Mais de 800 mil fanáticos por futebol
já começaram a chegar ao Brasil para embalar a Copa do Mundo. Quem são
eles, como se prepararam e o que farão durante a maior competição
esportiva do planeta
Mariana Brugger (marianabrugger@istoe.com.br) e Raul Montenegro (raul.montenegro@istoe.com.br)
Quando começa
uma Copa do Mundo? A resposta óbvia, e correta, é no momento em que abre
oficialmente a festa de abertura e, em seguida, a bola rola, com o jogo
inaugural, tradicionalmente capitaneado pelo país anfitrião. Mas um
Mundial de futebol se inicia bem antes disso. Quando chegam os atores da
competição, as seleções e as torcidas dos países envolvidos na disputa,
que colorem e transformam a atmosfera das cidades-sede com sua
vibração. Ainda há poucos times no País – até a sexta-feira 6, haviam
chegado oito delegações –, mas, se depender dos estrangeiros que já
estão aqui e daqueles que chegam nas próximas semanas, a Copa do Brasil,
que se inicia protocolarmente no dia 12 de junho, às 17h, com Brasil e
Croácia, na Arena São Paulo, já está a todo vapor. “Turistas de 186
países vêm nos visitar e serão 30 bilhões de espectadores em todos os
jogos, no mundo todo”, diz o ministro do Turismo Vinícius Lage. Segundo a
Fifa, foram vendidos pouco mais de 2,9 milhões de ingressos, 40% deles
para torcedores de fora. Levantamento recente do Ministério dos Esportes
revela que serão mais de 800 mil pessoas vindas do exterior durante a
competição. “Sendo que meio milhão virá pela primeira vez ao Brasil por
conta da Copa do Mundo. Isso alavanca a economia nacional”, afirma o
secretário-executivo do Ministério dos Esportes, Luis Fernandes. A
expectativa é que gastem cerca de R$ 2,5 bilhões por aqui.
MAPA-MÚNDI
Quarta-feira 4: torcedores de nacionalidades diferentes que já
chegaram do Exterior para o Mundial se confraternizam
na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro
O fato de ser a primeira Copa realizada no
continente americano no século 21 colaborou também para uma grande
procura. Os sul-americanos, por exemplo, se valem da proximidade para
assistir ao Mundial, da maneira que for possível. No Chile, uma caravana
gigantesca foi organizada para partir de Santiago, cruzar a Cordilheira
dos Andes e estacionar em Cuiabá, onde a seleção realiza sua primeira
partida contra a Austrália, na sexta-feira 13. Serão entre 800 e 3200
carros dirigindo em comboio por cinco dias, percorrendo 800 quilômetros
diários. “Fazemos de tudo para ver o Chile ser campeão. Somos uma
torcida apaixonada e aventureira”, diz Alberto Schmidt, chefe de
operações do grupo. São esperados até 70 mil chilenos no Brasil durante a
competição, quatro mil vindos somente do grupo de Schmidt.
Igualmente apaixonada, a torcida alemã
desembarcará em peso por aqui. Segundo o Consulado da Alemanha no Rio de
Janeiro, são esperados, pelo menos, 20 mil alemães no país para
participar do Mundial. Recente levantamento do site de pesquisas de
passagens aéreas Skyscanner confirma o dado. Os alemães ocupam o
terceiro lugar do ranking dos países que mais enviarão torcidas para cá,
perdendo apenas para os norte-americanos e os argentinos. “A torcida
alemã é a mais simpática e feliz. O torcedor grita e cria expressões
para se referir aos jogadores da equipe adversária”, afirma Harald
Klein, o cônsul-geral da Alemanha no Rio de Janeiro. O web-designer
alemão Sami Jaafar, de 28 anos, economizou durante dois anos para ver a
Copa. No dia 7 de julho, ele desembarca no Rio de Janeiro sonhando com
uma final entre o Brasil e a Alemanha. Sami não comprou ingresso para
ir ao Maracanã, porque achou o preço “um absurdo”. Mas também porque
prefere sentir o clima das ruas. Ele pretende quer assistir aos jogos em
telões ao ar livre, de preferência, na Praia de Copacabana, tomando
caipirinha e vendo mulheres bonitas. Ele não teme nem os protestos, nem a
criminalidade: “Em 2006, a mídia internacional também disse que a Copa
na Alemanha seria perigosa por causa dos hoolligans e dos neo-nazistas.
Mas o clima não poderia ter sido melhor”. Sami vai viajar com um amigo –
o único que não se assustou com os preços. Os dois vão ficar hospedados
em Copacabana, a cinco minutos da praia, num apartamento alugado
através de uma agência de viagens berlinense.
