Gelcilane
agradeceu atenção do médico cubano durante o pré-natal da filha Laura
Nascimento, no município de Careiro Castanho, no Amazonas (Foto:
Adneison Severiano/G1 AM)
Há dois anos, os primeiros estrangeiros bolsistas do Mais Médicos
começaram a chegar aos municípios onde atuariam. O programa federal
propunha aumentar o número de médicos atuando na rede de atenção básica
do Sistema Único de Súde (SUS) em regiões carentes desses profissionais.
Anunciado no dia 8 de julho de 2013, o programa previa inicialmente a
criação de 10 mil novos postos de trabalho para médicos. Os primeiros
estrangeiros recrutados pelo governo começaram a atender a partir de 23
de setembro e a lei do Mais Médicos foi promulgada em 22 de outubro
daquele ano.
Hoje, há 18.240 médicos atuando no programa, sendo 11.429 cubanos
contratados via convênio com a Organização Pan-americana da Saúde
(Opas), 1.537 formados no exterior e 5.274 brasileiros.
Em entrevista ao
G1, o ministro da Saúde, Arthur
Chioro, diz ter a expectativa de que o país deixe de depender de médicos
estrangeiros em 2026, quando devem ter concluído a residência as
primeiras turmas formadas em cursos já adaptados às mudanças
estabelecidas pelo programa, que visam a priorizar a formação
generalista para atuação na atenção básica.
Dois anos depois do início do programa, há cidades no Brasil que
passaram a ter, pela primeira vez, um médico do SUS residindo e
atendendo no local. Em outras regiões, a presença dos bolsistas não
proporcionou uma melhora perceptível do atendimento, segundo a
população. Mesmo em localidades em que os moradores comemoram a chegada
dos médicos do programa, a falta de medicamentos e estrutura para exames
continua comprometendo a qualidade do atendimento.
O
G1 revisitou cidades em todas as cinco regiões do
Brasil que, em 2013, apresentavam problemas devido à falta de médicos e
questionou a população e os profissionais do Mais Médicos sobre como o
programa impactou a saúde dos moradores da região.
Programa chegou a 73% dos municípios
No início do programa, 700 municípios brasileiros não tinham nenhum
médico na rede pública, segundo estimativa apresentada na época pela
ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti. O Ministério da
Saúde não soube informar se continua havendo municípios sem médicos no
país, apenas que os integrantes do programa chegaram a 4.058 municípios,
73% do total de cidades brasileiras. "Não obrigamos ninguém a aderir ao
Mais Médicos, foi uma adesão voluntária", disse o ministro.
Antes
carente de profissionais para a atenção básica, Cachoreiro de Itapemirim, no Espírito Santo, foi uma das cidades beneficiadas pelo programa.
Hoje,
o pastor Geilson Meireles, que vive no distrito de Pacotuba, não
precisa andar grandes distâncias para levar a filha ao médico. "O
médico está sempre aqui, em horário integral e isso nos dá um conforto,
uma tranquilidade, em saber que a gente pode chegar a qualquer momento e
ser atendido. Antes, tínhamos essa dificuldade."
Em Roraima, a
Comunidade Indígena Malacacheta deixou de depender da capital,
Boa Vista, para atendimentos médicos básicos com a vinda do cubano
Ricardo Viota. "Ajudou muito. Nossa população vem crescendo e em Boa
Vista não é diferente, onde os hospitais estão sempre lotados. Com o
médico na comunidade, as doenças mais simples podem ser tratadas por
aqui", disse o líder indígena Simeão Mecias.
Equipe médica da comunidade indígena da Malacacheta, em Roraima (Foto: Valéria Oliveira/ G1)
Municípios falhavam em fixar médicos
Um dos problemas relatados por municípios do interior dos estados era a
falta de interesse dos médicos em viver na cidade e lá atender com
exclusividade.
Havia uma desistência dos médicos, que ficavam pouco tempo na cidade.
A maioria tinha que voltar para a capital ou atender em outros
municípios. Com o programa Mais Médicos, os profissionais passaram a
residir na cidade", diz o prefeito de Careiro Castanho, no Amazonas,
Hamilton Alves Villar.
Com
o programa, a moradora de Careiro Castanho Gelcilane Nascimento Paiva,
de 39 anos, pôde fazer seu pré-natal de gravidez de risco perto de casa. Se não fosse por isso, teria de ter enfrentado mensalmente mais de 40 km de rios e estradas para comparecer às consultas.
