A esclerose múltipla é uma doença autoimune sorrateira, que provoca uma espécie de curto-circuito nervoso. E assim desencapa os neurônios responsáveis pela troca de informações da central de comando com o resto do corpo, comprometendo, em questão de anos ou décadas, funções como a fala, a visão, a memória e a locomoção. Os responsáveis por esse tilt são alguns agentes tresloucados do sistema de defesa, que começam a agredir as bainhas de mielina, capas de gordura que revestem a cauda das células nervosas, e criam lacunas de conexão em sua rede de comunicação. A boa notícia é que o arsenal terapêutico ganha um novo aliado para amenizar os efeitos dessa falha no hardware: uma droga capaz de preservar os fios nervosos encapados.
O medicamento, testado em 75 mil pacientes mundo afora, traz esperança sobretudo a pessoas com o tipo remitente-recorrente do distúrbio, que representa 85% dos casos e ainda não tem cura. O remédio se chama natalizumabe, um anticorpo injetável desenvolvido pelos laboratórios Biogen Idec, dos Estados Unidos, e Elan, da Irlanda. Aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária desde 2008, ele recebeu em 2010 a chancela para integrar as diretrizes terapêuticas da esclerose múltipla reconhecidas pelo Ministério da Saúde e deve ser liberado, em breve, a pacientes do Sistema Único de Saúde. "O natalizumabe tem entre 70 e 80% de eficácia na redução das inflamações do sistema nervoso, contra 30 a 40% dos fármacos convencionais", atesta o neurologista Rodrigo Thomaz, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Segundo ele, pelo menos 200 pessoas já fizeram o tratamento no Brasil, entre elas a atriz Cláudia Rodrigues, que acaba de voltar à TV depois de mais de um ano afastada. A droga concede a indivíduos em estágio mais avançado da doença a oportunidade de não passar o resto da vida em uma cama. "A indicação do remédio, porém, deve acontecer apenas depois de tentativas com a terapia à base de imunomoduladores, as drogas de primeira escolha", observa Thomaz. Isso porque, apesar de tanto benefício, a terapia com o natalizumabe também prevê riscos, especialmente o de infecções oportunistas graves. "Essa é a razão de ele só ser aplicado em centros de referência em esclerose múltipla, habilitados para monitorar os pacientes", diz o neuro.
A esclerose múltipla costuma se manifestar em pessoas na faixa de 20 a 50 anos, principalmente mulheres — e sua origem permanece desconhecida. Na fase inicial, a pessoa pode apresentar problemas de fala e dificuldade de engolir e, com o tempo, vêm a fadiga sem fim e os lapsos de memória. Há ainda relatos de depressão e alterações de humor. Outros sintomas são problemas de bexiga e intestino, visão dupla ou embaçada, falta de equilíbrio e coordenação, rigidez ou formigamento dos membros, além de disfunções sexuais.
Quando a desordem não é progressiva, o tratamento depende de imunomoduladores, drogas que ajudam a suprimir a sede de ataque das células de defesa malucas. Já nos casos mais agressivos, são usados os imunossupressores, que abalam toda a imunidade do paciente. Há médicos, no entanto, que apostam em outras estratégias de controle. O neurologista Cícero Galli Coimbra, da Universidade Federal de São Paulo, por exemplo, defende o tratamento com vitamina D. "Quanto mais baixos os níveis dessa molécula, mais ativa é a doença. Ou seja, as crises se tornam frequentes e aumentam o risco de sequelas", afirma. Para o médico, o déficit da vitamina seria um dos gatilhos do distúrbio.
No campo das promessas, há o transplante de células-tronco, realizado experimentalmente há dez anos pela equipe do imunologista Júlio Voltarelli, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. "Os primeiros resultados indicam que o procedimento evita o avanço da doença em 70% dos casos", conta o pesquisador. Segundo a reumatologista Daniela Moraes, da Unidade de Terapia Imunológica da instituição, foram concluídos cerca de 50 transplantes com essa meta. "A doença não regride, mas um paciente que andava de muleta continua andando de muletas", exemplifica a médica. Um avanço e tanto se pensarmos que seu destino poderia ser uma cama.
Rede preservada
O novo remédio natalizumabe neutraliza a ação das células de defesa agressoras ao impedir sua passagem do sangue para o cérebro
A doença
Na doença, o sistema imune ataca a bainha de mielina, massa esbranquiçada e gordurosa que reveste a cauda dos neurônios. Isso prejudica ou destrói a comunicação da célula com a sua vizinha. Em larga escala, há um comprometimento do sistema nervoso e da comunicação entre o cérebro e o corpo, afetando funções motoras, sensoriais e cognitivas.
A droga em ação
O natalizumabe é injetado na veia e se conecta às células de defesa que atacariam a bainha de mielina. Com essa ligação, os linfócitos não conseguem abandonar os vasos sanguíneos para detonar os nerônios. Isso reduz a inflamação, fenômeno que limita a comunicação entre as células nervosas.
As células-tronco
Tratamento reinicializa o sistema imune para que ele não agrida os nervos
1. O paciente é internado e submetido a sessões de quimioterapia para matar as células do seu sistema imunológico que estavam comprometidas pela doença e atacavam o sistema nervoso.
2. Células-tronco não afetadas por fatores ambientais são retiradas da medula óssea do indivíduo previamente. São essas unidades que, mais tarde, vão se transformar em células de defesa novinhas em folha, sem aquela memória que as incitaria a mirar os neurônios.
