT todo, que
vale tudo, se glamoriza certos comportamentos que um chefe de família
não concorda, chega a esse ponto, uma depravação total. Não se respeita
nem sala de aula mais”. “Em 32 anos de trabalho com epidemia de HIV-AIDS, eu nunca imaginei
viver um momento triste como este”, afirma a médica sanitarista Maria
Clara Gianni, Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS-SP “A declaração do presidente da república é inaceitável e absurda”, avalia. “Culpabiliza as pessoas que vivem com HIV-Aids, reforça o
preconceito, não contribui para que a Aids possa ser considerada como
uma doença como outra qualquer”, acrescenta Maria Clara. “A Saúde das pessoas que vivem com HIV e Aids é um direito garantido
pela Constituição Federal. Eu não sou despesa!”, rebate Moysés Toniolo,
representante da Articulação Nacional de Luta Contra a Aids (Anaids) no
Conselho Nacional de Saúde (CNS). O conselheiro nacional de saúde denuncia: “Dizer que somos despesa para todos aqui no Brasil é distorcer informações e manipular a opinião pública. Demonstra preconceito e total desconhecimento da política de
HIV/Aids do nosso país, que é referência para o mundo. É com tristeza e
indignação que vemos essa tentativa de retrocesso e discriminação.
Investir na Saúde é investir na vida”. Em rede social, a ativista Silvia Almeida, vivendo com o HIV há 30 anos, observa: O Sr presidente deve saber que “toda doença” e que toda epidemia é para o SUS (existente neste país) uma responsabilidade! Algumas doenças são previsíveis, outras não, mas para que esta
prevenção seja eficiente, é necessário saber quais ações são necessárias
e eficazes, não olhar para a Saúde Sexual e Reprodutiva como um todo
não vai resolver a questão do HIV. Ao Governo um pedido: “vamos falar sobre isso”? Não é à toa que, em notas, movimentos de luta contra a Aids e parlamentares repudiam veementemente as declarações de Bolsonaro. Leia-as, na íntegra, abaixo. NOTA DE REPÚDIO DO MOVIMENTO DE LUTA CONTRA A AIDS O Movimento de Luta Contra a Aids, aqui representado pela ANAIDS,
RNP+Brasil, MNCP e RNTTHP, REPUDIA as declarações do presidente da
República, na manhã de hoje [quarta-feira, 05/02], afirmando que as
pessoas com HIV/Aids são uma “despesa” à sociedade. Destacamos que a resposta brasileira à epidemia de Aids é uma
política de Estado, não uma política de governos ou partidos, ancorada
nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e na garantia dos
direitos humanos, com reconhecimento e destaque internacional. Expressamos nossa repulsa para a abordagem desrespeitosa, superficial
e preconceituosa dispensada às pessoas que vivem com HIV/Aids. As declarações ofendem e rotulam quase um milhão de cidadãos e
cidadãs nesta situação, além de seus familiares, amigos e entorno
social. Não podemos tolerar que depois de décadas de conquistas e de luta
contra a discriminação, discursos ancorados em preceitos equivocados e
preconceituosos, potencializem estigmas e processos de exclusão sociais
ainda presentes no cotidiano das pessoas que vivem com HIV/Aids no
Brasil. Acreditamos que estas manifestações, panfletárias, são estratégias
adotadas pelo governo para desviar a atenção da população de questões e
problemas emergentes que o país vive. Além disto, o exemplo ilustrativo apresentado pelo presidente,
evidência a falta de programas/políticas públicas de educação sexual,
voltadas a adolescentes e jovens, articuladas com ações de prevenção e
que considerem os contextos de vulnerabilidade social dos adolescentes e
jovens brasileiros. Mas isto se contradiz nas ações do governo brasileiro, que investe em ações com mera valoração moral, sem evidência científica. Ampliaremos nossa mobilização pela garantia de direitos e de
políticas públicas inclusivas, plurais, fundamentadas em evidências
científicas e construídas com participação social. Somente com engajamento social conseguiremos impedir que que o obscurantismo e ideias fundamentalistas predominem. A saúde é direito de todos e dever do Estado. As pessoas que vivem com HIV/Aids exigem respeito! ANAIDS – Articulação Nacional de Luta contra a Aids RNP+ Brasil – Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids MNCP – Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas RNTTHP – Rede Nacional de Mulheres Travestis e Transexuais e Homens Trans vivendo e convivendo com HIV/ Aids NOTA DE REPÚDIO DA ABORDA Diante das declarações do presidente Bolsonaro, na manhã de hoje
