Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil e condenado a 12 anos e 7 meses de cadeia no julgamento da Ação Penal 470, conhecido como ‘mensalão’, já estaria na Itália, segundo fontes ouvidas pela reportagem do Correio do Brasil, nesta sexta-feira. Pizzolato tem cidadania italiana e, segundo as leis daquele país, ele detém, em tese, o direito de ser julgado por uma corte romana. Advogados ouvidos pelo CdB disseram também que há brechas na Lei de Extradição assinada entre os dois países, que podem impedir que Pizzolato seja conduzido de volta ao Brasil, para o cumprimento das penas exigidas pelas autoridades.
– O Artigo V do Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, que trata dos Direitos Fundamentais, afirma que tampouco haverá o retorno forçado do cidadão ao país de origem se, “pelo fato pelo qual for solicitada, a pessoa reclamada tiver sido ou vier a ser submetida a um procedimento que não assegure os direitos mínimos de defesa”, como é o caso de Pizzolato que, como cidadão comum, foi julgado por um tribunal de última instância, sem direito à apelação – afirmou um jurista que, por razões pessoais, prefere manter o anonimato.
As condições miseráveis dos presídios brasileiros também servirá de argumento para que Pizzolato seja mantido na Itália, pois, ainda segundo aquele advogado, “qualquer corte italiana concordaria que ‘se houver fundado motivo para supor que a pessoa reclamada será submetida a pena ou tratamento que de qualquer forma configure uma violação dos seus direitos fundamentais’, o réu deverá ser protegido”. Pizzolato, desde o início do julgamento do ‘mensalão’, denunciou o relator, ministro Joaquim Barbosa, por esconder o fato de que o dinheiro do Visanet (empresa conjunta entre o Banco do Brasil e a empresa multinacional de cartões de crédito Visa, entre outros sócios) foi aplicado de forma correta e não se trata de recursos públicos.
Fatos nebulosos
O julgamento da AP 470 sofreu críticas de juristas brasileiros e internacionais quanto à sua lisura, principalmente por parte de Henrique Pizzolato. A viga mestra da denúncia apresentada, em 2006, pelo então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, é o desvio de dinheiro público:
1) R$ 73.851.356,00 do Fundo de Incentivo Visanet, considerados como propriedade do Banco do Brasil,
2) teriam sido desviados pelo seu diretor de Marketing, Henrique Pizzolato,
3) para beneficiar a DNA Propaganda,
4) que não havia prestado qualquer serviço em prol dos cartões Visa.
Em julho de 2011, Roberto Gurgel, que sucedeu Antônio Fernando, bate na mesma tecla nas alegações finais da AP 470, encaminhadas ao STF:
“Henrique Pizzolato, na condição de Diretor de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil, desviou, entre 2003 e 2004, o valor de R$ 73.851.000,00 (setenta e três milhões e oitocentos e cinquenta e um mil reais) oriundo do Fundo de Investimento da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento – Visanet. O valor, constituído com recursos do Banco do Brasil, foi desviado em proveito dos réus Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach”.
“O valor que compõe o Fundo de Investimento Visanet é público, de propriedade do Banco do Brasil”.
“…as empresas do Grupo Visanet não têm e nunca tiveram qualquer relacionamento contratual direto com a empresa DNA Propaganda. Os repasses foram feitos por determinação do Banco do Brasil”.
Durante o julgamento, em 2012, os ministros, em seus votos, corroboram Gurgel, inclusive reproduzindo o nome Fundo de Investimento Visanet.
Em seu voto, Joaquim Barbosa, ministro-relator da AP 470, sustenta:
“Ainda assim, não se pode desconhecer que os recursos oriundos do Fundo Visanet, de que agora se trata, eram propriedade do Banco do Brasil”.
“O Banco do Brasil como acionista do Fundo Visanet era proprietário de 32,03% desses recursos, como também salientou o laudo 2828/2006 (Apenso 142. folhas 77/119, parágrafo 182)”.
“No caso, os depósitos de R$ 73.851.536,18 na conta da DNA Propaganda só ocorreram porque assim determinou o réu HENRIQUE PIZZOLATO, responsável maior pela verba de marketing e publicidade do Banco do Brasil, em razão do cargo que ocupava (está no acórdão)”.