Sobre a dificuldade que os municípios tinham de fixar médicos antes do
programa federal, o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina
(CFM), Mauro Ribeiro, observa que o médico é um profissional que, como
outro qualquer, tem seu interesse regulado pelo mercado. “Nesses locais
onde o mercado não permite ao médico ter renda suficiente para sustentar
sua família, defendemos que o estado brasileiro, através do governo,
faça a mesma coisa que faz para promotores e juízes: uma carreira de
estado.”
Osmayki Martin examina gestante em comunidade Olho D’Água em Cocal, no Piauí (Foto: Gilcilene Araújo/G1)
Muito crítico ao programa Mais Médicos, o CFM defende que a solução
para atrair médicos para as regiões mais distantes do país seria criar
um plano de carreira atrativo ao qual os médicos poderiam se candidatar
por meio de concurso, em vez de trazer médicos estrangeiros ao país.
Para médicos, estrutura é maior problema
Um dos problemas relatados por médicos do programa federal ouvidos pelo
G1
foi a falta de medicamentos e de estrutura para atender os pacientes de
forma adequada. O casal de cubanos Osmayki Martin Junco e Arianna
Mallea Garcia, que
chegou ao Brasil em 2013 para trabalhar em Cocal, no Piauí, conta que até os exames mais simples precisam ser feitos na cidade mais próxima, que fica a 64 km.
O médico espanhol
Rafael de Quinta Frutos, que chegou em 2013 à Baía da Traição, na Paraíba,
vive uma situação parecida. Ele descreveu a infraestrutura do local
onde atende como precária. "Na Espanha, eu só pegava na caneta para
assinar, era tudo no computador. Não era necessário nem imprimir a
receita, ela ficava registrada no cartão do ‘SUS’ de lá. Aqui não tem
nem computador." Outra queixa foi a falta de remédios.
Segundo o ministro Arthur Chioro, o Mais Médicos também tem a meta de
melhorar a infraestrutura da saúde básica. O plano é construir ou
reformar 26 mil unidades básicas de saúde, das quais 11 mil já estão
concluídas. Ao todo, o país tem 40 mil unidades desse tipo.
Ezequiel
e Shiley com a filha Heloísa de 40 dias em um posto de saúde em Suzano,
interior de São Paulo (Foto: Douglas Pires / G1)
A falta de estrutura de saúde no interior do país é um dos principais
pontos criticados pelo CFM em relação ao Mais Médicos. "Não adianta
querer interiorizar o médico, tem que interiorizar o sistema de saúde do
qual o médico é apenas um componente. É preciso ter médico, enfermeiro,
técnico de enfermagem, laboratório básico e uma estrutura mínima de
atendimento de forma que possam ter resolutividade", diz Mauro Ribeiro.
População aprova o Programa Mais Médicos
Nas cidades visitadas pelo
G1, os pacientes atendidos
pelos profissionais do Mais Médicos contaram estarem satisfeitos com a
atenção recebida: eles citam um atendimento mais humanizado e mais
cuidadoso do que aquele com que estavam acostumados. Porém, em muitas
regiões, grande parte da população nunca teve a experiência de se
consultar com um desses médicos.
É a situação observada na periferia de Suzano, no interior de São Paulo, que
desde 2013 tinha problemas com a falta de médicos. "
Foi uma diferença grande nestes últimos dois anos, com a implantação do Mais Médicos.
(...) Eles [o posto] abrem a agenda para marcar consultas uma
vez por mês,.
Ana Silva, de 48 anos, tratar dengue, em Goiânia (Foto: Fernanda Borges/G1)
Em
Goiânia, que enfrentava uma crise no atendimento básico no final de 2012,
um clínico geral que não é do Mais Médicos e que atua em uma UBS da
cidade disse que a chegada do programa "deu um fôlego" na atenção
básica, já que os profissionais do programa ficam mais tempo nos postos.
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Mais Médicos determina mudanças em educação
Apesar de a importação de médicos estrangeiros ter sido o aspecto mais
debatido na época do anúncio do programa (as entidades médicas
brasileiras contestam o fato de os estrangeiros não terem de revalidar o
diploma no país e criticam o regime de trabalho diferenciado dos
profissionais cubanos), o Mais Médicos também determinou várias mudanças
na educação médica no Brasil.