[quarta-feira, 05/02], afirmando que as pessoas que vivem com HIV e Aids
são “ despesas” para todo o Brasil, a Associação Brasileira de Redução
de Danos (Aborda) manifesta seu profundo repúdio a total falta de
empatia com o sofrimento alheio que o discurso do mandatário apresenta. Nossos mobilizadores, em todo o país, convivem diariamente com
pessoas a margem do acesso social, vivendo o preconceito em suas
diversas formas, tentando superar as limitações com esforço imenso. Dentre estes grupos estão muitas pessoas com HIV/Aids, empurrados
para a marginalidade e a exclusão e por eles que nossa luta ganha
sentido e força. Não podemos tolerar que afirmações deste tipo reforcem o apartamento
social que vivemos e que agrave, com seu discurso de ódio, o estigma a
quem pensa ou age diferente do padronizado. O avanço do obscurantismo atual exige posições de luta e ampliação de
nossa mobilização, expondo o horror cultivado por um governo sem
compromisso com os mais necessitados, mas parceiro de poderosos cujo
lucro é a vontade maior. Sigamos na luta pela construção de um mundo novo, sem medo de
fantasmas, que podem durar uma noite mas se desmancham na luz do sol da
verdade. Diretoria Colegiada da Associação Brasileira de Redução de Danos (Aborda)
NOTA DE REPÚDIO DA FRENTE PARLAMENTAR DE PREVENÇÃO AO HIV/AIDS
A Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às Infecções Sexualmente
Transmissíveis (ISTs), do HIV/Aids e Hepatites Virais no Congresso
Nacional repudia com veemência a declaração desrespeitosa do presidente
Jair Bolsonaro contra as pessoas vivendo com HIV/aids no país, onde
afirmou: “Uma pessoa com HIV é uma despesa para todos aqui no Brasil”. O presidente Bolsonaro mais uma vez escolhe mentir e, ainda, revela
preconceito tentando estigmar as políticas públicas aplicadas nos
últimos anos, preconizadas por órgãos multilaterais e reconhecidas
mundialmente no combate ao HIV. Bolsonaro demonstra, também, profundo desrespeito contra a população
brasileira e com a história da ciência no país, desenvolvida de forma
eficiente e precisa por milhares de pesquisadores e servidores públicos
da área. Mas, Bolsonaro prefere implantar e incentivar ações não comprovadas
cientificamente, que já demostraram não estabelecer resultados efetivos,
indo, mais uma vez, na contramão do mundo. O preconceito, a mentira, o estímulo à ignorância, a segregação e
estigmatização por parte do chefe do Poder Executivo não pode ser
tolerada, pois ofende a dignidade da pessoa humana, avilta milhares de
cidadãos e cidadãs brasileiros e aprofunda, ainda mais, a tragédia do
nosso tempo. O estigma pode levar a morte, e estudos realizados pela Unaids Brasil
demonstra que mais de 64% das pessoas entrevistadas e que vivem com HIV
já sofreram alguma discriminação. Por isso a agência da ONU criou a campanha “zero discriminação”. E é
preocupante que ela seja realizada pelo próprio chefe do poder
executivo.
A controversa mega-hidrelétrica
de Belo Monte, no Pará, causou danos socioambientais significativos ao
Rio Xingu e aos povos indígenas e tradicionais que viviam às suas
margens. Agora, parece que a hidrelétrica pode não ser capaz de produzir
a quantidade total de eletricidade prometida por seus idealizadores –
uma situação para a qual os críticos há muito tempo alertavam.
Os engenheiros parecem ter se equivocado seriamente
ao estimar as taxas de vazão do Rio Xingu e as variações entre as
estações seca e chuvosa, além de não contarem com a redução da vazão
devido ao desmatamento causado pela rápida expansão das fazendas de gado
e das plantações de soja em Mato Grosso, onde fica a nascente do rio.
As secas induzidas pelas mudanças climáticas também
estão diminuindo a vazão do Rio Xingu e sua capacidade de geração de
energia. Em 2013, um importante relatório do Painel de Mudanças
Climáticas alertou que o aquecimento global pode reduzir os níveis
d’água em toda a Bacia Amazônica, colocando a energia hidrelétrica em
sério risco.