3. As células, após um período no laboratório, são devolvidas ao paciente e se multiplicam até formar um novo sistema imune, desta vez não agressivo. O tratamento envolve riscos, já que o paciente fica sem imunidade por um tempo, mas sua eficácia chega a 70%. Mesmo depois do procedimento, os pacientes continuam a tomar medicamentos por segurança.
O medicamento, testado em 75 mil pacientes mundo afora, traz esperança sobretudo a pessoas com o tipo remitente-recorrente do distúrbio, que representa 85% dos casos e ainda não tem cura. O remédio se chama natalizumabe, um anticorpo injetável desenvolvido pelos laboratórios Biogen Idec, dos Estados Unidos, e Elan, da Irlanda. Aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária desde 2008, ele recebeu em 2010 a chancela para integrar as diretrizes terapêuticas da esclerose múltipla reconhecidas pelo Ministério da Saúde e deve ser liberado, em breve, a pacientes do Sistema Único de Saúde. "O natalizumabe tem entre 70 e 80% de eficácia na redução das inflamações do sistema nervoso, contra 30 a 40% dos fármacos convencionais", atesta o neurologista Rodrigo Thomaz, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Segundo ele, pelo menos 200 pessoas já fizeram o tratamento no Brasil, entre elas a atriz Cláudia Rodrigues, que acaba de voltar à TV depois de mais de um ano afastada. A droga concede a indivíduos em estágio mais avançado da doença a oportunidade de não passar o resto da vida em uma cama. "A indicação do remédio, porém, deve acontecer apenas depois de tentativas com a terapia à base de imunomoduladores, as drogas de primeira escolha", observa Thomaz. Isso porque, apesar de tanto benefício, a terapia com o natalizumabe também prevê riscos, especialmente o de infecções oportunistas graves. "Essa é a razão de ele só ser aplicado em centros de referência em esclerose múltipla, habilitados para monitorar os pacientes", diz o neuro.
A esclerose múltipla costuma se manifestar em pessoas na faixa de 20 a 50 anos, principalmente mulheres — e sua origem permanece desconhecida. Na fase inicial, a pessoa pode apresentar problemas de fala e dificuldade de engolir e, com o tempo, vêm a fadiga sem fim e os lapsos de memória. Há ainda relatos de depressão e alterações de humor. Outros sintomas são problemas de bexiga e intestino, visão dupla ou embaçada, falta de equilíbrio e coordenação, rigidez ou formigamento dos membros, além de disfunções sexuais.
Quando a desordem não é progressiva, o tratamento depende de imunomoduladores, drogas que ajudam a suprimir a sede de ataque das células de defesa malucas. Já nos casos mais agressivos, são usados os imunossupressores, que abalam toda a imunidade do paciente. Há médicos, no entanto, que apostam em outras estratégias de controle. O neurologista Cícero Galli Coimbra, da Universidade Federal de São Paulo, por exemplo, defende o tratamento com vitamina D. "Quanto mais baixos os níveis dessa molécula, mais ativa é a doença. Ou seja, as crises se tornam frequentes e aumentam o risco de sequelas", afirma. Para o médico, o déficit da vitamina seria um dos gatilhos do distúrbio.
No campo das promessas, há o transplante de células-tronco, realizado experimentalmente há dez anos pela equipe do imunologista Júlio Voltarelli, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. "Os primeiros resultados indicam que o procedimento evita o avanço da doença em 70% dos casos", conta o pesquisador. Segundo a reumatologista Daniela Moraes, da Unidade de Terapia Imunológica da instituição, foram concluídos cerca de 50 transplantes com essa meta. "A doença não regride, mas um paciente que andava de muleta continua andando de muletas", exemplifica a médica. Um avanço e tanto se pensarmos que seu destino poderia ser uma cama.
Rede preservada
O novo remédio natalizumabe neutraliza a ação das células de defesa agressoras ao impedir sua passagem do sangue para o cérebro
A doença
Na doença, o sistema imune ataca a bainha de mielina, massa esbranquiçada e gordurosa que reveste a cauda dos neurônios. Isso prejudica ou destrói a comunicação da célula com a sua vizinha. Em larga escala, há um comprometimento do sistema nervoso e da comunicação entre o cérebro e o corpo, afetando funções motoras, sensoriais e cognitivas.
A droga em ação
O natalizumabe é injetado na veia e se conecta às células de defesa que atacariam a bainha de mielina. Com essa ligação, os linfócitos não conseguem abandonar os vasos sanguíneos para detonar os nerônios. Isso reduz a inflamação, fenômeno que limita a comunicação entre as células nervosas.
As células-tronco
Tratamento reinicializa o sistema imune para que ele não agrida os nervos
1. O paciente é internado e submetido a sessões de quimioterapia para matar as células do seu sistema imunológico que estavam comprometidas pela doença e atacavam o sistema nervoso.
2. Células-tronco não afetadas por fatores ambientais são retiradas da medula óssea do indivíduo previamente. São essas unidades que, mais tarde, vão se transformar em células de defesa novinhas em folha, sem aquela memória que as incitaria a mirar os neurônios.
3. As células, após um período no laboratório, são devolvidas ao paciente e se multiplicam até formar um novo sistema imune, desta vez não agressivo. O tratamento envolve riscos, já que o paciente fica sem imunidade por um tempo, mas sua eficácia chega a 70%. Mesmo depois do procedimento, os pacientes continuam a tomar medicamentos por segurança.