“Assim, Henrique Pizzolato agiu com o dolo de beneficiar a agência representada por Marcos Valério, que não havia prestado qualquer serviço em prol dos cartões do Banco do Brasil de bandeira Visa, tampouco tinha respaldo contratual para fazê-lo. De fato, o contrato entre a DNA Propaganda e o Banco do Brasil não fazia qualquer alusão à Visanet (fls. 45/71, Apenso 83, vol.10.)”
Ricardo Lewandowski, ministro-revisor da AP 470, usa argumentos semelhantes:
”Ainda que assim não fosse, convém assentar que os recursos direcionados ao Fundo VISANET, além de serem vinculados aos interesses do Banco do Brasil, saíram diretamente dos cofres deste, segundo demonstrado no item 7.1.2 do relatório de auditoria interna realizada pelo próprio Banco [fl. 5.236, vol.25, parte 1], conforme se vê abaixo:” [cita item 7.1.2 da auditoria interna BB]”.
” Quanto à natureza privada ou pública dos recursos, o argumento, em si, ainda que acolhido, não afastaria a caracterização da prática criminosa”.
“Noutras palavras: se o agente público (no caso, o Diretor de Marketing do Banco do Brasil) desviou, em proveito próprio ou alheio, dinheiro ou valor de que tem a posse (ou detenção) em razão do cargo, está configurado o peculato, independentemente de o dinheiro ou valor apropriado ou desviado ser público ou particular”.
“As ações de publicidade da CBMP [Companhia Brasileira de Meios de Pagamento] , no entanto, contavam com a ingerência direta dos diretores e funcionários do Banco do Brasil, especialmente de HENRIQUE PIZZOLATO, na qualidade de Diretor de Marketing e Comunicação”.
“Assim, a argumentação desenvolvida pela defesa, quanto à natureza dos recursos administrados pelo VISANET (se público ou privado), não possui, a meu ver, nenhuma importância para efeitos penais, pois o crime de peculato fica caracterizado toda vez que for comprovado que o desvio de bem móvel, qualquer que seja a sua natureza (pública ou privada), foi levado a efeito por funcionário público, no exercício de sua função”.
O ministro Gilmar Mendes faz esta peroração:
“Quando eu vi os relatos se desenvolverem, eu me perguntava, presidente: O que fizeram com o Banco do Brasil? Quando a gente vê que com operações simples, singelas, se retira da instituição 73 milhões, sabendo que não (era) pra fazer serviço algum… Eu fico a imaginar como nós descemos na escala das degradações. É realmente um fato extremamente grave e que faz com que nós nos tornemos reflexivos”.
Tanto que, no resumo do acórdão, publicado em 22 de abril de 2013, no Diário Oficial da Justiça, a posição unânime do Supremo, que aparece na página 50, é esta:
Contradições
Curiosamente uma prova importante contradiz essas acusações. Esta prova está nos autos do processo (Apenso 356 fls 9648 a 9640): o Regulamento do Fundo de Incentivo Visanet (FIV).
O Regulamento/Contrato, editado pela Visanet, é o instrumento legal que estabelecia as regras para utilização do dinheiro desse fundo pelos 25 bancos associados à Visanet, entre os quais o Banco do Brasil. É esse Regulamento/Contrato que regia as relações entre o Fundo Visanet e os bancos parceiros.
A divergência entre o Regulamento/Contrato e as acusações é tão marcante que passa a impressão de que os ex-procuradores-gerais e os ministros talvez não leram o Regulamento do Fundo de Incentivo Visanet. E se leram, não o consideraram.
Do contrário, o ex-presidente do STF, ministro Ayres Britto, não teria, ao vivo, para todo o Brasil, estatizado a Visanet. Nem comparado a Companhia Brasileira de Meios de Pagamento/Visanet à Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e dito que, pelo fato de usar a palavra brasileira, já indicava que era público.
Nas demonstrações contábeis do Banco do Brasil, no período sob investigação, a Companhia Brasileira de Meios de Pagamento figurava no Ativo Permanente do Banco do Brasil. E o próprio nome Companhia Brasileira de Meios de Comunicação, já sinaliza ou sugere que se trata de empresa integrante do setor Público, embora como toda companhia estatal dotada de personalidade jurídica de Direito Privado. Basta lembrar a EMBRATEL, a EMBRAER, a EMBRAPA.