À medida que o desmatamento decorrente do
agronegócio e da mineração se espalha pela bacia, agora estimulado pelas
políticas desenvolvimentistas do presidente Jair Bolsonaro, o futuro
das hidrelétricas da Amazônia, sua capacidade de geração de energia e
potencial de investimento parecem cada vez mais desanimadores.
Tecnicamente, as
turbinas da Usina Hidrelétrica de Belo Monte podem produzir 11.233 MW de
energia por mês – isso se não existisse essa entidade orgânica chamada
rio, com seus próprios ritmos sazonais, enchendo, esvaziando,
espalhando-se. Acrescente-se ainda a redução da vazão do Rio Xingu
devido ao desmatamento e à seca e temos um projeto que tem tudo para se
tornar o maior elefante branco da Amazônia brasileira. Inaugurada
em 2016 no Pará, Belo Monte deveria operar num nível em que geraria
4.571 MW por mês ao longo de 12 meses. Isto é o que se chama de “energia
firme”, uma aproximação da eletricidade que de fato é produzida
(diferentemente da potência instalada). Mas hoje até essa quantidade
parece alta.
Em 2019, a vazão do Xingu caiu drasticamente durante a estação seca,
de julho a novembro, e mesmo com apenas uma turbina parada entre as 18
existentes, a hidrelétrica produziu uma média mensal de apenas 568 MW em
agosto, 361 MW em setembro, 276 MW em outubro e 583 MW em novembro, de
acordo com as autoridades.
A Norte Energia, operadora da hidrelétrica, foi obrigada a desligar as
turbinas várias vezes para impedir que fossem danificadas.
Mas mesmo na estação das cheias, a hidrelétrica nunca chegou perto de
produzir os 11.233 MW mensais de sua capacidade instalada, que o press release da Norte Energia alardeia aos investidores. O valor mais alto no ano passado foi de 6.882 MW, produzidos em fevereiro.
Apesar de todas as promessas de eficiência hidrelétrica apresentadas
durante o planejamento e construção da hidrelétrica, entre 2011 e 2016,
Belo Monte tem se mostrado o exato oposto da eficácia – um projeto que
não só causou imensos prejuízos socioambientais, mas que agora parece
também incapaz de gerar lucro. Atualmente, alguns moradores locais não a
chamam mais de Belo Monte, mas de Belo Monstro.
Termoelétricas poluentes para compensar Belo Monte
Tanto foi assim que, em 11 de outubro, a Norte Energia enviou uma
carta oficial ao governo federal pedindo, paradoxalmente, permissão para
produzir ainda menos energia.
Na carta, a companhia declara sua própria “emergência hídrica”,
dizendo que os níveis em um reservatório tinham caído tanto que a base
de terra e argila de uma das barragens ficaria exposta à erosão causada
pelas ondas e, portanto, sujeita a “danos estruturais”. Para evitar esse
problema, a Norte Energia disse que precisava reduzir ainda mais a
vazão das águas vindas da barragem a montante, Xingu acima.
A imprensa reagiu rapidamente com críticas à incapacidade da Norte
Energia de planejar a operação de uma hidrelétrica na qual R$ 40 bilhões
foram investidos – em grande parte financiados pelos contribuintes por
meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Em novembro, a Norte Energia pediu formalmente à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorização para construir usinas termelétricas
ao longo das barragens de Belo Monte – usinas que provavelmente usariam
combustíveis fósseis. A empresa negou que estivesse tentando compensar a
baixa produção de energia do projeto hidrelétrico, como a imprensa inferiu, afirmando apenas que as companhias de eletricidade costumam diversificar seus portfólios.
Se autorizada a construir essas termelétricas, a Norte Energia
poderia fazer melhor uso das duas linhas de transmissão que levam
energia ao Rio de Janeiro e a Minas Gerais, construídas pela companhia
chinesa State Grid ao custo de R$ 15 bilhões. Em razão das grandes
variações sazonais do Rio Xingu, essa linhas permanecem subaproveitadas
durante cinco meses do ano.
Construir Belo Monte foi mais lucrativo do que fazê-la funcionar
Especialistas hoje atribuem a surpreendente ineficiência de Belo
Monte a uma série de fatores, entre eles o mau planejamento, a
localização equivocada em um rio que varia sazonalmente, o aumento
dramático do desmatamento na região (que está reduzindo o nível das
águas do Rio Xingu) e, por fim, as mudanças climáticas globais, que aumentam os períodos de seca. Todos esses fatores foram reconhecidos tanto pelos opositores da hidrelétrica quanto por analistas de negócios durante os estágios de planejamento.
