Agentes públicos denunciados por IstoÉ têm bens bloqueados e Ministério Público confirma o pagamento de propina
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
O esquema de superfaturamento de licitações
no Metrô paulista e na Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos (CPTM) durante os sucessivos governos tucanos à frente do
Estado de São Paulo tornou-se oficialmente um caso de Justiça. Em
decisão proferida na quinta-feira 7, o juiz criminal Marcelo
Costenaro Cavali atendeu a um pedido do Ministério Público Federal e da
Polícia Federal e decretou o bloqueio de aproximadamente R$ 60 milhões
em bens e contas bancárias de cinco pessoas e três empresas relacionadas
com o cartel da área de transportes sobre trilhos. A tramoia causou
prejuízo de ao menos R$ 425 milhões aos cofres públicos paulistas. Além
da filha de um dos envolvidos, entre os alvos constam o lobista Arthur
Teixeira e três ex-executivos da CPTM: Ademir Venâncio de Araújo, João
Roberto Zaniboni e Oliver Hossepian Salles de Lima. Para o Judiciário,
há elementos contundentes que revelam que, em troca de suborno, eles
usaram de suas atribuições para beneficiar empresas interessadas em
contratos públicos. O esquema foi denunciado com exclusividade por ISTOÉ
em julho passado. Desde então, 19 reportagens esmiuçaram o
funcionamento do propinoduto tucano, que se perpetuou pelas gestões dos
governadores Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra. Em uma das
reportagens de capa, sob o título “Todos os homens do propinoduto
tucano”, ISTOÉ revelou em primeira mão o envolvimento de Ademir Venâncio
– que agora está com os bens bloequeados – no esquema.
PROPINODUTO TUCANO
Juiz indica que houve pagamento de propinas a agentes
públicos nos contratos da CPTM e do Metrô paulista
Pessoas ligadas à investigação dizem que a lista de beneficiários da
fraude crescerá nas próximas semanas com a realização de novos
depoimentos e cruzamentos de dados. O bloqueio de bens, porém, já serviu
para avançar sobre a peça-chave do esquema: o lobista Arthur Teixeira.
Investigado também pelo MP da Suíça pelos crimes de corrupção
internacional e lavagem de dinheiro, ele é considerado o principal
operador do propinoduto. Em seu despacho, o juiz Marcelo Cavali disse
que Arthur e seu irmão, Sérgio Teixeira (morto em 2011), recebiam
comissões de acordo com os pagamentos feitos pela CPTM às empresas do
cartel e repassavam, via doleiros, parte das quantias a agentes públicos
“e, eventualmente, a outras pessoas ainda não identificadas”. Para isso
contavam com empresas de consultoria de fachada no País e no Exterior,
como as offshores uruguaias Gantown e Lareway e as brasileiras Constech e
Procint, que tiveram os seus bens bloqueados. Praticamente todas as
companhias do cartel recorreram aos serviços dos irmãos. Não à toa, em
sua decisão o juiz ressalta o papel das firmas de Teixeira. “Sobre
quaisquer valores recebidos por empresas de titularidade de funcionários
públicos responsáveis pelos processos licitatórios relacionados ao
Metrô de São Paulo, repassados pela Procint e Constech, paira uma
elevada suspeita de proveniência ilícita”, afirma Cavali. No entanto,
mais do que um mero intermediário de dinheiro, a denúncia da PF e do MPF
mostra que Arthur Teixeira tinha voz ativa no esquema de corrupção. Ele
alertava as companhias sobre novos projetos a serem licitados e
organizava até a forma como elas participariam da disputa.Juiz indica que houve pagamento de propinas a agentes
públicos nos contratos da CPTM e do Metrô paulista
AGENTE DUPLO
Ex-diretor da CPTM, Ademir Venâncio repassava informações da estatal ao cartel
Outro alvo do bloqueio judicial de bens foi Ademir Venâncio de
Araújo, ex-diretor de engenharia e obras da CPTM. Conforme denúncia
feita por ISTOÉ, publicada a partir do relato de um ex-executivo do
conglomerado alemão Siemens, ele mantinha encontros regulares em casas
noturnas com dirigentes das companhias do cartel. Lá, fornecia
informações internas sobre licitações e acertava como as empresas iriam
se associar para conquistar contratos com as empresas públicas. Foi
assim no caso da Linha 5 do metrô paulista, antiga Linha G da CPTM. A
obra é alvo de investigação por superfaturamento. Chama a atenção das
autoridades o fato de, logo após deixar o cargo na CPTM, Araújo ter
aberto uma empresa de consultoria: a Focco Tecnologia e Engenharia, que
recebeu cerca de R$ 2 milhões da francesa Alstom, uma das principais
beneficiadas no contrato da Linha 5. “Seriam correspondentes ao
pagamento de propinas. Determino o sequestro de montante”, diz o pedido
judicial. Na decisão, o juiz chega a questionar o fato de o ex-executivo
prestar consultoria a uma empresa que venceu processo licitatório
realizado por ele. “É como se este magistrado, depois de absolver
determinados réus, após se exonerar ou aposentar, passasse, logo em
seguida, a receber valores por lhes prestar consultoria em outros feitos
criminais”, salienta o juiz, que também bloqueou bens da empresa de
Venâncio.Ex-diretor da CPTM, Ademir Venâncio repassava informações da estatal ao cartel
O HOMEM-CHAVE
Além de intermediar o pagamento de propina, o lobista
Arthur Teixeira organizava a formação do cartel
Ex-sócio de Ademir Venâncio na Focco, João Roberto Zaniboni foi
igualmente alvo da medida judicial. Diretor de operações da CPTM entre
1999 e 2003 (gestões Mário Covas e Geraldo Alckmin), Zaniboni é
investigado também na Suíça. Uma conta chamada de “Milmar” no Credit
Suisse foi abastecida com US$ 836 mil, o equivalente a R$ 1,8 milhão,
durante o período em que ele trabalhou na estatal paulista e assinou o
contrato da Linha 5 do Metrô de São Paulo. Somente em um depósito,
efetuado em 27 de abril de 2000, Zaniboni recebeu US$ 103,5 mil do
lobista Arthur Teixeira, valor que teria como origem o caixa da francesa
Alstom. Para as autoridades brasileiras, Zaniboni cometeu crimes de
corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Também foram
registrados pagamentos de outras empresas do cartel diretamente a ele
ou a empresas em que era sócio, como a Getran Consultoria. Nela, dividia
o quadro societário com Oliver Hossepian Salles de Lima. Presidente da
CPTM entre 1999 e 2003, Oliver Hossepian foi alvo de bloqueio de bens
pelo fato de a Getran Consultoria ter recebido valores das empresas do
lobista Arthur Teixeira, o que caracterizaria “vantagens indevidas
recebidas em razão do mau uso da função pública”. Além de intermediar o pagamento de propina, o lobista
Arthur Teixeira organizava a formação do cartel
BENEFICIÁRIO
Ex-presidente da CPTM, Oliver Hossepian teve
bens bloqueados por receber dinheiro de lobista
foto: Paulo Whitaker/REUTERS
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