247 – A decisão do
Palácio do Planalto de blindar Geddel Vieira Lima, que será investigado
pela comissão de ética por usar seu cargo público para obter vantagens
pessoais (a liberação de uma obra onde tem um apartamento de R$ 2,4
milhões), criou um constrangimento adicional para Michel Temer, que
decidiu blindar seu parceiro de 2 anos.
Até mesmo os jornalões das famílias
Marinho e Mesquita, aliados de primeira hora do golpe parlamentar de
2016, não conseguem encontrar justificativas para defender o
indefensável: a permanência de um ministro acusado de corrupção num caso
praticamente já comprovado, num dos cargos mais importantes da
República.
Leia, abaixo, editorial do Estado de S. Paulo:
Sobre a imoralidade
Por opção do presidente
Michel Temer, Geddel permanece no cargo, enquanto o ministro que
denunciou suas práticas patrimonialistas saiu do governo
A persistência da confusão entre o
público e o privado, que se manifesta especialmente na concepção segundo
a qual o Estado é propriedade de quem está no poder e, portanto, deve
servir aos interesses privados das autoridades, está na raiz do grande
atraso nacional. Sendo assim, se o Brasil realmente tem a intenção de
superar seu crônico descompasso com o mundo desenvolvido, o primeiro
passo deve ser a renúncia à velha prática do patrimonialismo. Mas o
recente caso envolvendo o ministro da Secretaria de Governo, Geddel
Vieira Lima, que tentou usar sua influência para mover a máquina do
Estado a favor de seus negócios particulares – e ainda assim foi mantido
no cargo –, serviu para lembrar que infelizmente estamos muito longe de
dar esse passo.
Geddel, como se sabe, comprou um
apartamento num prédio de Salvador cujas obras acabaram embargadas pelo
Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Diante
desse contratempo, o ministro poderia ter recorrido aos serviços de um
advogado, como faria qualquer cidadão comum, mas preferiu o atalho por
onde transitam os cidadãos que se julgam incomuns: procurou o então
ministro da Cultura, Marcelo Calero, a cuja pasta se subordina o Iphan.
Diante da pressão, Calero decidiu
pedir demissão e revelar o caso à imprensa. Em entrevista à Folha de
S.Paulo, contou que a gestão de Geddel para que a obra fosse liberada
foi explícita, incluindo uma ameaça de “pedir a cabeça” da diretoria do
Iphan e de falar “até com o presidente da República”. No dia seguinte,
Geddel disse ao Estado que Calero estava “exagerando”, mas admitiu que
conversara com o colega sobre a necessidade de liberar a obra. “Que
ilegalidade há nisso? Qual a imoralidade que há em tratar desse tema com
um colega meu?”, perguntou Geddel na entrevista. Quando um ministro de
Estado flagrado em claro conflito de interesses questiona, em tom de
indignação, onde está a imoralidade de seu ato, confirma-se que o
rebaixamento dos padrões morais na política nacional não é um fenômeno
isolado.
E no entanto, por opção do
presidente Michel Temer, Geddel permanece no cargo, enquanto o ministro
que denunciou suas práticas patrimonialistas saiu do governo. Não é uma
situação condizente com o discurso de um presidente da República que, 12
dias depois de herdar uma administração esfacelada pela incompetência
gerencial e pela corrupção avassaladora, prometera defender a moral
pública – e “não porque eu queira que haja moralidade”, enfatizou Temer
na ocasião, “é porque a Constituição determina”.
A permanência de Geddel indica que a
disposição de Temer de honrar os ditames da Constituição a respeito da
supremacia do interesse público começa a perder vigor diante das
conveniências políticas. Entende-se que, ao montar seu Ministério para
superar a situação crítica na qual o País fora deixado pela
irresponsabilidade criminosa do lulopetismo, Temer tenha recorrido a
amigos nos quais reconhecia a habilidade necessária para ajudá-lo na
tarefa de mobilizar o Congresso em favor da governabilidade. O problema é
que esses auxiliares começam a se considerar intocáveis exatamente
porque julgam controlar a base aliada, cuja coesão é essencial para
Temer.