Além disso, análises de várias fontes diferentes avaliaram que a
controversa Belo Monte nunca produziria a quantidade de eletricidade prevista, nem jamais seria economicamente viável – previsões ignoradas pela Norte Energia, pelo governo e pelo BNDES.
Então, por que a companhia deu continuidade ao megaprojeto de R$ 40
bilhões? A resposta é simples: o lucro gigantesco resultante dos dólares
dos contribuintes durante a construção.
“Acho que o que motivou foi basicamente a imensa quantidade de
dinheiro que flui nesses projetos na fase de construção”, diz Brent
Millikan, da ONG ambiental International Rivers. “Havia grandes
empreiteiras e interesses políticos ligados a elas através de redes de
favorecimentos, esquemas de propina e assim por diante, que se
organizaram para ganhar imensas quantias de dinheiro com isso [a
construção]. Acho que parte da prova disso é que todas essas grandes
empreiteiras se afastaram dos investidores [de geração de energia] de
Belo Monte.”
Empresas menores como a Queiroz Galvão e a Galvão Engenharia, por
exemplo, investiram originalmente em menor escala na companhia de
eletricidade Norte Energia, mas depois retiraram seu dinheiro,
preferindo investir no Consórcio de Construção de Belo Monte (CCBM).
Enquanto isso, algumas das maiores construtoras do Brasil, incluindo a
Odebrecht e a Camargo Corrêa, nunca se juntaram à Norte Energia e
preferiram investir seu dinheiro apenas no consórcio de construção de
Belo Monte. Através de suas ações, essas firmas se protegeram do risco
especulativo que a companhia elétrica representava, enquanto lucravam
com o grande afluxo de capital de construção do BNDES, que teve pouca
fiscalização pública.
Como resultado, apenas investimentos de entidades do setor público –
vindos de fundos de pensão e da estatal Eletrobras – foram para a Norte
Energia. E são exatamente essas entidades públicas que podem ficar de
mãos vazias se Belo Monte nunca produzir uma quantidade significativa de
energia.
Foi dessa forma que os sócios do consórcio de construção de Belo
Monte lucraram absurdamente. Mas a Norte Energia, a companhia elétrica
responsável pela operação, está com problemas cada vez maiores. Hoje,
deve R$ 25,4 milhões ao BNDES.
A Norte Energia não respondeu aos pedidos para comentar esta reportagem.
Desmatamento põe em risco projetos hidrelétricos na Amazônia
O pedido de licenciamento de termelétricas da Norte Energia, que
compensaria a falta de capacidade de gerar energia hidrelétrica, não é
apenas uma tendência local. Nesta simples ação, pode estar escrito o
destino de hidrelétricas em toda a Amazônia, dado que o desmatamento
provocado pela pecuária e pelo cultivo de soja vem aumentando
dramaticamente, e ainda somado às alterações climáticas no planeta –
ambos, juntos, reduzem as chuvas na Amazônia e, como consequência, fazem
o nível dos rios baixar.
“O problema é que não há água suficiente no Rio Xingu”, diz Millikan,
algo que acontece também com outros cursos d’água da Bacia Amazônica. O
Xingu “é um rio sazonal. Já sabíamos disso a partir de dados
históricos, e a tendência é que só piore.”
O problema está se agravando por dois motivos: “Número um: há um
[grande] desmatamento na bacia do Rio Xingu, e isso está afetando
[negativamente] a hidrologia da mesma.” A desflorestação na área cresceu
81% de 2018 para 2019.
“Número dois: as mudanças climáticas, tanto regionais quanto globais,
estão reduzindo as chuvas”, diz Millikan. “Temos, portanto, menos água e
menos capacidade de capturar água na bacia e liberá-la na estação
chuvosa. Como resultado, eles são obrigados a desligar as turbinas
completamente por vários meses do ano.” Na bacia, a queima da vegetação e
a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera estão se combinando
para secar a Floresta Amazônica, levando a um agravamento da estiagem,
de acordo com um estudo da Nasa.