“Quando essas companhias, no seu próprio nome mercantil oficial, ostentam essa referência ao próprio País, companhia brasileira, isso já sinaliza que se trata de empresa integrante do setor Público, ou da Administração Pública indireta. Assim como Gurgel e os ministros não teriam chamado erradamente (em documentos e falas) o Fundo de Incentivo Visanet de Fundo de Investimento Visanet, como se fossem sinônimos, quando não são em hipótese alguma”, afirma a repórter Conceição Lemes, em matéria divulgada no site Viomundo.
“Essa ‘“troca’ é grave. Altera completamente o caráter jurídico do fundo. O fundo de investimento é para aplicar/aportar dinheiro e lucrar. Já o de incentivo é um fundo de marketing/despesa. Era um dinheiro aportado pela Visanet (apenas por ela) para ser utilizado em propaganda, promoção de eventos”, ressalta Lemes.
Diante das dúvidas suscitadas, ainda segundo o tratado mantido entre Brasil e Itália, “quando a pessoa reclamada, no momento do recebimento do pedido, for nacional do Estado requerido, este não será obrigado a entregá-la. Neste caso, não sendo concedida a extradição, a parte requerida, a pedido da parte requerente, submeterá o caso às suas autoridades competentes para eventual instauração de procedimento penal”.
Mandados de prisão
Até o início da noite desta sexta-feira, os condenados que já haviam chegado a sedes da Polícia Federal foram: José Genoino, José Dirceu (SP), Simone Vasconcelos, Cristiano Paz, Romeu Queiroz e Kátia Rabello (MG) e Jacinto Lamas (DF). Advogados de Marcos Valério e de outros réus disseram que seus clientes eles se entregariam nas próximas horas. Exceto Pizzolato.
As ordens de execução imediata das penas foram dadas pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa, e chegaram à Polícia Federal em Brasília por volta das 16h10 pelas mãos de dois oficiais de Justiça. A PF disse que enviaria os ofícios para as superintendências regionais por meio de fax para iniciar a execução das prisões. A polícia não divulgou o teor dos ofícios.
Ainda de acordo com a PF, um avião deverá buscar os réus condenados nos Estados onde se encontram e levá-los a Brasília nos próximos dias.
O primeiro condenado a se entregar foi o deputado federal e ex-presidente do PT, José Genoino. Ele chegou à sede da PF em São Paulo por volta das 18h30. Em nota divulgada antes de sair de sua casa, na Zona Oeste de São Paulo, Genoino disse que cumpriria a decisão “com indignação” e reafirmou que se considera inocente.
José Dirceu disse que prisão é injusta, mas que cumprirá decisão. O presidente do PT, Rui Falcão, classificou as prisões como “casuísmo jurídico”.
A Polícia Federal em Brasília informou que os 12 mandados são referentes aos seguintes réus:
José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil
- Pena total: 10 anos e 10 meses
- Crimes: formação de quadrilha e corrupção ativa
José Genoino, deputado federal licenciado (PT-SP)
- Pena total: 6 anos e 11 meses
- Crimes: formação de quadrilha e corrupção ativa
Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT
- Pena total: 8 anos e 11 meses
- Crimes: formação de quadrilha e corrupção ativa
Marcos Valério, apontado como “operador” do esquema do mensalão
- Pena total: 40 anos, 4 meses e 6 dias
- Crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas
José Roberto Salgado, ex-dirigente do Banco Rural
- Pena total: 16 anos e 8 meses
- Crimes: formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de divisas
Kátia Rabello, ex-presidente do Banco Rural
- Pena total: 16 anos e 8 meses
- Crimes: formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de divisas
Cristiano Paz, ex-sócio de Marcos Valério
- Pena total: 25 anos, 11 meses e 20 dias
- Crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro
Ramon Hollerbach, ex-sócio de Marcos Valério
- Pena total: 29 anos, 7 meses e 20 dias
- Crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas
Simone Vasconcelos, ex-funcionária de Marcos Valério
- Pena total: 12 anos, 7 meses e 20 dias
- Crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e evasão de divisas
Romeu Queiroz, ex-deputado pelo PTB
- Pena total: 6 anos e 6 meses
- Crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro
Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do extinto PL (atual PR)
- Pena total: 5 anos
- Crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro
Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil
- Pena total: 12 anos e 7 meses
- Crimes: formação de quadrilha, peculato e lavagem de dinheiro.