Médico
Aníbal Borin se formou em Cuba e trabalha no bairro Nacional, em Porto
Velho, desde o início do programa na capital de RO (Foto: Mary
Porfiro/G1)
Além de propor o aumento de vagas de graduação em medicina e de
residência médica, o programa determina a mudança do perfil dos cursos,
que devem passar a priorizar a formação de médicos generalistas,
voltados para a atenção básica em saúde, segundo Vinicius Ximenes Muricy
da Rocha, médico sanitarista e diretor de Desenvovimento da Educação
em Saúde do Ministério da Educação (MEC). Ele observa que as mudanças
têm o objetivo de que "todo médico brasileiro, independentemente de ser
um super especialista, tenha uma forte base de medicina geral".
Desde o início do programa, foram criadas 5.306 novas vagas de
graduação em medicina, tanto em cursos privados e públicos já existentes
quanto em 20 novos cursos em universidades federais que foram
autorizados nesse período e já estão em funcionamento. Outros três
cursos federais já foram autorizados, mas ainda não iniciaram as aulas.
Além disso, 36 municípios já foram selecionados para receber novos
cursos privados de medicina. A previsão é que eles possam abrir vagas já
em 2016. Outros 22 municípios pré-selecionados ainda passam por
avaliação para verificar se têm estrutura adequada para receber os
cursos.
As instituições devem oferecer 10% das vagas para alunos de baixa
renda, que terão bolsa integral. Somado a outros programas do governo
como o Prouni e o Fies, o benefício deve garantir que uma grande parcela
dos estudantes venham de famílias mais pobres, segundo Rocha. Existe
uma meta de que, até 2017, o programa tenha criado um total de 11,5 mil
vagas de graduação.
Residência em saúde da família gera polêmica
Outra mudança determinada pelo programa foi tornar obrigatória para
quase todos os formandos a residência em Medicina Geral de Família e
Comunidade, cuja duração pode variar de um a dois anos dependendo da
especialidade que será buscada pelo profissional posteriormente. A
medida deve ser implementada em 2018, quando o programa espera ter
criado 12,4 mil novas vagas de residência no país, e foi recebida com
críticas pelo CFM.
Marileidys
e Alberto atendem juntos em unidade de saúde de Cachoeiro de
Itapemirim, no Espírito Santo (Foto: Viviane Machado/ G1)
O conselho avalia, segundo Mauro Ribeiro, que a medida tem o interesse
de colocar o médico recém-formado na assistência e não priorizar o
processo de ensino de qualidade.
Já o médico Roberto Queiroz Padilha, superintendente de Ensino do
Hospital Sírio-Libanês, avalia que a mudança tende a ter resultados
positivos. “A mudança de cenário, sair dos muros da escola para
trabalhar com a realidade e, a partir dela, construir as competências
que o médico deve ter para atender as necessidades da população, é uma
mudança fundamental para a formação médica no Brasil.”
Estrangeiros até 2026
Chioro enfatiza que o principal objetivo do programa, a longo prazo, é
que o país seja autossuficiente em profissionais com perfil voltado para
atendimento em atenção básica. “Como demoram 6 anos para formar e mais 2
anos na residência, não podemos pensar que isso vá ocorrer antes da
segunda metade de 2026”, disse o ministro, levando em conta que a
obrigatoriedade da residência em Medicina Geral de Família e Comunidade
passará a valer a partir de 2018.
Mesmo com o cenário de crise econômica, Chioro afirma que o programa
não deve ser afetado. “A presidente diz o tempo inteiro a mim que não
mexerá no programa Mais Médicos”, diz o ministro. “O programa mudou a
história da atenção básica no Brasil. Pela primeira vez, atenção básica
passou a ser ofertada em todo o país.”
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Colaboraram: Adneison Severiano (G1 AM), Douglas Pires (G1 Mogi das Cruzes e Suzano),
Fernanda Borges (G1 GO), Fernanda Zauli (G1 RN), Gilcilene Araújo (G1
PI), Henrique Mendes (G1 BA), Krystine Carneiro (G1 PB), Mary Porfiro
(G1 RO), Valéria Oliveira (G1 RR), Viviane Machado (G1 ES) e G1 RS