André Oliveira Sawakuchi, professor do Instituto de Geociências da
Universidade de São Paulo, concorda que o desmatamento, causado
especialmente pelo agronegócio, está tornando a energia hidrelétrica na
Amazônia inviável. “A expansão do gado e da soja no sudeste da Amazônia é
a maior inimiga de Belo Monte nas décadas que virão”, diz ele.
Mas nenhum desses efeitos deve ser uma surpresa para a Norte Energia,
o BNDES ou o governo brasileiro, segundo Millikan e Sawakuchi. Desde 9
de setembro de 2013, o importante Painel Brasileiro de Mudanças
Climáticas divulgou um relatório alertando que o aquecimento global poderia baixar o nível das águas na Amazônia, colocando em risco a geração de energia hidrelétrica.
Origens imediatas da “emergência hídrica”
Além do problema da queda do nível das águas, a “emergência hídrica”
declarada pela Norte Energia aponta para deficiências escondidas na
construção de Belo Monte.
De acordo com a carta enviada à Agência Nacional das Águas (ANA) pelo
diretor-presidente da Norte Energia, Paulo Roberto Ribeiro Pinto, a
estiagem de outubro de 2019 baixou tanto o nível em um dos dois
reservatórios de Belo Monte, o Reservatório Xingu, que causou risco de
danos estruturais à barragem de Pimental. Segundo ele, ventos fortes no
reservatório poderiam criar ondas que erodiriam a base da barragem,
feita de terra e argila, sem reforço de rochas.
A situação era tão grave, segundo a companhia, que ela também pediu
ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para desobrigá-la
temporariamente de seu compromisso de fornecer energia para os
consumidores brasileiros.
Millikan especula que o prejuízo econômico que a Norte Energia terá
quando não for capaz de cumprir os acordos de geração de energia com a
Aneel explica o motivo pelo qual a companhia quer construir usinas
termelétricas próximas a Belo Monte. “Acho que essa coisa da emergência
financeira é o seguinte: ‘Ah, vamos construir algumas usinas
termelétricas e isso nos salvará’”, diz Millikan. Se a Norte Energia não
conseguir fornecer energia suficiente, seu contrato com o governo diz
que ela deve comprar eletricidade no mercado para compensar a diferença,
o que é caro. As usinas termelétricas poderiam ajudar a reduzir esses
prejuízos.
Em 8 de novembro, a jornalista Eliane Brum escreveu no El País
sobre a declaração de emergência da Norte Energia, dizendo que ela
revelava um erro na construção da hidrelétrica. No mesmo dia, a Norte
Energia respondeu
que não havia erro nem risco à estrutura da barragem, embora sua
própria carta dissesse que ondas provocadas por ventos fortes poderiam
causar “danos estruturais”.
O problema fundamental que levou à “emergência hídrica” de outubro é
que a Norte Energia precisa de um total de 1.000 metros cúbicos por
segundo (m3/s) de vazão no Rio Xingu para cumprir com as
exigências do governo, fornecendo água suficiente para os reservatórios e
para a Volta Grande – uma curva imensa no Xingu deixada de lado pelo
projeto de Belo Monte, com a margem povoada por pescadores que dependem
dessa curva em formato de ferradura para subsistir por meio da pesca.
Mas devido à seca de 2019 e ao desmatamento dos últimos anos, “o rio não foi capaz de fornecer 300 m3/s para o reservatório intermediário e os [obrigatórios] 700 m3/s para a Volta Grande”, explica o professor Sawakuchi.
Com a vazão do Rio Xingu caindo para apenas 750 m3/s, a companhia redigiu sua carta de emergência e reduziu para 100 m3/s
a vazão no canal que conecta o Reservatório do Xingu ao reservatório
intermediário, numa tentativa de evitar o risco de “danos estruturais” à
barragem.
Ao fazer isso, a companhia também escolheu fornecer de modo
aproximado a vazão exigida para cumprir suas obrigações com a Volta
Grande, uma quantidade que a companhia e o governo determinaram como o
mínimo para garantir a vida e a navegabilidade (embora moradores locais
digam que até isso é insuficiente).
Norte Energia contesta vazão necessária em reservatório
Críticos argumentam que a decisão da Norte Energia quanto à estiagem
de outubro é um risco para o meio ambiente. Acordos prévios com o Ibama
estabeleciam que pelo menos 300 m3/s deveriam ser mantidos no
reservatório intermediário para evitar prejudicar a qualidade da água.