Nesse contexto, Geddel tornou-se
“fundamental” para o governo, como disse o presidente da Câmara, Rodrigo
Maia (DEM-RJ), ao defender o ministro: “Geddel tem o apoio do
Parlamento, tem a confiança, tem exercido papel fundamental para o
governo na articulação política”. Para Maia, “o governo precisa de
tranquilidade e precisa continuar contando com Geddel”, razão pela qual é
preciso “virar essa página”. Na mesma linha foi o líder do governo na
Câmara, André Moura (PSC-SE), para quem “a oposição está se aproveitando
de um assunto que é muito pequeno perto de outros assuntos de interesse
do País para poder fazer disso um cavalo de batalha”.
Diante de tamanha veemência dos
governistas, é o caso de perguntar até que ponto o discurso sobre a
necessária governabilidade não está servindo para perdoar pecados que,
fossem outros os pecadores, seriam considerados capitais.
Leia, abaixo, editorial do Globo:
O governo Temer e suas contradições
Com uma base do passado, o
Planalto tem de fazer reformas a fim de garantir o futuro; para isso,
necessita de negociadores políticos, mas não pode ser condescendente
A política brasileira tem extensa
experiência em passar por mudanças impostas pela realidade, executadas
pelos mesmos agentes da ordem anterior. Foi assim com o marechal Eurico
Gaspar Dutra, vetor da queda do ditador Getúlio Vargas, na
redemocratização de 45, tendo sido ele mesmo um dos que atuaram ao lado
do caudilho no golpe do Estado Novo, em 37. Auxiliou na construção do
regime e também na implosão dele. Um símbolo nacional.
Outro exemplo de como regimes mudam e
parte da elite se mantém no poder ocorreu na mais recente
redemocratização, na Nova República, em que a morte de Tancredo Neves
deu posse a José Sarney, político de destaque na base da ditadura que
acabara. E assim se vai levando, com transições geralmente negociadas
para que haja troca de guarda sem violência. Não é mal que assim seja.
Consideradas as especificidades dos
momentos da História, está no comando, lastreado em bases
constitucionais, o presidente Michel Temer, representando o PMDB que
aderiu ao lulopetismo, de forma mais clara a partir do segundo governo
Lula. Repete-se o script. Vice de Dilma, Temer herda o governo, no
impedimento da presidente, e precisa fazer consertos urgentes na
economia e na política.
Mais uma vez, um grupo que
compartilhava o poder na ordem anterior assume para reformar aquilo que
ajudou a construir. No caso de Temer, há ainda o ônus de levar para o
Planalto um grupo de que fazem parte personagens atuantes num período de
enorme lambança ética, não apenas devido a mensalões e petrolões, mas
ao fisiologismo, uma prática na qual o PMDB sempre foi especialista.
Os dissabores para o Planalto
surgidos em torno de Romero Jucá, Eduardo Cunha e, agora, Geddel Vieira
Lima estão dentro deste contexto. Algo como mais do mesmo. Entende-se
por que haja maquinações, no governo e em sua base no Congresso, contra a
Lava-Jato.
O experiente Michel Temer não tem
alternativas a não ser gerenciar da melhor maneira possível essas
contradições. É um governo de mudanças para o futuro com uma base do
passado. Ao menos um ponto básico está definido: o conjunto de reformas
para reequilibrar as finanças públicas, restaurar sua credibilidade e a
confiança em que o Tesouro sairá da rota da insolvência. Para isso, será
necessário aprovar a PEC do teto e a reforma da Previdência, para
começar.
É certo, portanto, que Temer precisa
de especialistas em articular alianças no Congresso essenciais para
garantir a estabilização do país. Geddel, um deles. Mas, se o governo
for condescendente com a corrupção e outros costumes deploráveis
cultivados em Brasília pelo próprio PMDB, com o PT e aliados de outrora,
cometerá suicídio político e comprometerá todo este projeto de
emergência nacional.