Mas a Norte Energia contratou a EnvEx Engenharia para aplicar modelos
matemáticos e concluiu que com até 100 m3/s – o nível drasticamente baixo estabelecido em outubro – não haveria prejuízo na qualidade da água.
Sawakuchi questiona esse argumento: “Pode haver problemas com os
modelos matemáticos” diante das amostras de qualidade da água da vida
real. Quando a vazão d’água fica tão baixa, algas podem proliferar no
ambiente, impactando o sistema todo, argumenta o professor da USP.
O problema não é apenas teórico e local. Sawakuchi alerta que um
declínio na qualidade da água no reservatório intermediário não ficaria
apenas lá, mas poderia se estender ao Rio Xingu, atingindo a Volta
Grande, onde os povos indígenas Juruna e Arara bebem água, tomam banho e
pescam. A carta da Norte Energia prometia fazer testes de qualidade da
água três vezes por dia para tratar essa “situação excepcional”.
“A expansão da soja e das pastagens é inimiga de Belo Monte”
A notícia ruim: outubro de 2019 não será uma exceção. “Estudos
preveem que nos próximos 30 anos, a água da bacia do Xingu diminuirá em
20% a 30%”, diz Sawakuchi. “Alguns estudos até preveem uma redução de
mais de 40% na água da bacia em 50 anos”, trazendo resultados ainda
piores para o Rio Xingu e Belo Monte.
O professor – que investiga as interações entre as mudanças
climáticas e os sistemas fluviais – aponta que, quando a indústria e o
governo formularam a regra original da vazão, “consideraram a quantidade
de água nos últimos 60 ou 70 anos. Mas agora isso está mudando”. E é
provável que continue mudando no futuro.
Ele conclui que o aumento do desmatamento e as mudanças climáticas
farão com que a “empresa tenha de modificar sua forma de operar a
hidrelétrica” para atender às exigências de vazão mínima para gerar
eletricidade, protegendo a integridade estrutural enquanto atende às
necessidades da Volta Grande. A redução da vazão no Xingu, dividida
entre Belo Monte e a Volta Grande, pode ser um desastre ambiental
iminente.
Sawakuchi explica ainda que o Rio Xingu e seus afluentes têm suas
nascentes em Mato Grosso e dependem da cobertura florestal para ter uma
vazão confiável. Mas a maior parte da Floresta Amazônica e do Cerrado de
Mato Grosso teve sua vegetação original transformada em plantações de
soja sedentas por água.
As florestas da Amazônia, com sua alta umidade, ajudam a gerar chuva e
reabastecem localmente a bacia do Xingu. “Quando há mais chuva, a vazão
nos rios é mais regular ao longo do ano. Quando há menos chuva, isso
torna o nível dos rios mais variável”, acrescenta Sawakuchi.
Simplificando, o efeito da seca provocada pelas vastas plantações de
soja a montante dificulta a operação de uma hidrelétrica a jusante, que
promete gerar energia a partir de níveis constantemente altos.
Com a esperada expansão da agropecuária, isso “intensifica e
concentra a chuva em algumas épocas do ano, mas, ao todo, reduz a chuva
ao longo do ano.” No geral, “o agronegócio e a criação de gado no Mato
Grosso tiram água de todos os afluentes”, secando o sistema do rio antes
mesmo que ele alcance a bacia do Baixo Xingu, de forma que a água não
chega à hidrelétrica de Belo Monte, explica Sawakuchi. “A expansão da
soja e das pastagens significa menos água na bacia do Alto Xingu. A
expansão da soja e das pastagens é inimiga de Belo Monte.”
Mais projetos de usinas, menos água chegando
Belo Monte muito provavelmente não será a última grande hidrelétrica
brasileira. O governo está planejando mais usinas nos rios Tapajós,
Trombetas e em outros da Bacia Amazônica.
Esses projetos ignoram os alertas de cientistas, inclusive de Carlos
Nobre e Tom Lovejoy, que, em dezembro de 2019, declararam que o ponto de
inflexão da Amazônia, que passaria de floresta tropical a savana
degradada, “é aqui e agora”.
Se esses pesquisadores estiverem corretos, as perspectivas para as
chuvas na Amazônia, as vazões fluviais e as hidrelétricas existentes e
futuras serão cada vez mais desanimadoras.
Sawakuchi coloca em dúvida a viabilidade dos projetos de usinas na
Amazônia: “As companhias hidrelétricas sempre esperam produzir o máximo
de energia na estação das chuvas, de janeiro até julho”, diz ele. “Mas
elas terão menos água em julho”, à medida que as mudanças climáticas se
intensificarem e a estação chuvosa diminuir. “Isso não está sendo
calculado.” O governo federal, por sua vez, coloca mais projetos de
hidrelétricas na Amazônia na fila.
“Isso pode intensificar os conflitos por água”, diz ele, uma vez que
ribeirinhos, povos tradicionais e indígenas competem pela vazão cada vez
menor de água com hidrelétricas novas e antigas, indústrias de
mineração, agronegócio e cidades com necessidade de água potável.
Olhando especificamente para Belo Monte, Sawakuchi diz, “80% a 90% da
água do Rio Xingu será usada para produzir energia”. E quem vai sofrer é
a população e os animais aquáticos da Volta Grande.
Um futuro sem água na Amazônia
Em 27 de novembro, o presidente Jair Bolsonaro, com muita pompa e
cobertura midiática, inaugurou uma placa quando a 18ª e última turbina
de Belo Monte entrou em operação. O evento também marcou a redução da
vazão da Norte Energia para a Volta Grande, provavelmente com impactos
imensos sobre os peixes e a segurança alimentar local. É um regime de
vazão ainda mais baixo do que o inicialmente negociado entre a companhia
e o governo. Moradores locais vêm lutando há anos para impedir que esse
novo regime mais baixo entre em vigor na Volta Grande.
“As coisas já estão muito ruins, mas vão piorar”, prevê Millikan.
Se a Norte Energia conseguir aprovar a construção de usinas
termelétricas ao lado de suas barragens, bem como ao lado da mina Belo
Sun – a maior mina de ouro a céu aberto do mundo, projetada por uma
companhia canadense –, então os níveis de água que sustentam a vida na
Volta Grande, que a Norte Energia prometeu manter, provavelmente serão
reduzidos a um gotejar.
E se o Brasil continuar adotando políticas como estas, implementadas
para alimentar Belo Monte enquanto esvazia o Rio Xingu, então não é
difícil prever quem serão os futuros perdedores: “Até agora, foram
sempre as companhias hidrelétricas que ganharam. Não as pessoas”, diz
Sawakuchi.
Imagem do banner: O barragem principal de Belo Monte, em 27 de
dezembro de 2019. Cada tubo que desce marca uma das 18 turbinas que
produzem eletricidade. Foto: Palácio do Planalto / CC BY
Gilson PinheiroVergonha
desses governantes que não respeitam a história do nosso Brasil, e dos
indígenas que fazem parte dessa história. Me sinto envergonhado de ter
esses líderes que tem condições de fazer algo e não fazem. Mais o meu
Deus não dorme e nem cochila , Ele vai julgar essa nação perversa.
Geernywal MoraisTem
que armar os índios não. Os indios tem que se armarem logo. Issi é
tradicionalidade defender seus territórios. Tão pacifico demais. Falam
com Presidente da Rússia e vendem as terras deles pro Putim. E o pau
esgalha nas costas desses bandidos nazistas.
A ex-presidente Dilma Rousseff, personagem central de Democracia em
Vertigem, de Petra Costa, candidato ao Oscar de Melhor Documentário no
próximo domingo, não esperou muito tempo para dizer o que achou das
declarações do ex-apresentador do BBB, Pedro Bial que, sem mais nem
menos, resolveu criticar o Democracia em Vertigem e também a Petra
Costa.
“Como se não bastasse a grosseria misógina e sexista de Bial contra
Petra Costa, ao chamá-la de menina insegura em busca de aprovação dos
pais, foi vítima de intolerável agressão oficial do governo Bolsonaro”,
escreveu Dilma no Twitter. Em outra mensagem, Dilma acusou o governo
Bolsonaro, mais precisamente a Secretaria de Comunicação da Presidência
que “exibiu um vídeo, feito com dinheiro público, para ofender uma
artista brasileira apenas porque exerceu o inalienável direito de
criticar o governo numa rede de TV. Trata-se de censura e de brutal
desrespeito à liberdade de expressão”. Petra Costa, no final da tarde, respondeu ao ataque do governo
Bolsonaro por meio da Secom. Ela postou no Twitter: “O governo
brasileiro usou sua conta oficial do Secretário de Comunicação nas
mídias sociais para me atacar, chamando-me de anti-patriota. Este é mais
um passo em direção ao autoritarismo, em face do qual não devemos
permanecer calados”. Nas redes sociais, internautas lembraram hoje que, em 2004, quando
lançou a biografia autorizada do seu patrão, Roberto Marinho, Bial foi
duramente criticado pela jornalista Renata Lo Prete, hoje companheira de
firma dele.
Na época, Renata escreveu na Folha: “Pena que tanta matéria-prima
tenha sido plasmada com olhar de deslumbramento por Bial, que ao final
reflete: “Roberto Marinho… Nunca imaginei que me coubesse tal missão,
escrever, com independência, um perfil biográfico de Roberto Marinho”. Se independência lhe foi dada, ele mostrou pouco interesse em
utilizá-la”. Agora, que temos notícia, já são três pessoas que
consideram o documentário de Petra uma ficção. Pedro Bial, o presidente
Jair Bolsonaro e Augusto Nunes que, na Rádio Jovem Pan, além de defender
o ex-apresentador do BBB, como disse que nada daquilo mostrado em
Democracia em Vertigem é verdade.
Estonteante
imagem da entrada da barra da Baía de Guanabara no crepúsculo, vista do
Parque da Cidade, em Niterói, com as cores do lusco-fusco sinalizando a
chegada da noite vinda do Sudeste,
contemplada em silêncio pelos morros Pão de Açúcar, Cantagalo,
Corcovado, Dois Irmãos, Vidigal e Pedra da Gávea.
Vejam que coisa curiosa: o Brasil vem piorando há cinco anos nesse ranking mundial de percepção da corrupção. É a mesma idade da Lava Jato.
Há meia década, nós, brasileiros, achamos – a cada ano mais – que “nunca
se roubou tanto” neste país. Mas vejam: isso é um ranking de percepção
de corrupção, não da corrupção efetiva. É um ranking sobre o sentimento
da população em relação à roubalheira. E o que potencializa essa
percepção? Cinco anos de notícias diárias sobre o “combate à corrupção”
com certeza sim.
E quem alimenta a imprensa com esse ciclo eterno? Sobretudo a Lava Jato.
Então, quanto mais Lava Jato tivemos, mais as pessoas foram achando o
país corrupto. Quem se beneficiou disso? A Lava Jato, ora, que só
cresceu, concentrou poder e cometeu arbitrariedades disfarçadas de
heroísmo.
Quanto mais operações da Lava Jato, mais notícias. Quanto mais notícias,
mais as pessoas foram achando que o país piorava em relação à
corrupção. Qual remédio foi vendido para aplacar essa percepção
crescente de que somos um país de ladrões? Mais Lava Jato. (e por favor,
isso nada tem a ver com o combate à corrupção em si, mas com os métodos
e a transformação da função pública em circo).
No dia seguinte à divulgação da pesquisa, Sergio Moro disse:
“Indicadores da Transparência Internacional mostram como é difícil mudar
a percepção sobre corrupção. Nota no Brasil não melhorou nos últimos
anos apesar dos avanços da Lava Jato e de 2019.Isso significa que
precisamos fazer muito mais, inclusive no Congresso”.
Viram o remédio do Sergio? Mais Lava Jato, e os abusos de poder que ainda finge não terem existido.
Essa panaceia – como se os remédios anti-corrupção fossem sozinhos
salvar o Brasil – criou a armadilha perfeita para destruir a confiança
em toda a classe política e se buscar a saída fora dela: MPF e
Judiciário com seu lavajatismo, aventureiros como Bolsonaro e (agora)
Huck com sua anti-política.
Estamos bolsonarotemáticos, mas quem é o grande candidato da
extrema-direita hoje? Ele, Moro. Talvez Bolsonaro já tenha se convencido
que sua única chance é tirar Moro do palco imediatamente, antes que
seja engolido. Isso aqui, por exemplo, deu no JN essa semana. Nem notícia é. Como Moro fora do governo, ele perde seu principal microfone.
Seguirá a ter repercussão, mas dependerá muito mais de besteiras ditas
no Twitter do que de coletivas oficiais cheias de repórteres. O séquito
de jornalistas que passam o dia atrás da agenda do ministro minguará, e
serão três anos sem esse enorme palanque que é o Ministério da Justiça.
Um longo caminho até 2022.