Com pouca tradição futebolística, os
americanos surpreenderam já na compra de ingressos. Foram 196.838
entradas vendidas para eles, segundo a Fifa, perdendo apenas para o
Brasil. “Estou certa de que vocês verão milhares de americanos se
produzindo com todos os tipos de fantasias e roupas típicas”, afirma
Liliana Ayalde, a embaixadora dos Estados Unidos no Brasil. A esperança
dela se confirma no grupo de Kimberly Kallansrude, 20 anos. Ela e outros
quinze amigos vieram ao país para fazer um intercâmbio e resolveram
esticar a estadia para aproveitar a Copa do Mundo. Para fugir dos preços
altos, se hospedaram no Albergue Bonita, em Ipanema, zona sul do Rio.
“Vamos assistir só ao início da Copa, mas estamos muito empolgados.”
Conhecida por sua neutralidade em assuntos políticos, a Suíça terá 6 mil
torcedores por aqui. “A torcida suíça é um pouco como o time, cheia de
potencial, mas nem sempre ciente das suas capacidades. É como uma pessoa
tímida, que só se revela de verdade quando está à vontade”, diz o suíço
Claudio Baumann, que mora no País há dois anos e já recepciona vinte
conterrâneos para o Mundial. A gelada Rússia também fará parte da
festa. Com QG da torcida montado no Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, o torcedor que não conseguir entrar no Maracanã no domingo 22
para assistir a partida contra a Bélgica não ficará sem lugar para
brindar. O russo Euan Kay, 24 anos, ainda tem esperança em conseguir sua
entrada. “Eu não poderia perder uma Copa no Brasil. A melhor parte do
futebol é que ele une as diferenças entre os povos.”
Essa pluralidade é apontada justamente como
a chave do sucesso do Mundial. “O Mundial é aquele momento em que
fingimos assistir a um duelo de nações, que será resolvido no campo
esportivo”, afirma o sociólogo Ronaldo Helal, professor da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro. Diferenças à parte, o historiador e
pesquisador André Couto aponta algumas semelhanças entre os grupos de
torcedores. “Os latinos costumam ser mais apaixonados, festivos e
coloridos. Os ingleses são eufóricos, apesar de causar preocupação com a
violência dos hooligans. Os portugueses são frios, mas pode ser que o
bom momento do Cristiano Ronaldo mude essa percepção. E a Holanda
costuma ter as mulheres mais bonitas.”
Rahima Ayla Dirkse, 20 anos, é uma ilustre
representante da beleza holandesa. Há quatro anos, enquanto Wesley
Sneijder marcava o segundo gol da vitória da Holanda contra o Brasil na
Copa do Mundo da África do Sul, seu avião pousava em Salvador. Foi só
colocar o pé fora do aeroporto Luís Eduardo Magalhães para perceber uma
cidade calada. Foi nesse momento que ela se deu conta: o País do futebol
tinha sido eliminado justamente pela sua seleção. “Era um baixo astral,
todo mundo chorando. Futebol não tem essa mesma força onde eu moro”,
diz. Ela queria ver a festa na cidade – um dos principais motivos de sua
segunda visita ao Brasil. “Foi naquele dia que decidi que voltaria para
a Copa do Brasil”, afirma a estudante de Farmácia, de 20 anos, que hoje
mora em Groningen, cidade universitária localizada ao norte da Holanda.
Dito e feito. Rahima convenceu seus pais e os três voltam a Salvador. A
família Dirkse vai desembarcar mais uma vez na Bahia, estado onde seu
país faz o primeiro jogo, contra a Espanha, na sexta-feira 13. O trio,
que só chega ao Brasil no dia 5 de julho e ainda não possui ingressos,
tem esperanças de ver os jogos do time laranja nas fases eliminatórias.
Uma coisa é certa: os holandeses esperam
transformar o Brasil em uma grande nação laranja. Em São Paulo, eles
preparam uma grande caravana para o jogo do dia 23, contra o Chile.
Cerca de 500 holandeses que estão acampados num clube na zona sul
paulistana acompanharão, a partir das 8h, a “Oranje March” - percurso
tradicionalmente feito por um ônibus laranja de dois andares cercado por
uma multidão que segue a seleção do País durante os campeonatos
internacionais. Na primeira parte do trajeto, caminharão ao lado do
veículo do local onde estão as barracas até o metrô mais próximo. Do fim
da linha até o estádio, voltarão a se juntar ao coletivo até um terreno
perto da Arena São Paulo, onde festejarão até o início do jogo, às 13h.
“No resto do ano somos normais, mas durante os jogos viramos loucos.
Vestimos roupas cor de laranja e fazemos maluquices ao som dos nossos
gritos de guerra”, diz a acampante holandesa Dorinda Hovenga.
Com o Papa Francisco ao seu favor, e o melhor ataque da competição –
Messi, Di Maria, Aguero e Higuaín –, a passional argentina está
confiante. Na base do GPS, uns poucos contatos e alguma sede de
aventura, um trio de jovens portenhos sairá de Buenos Aires de carro
nesta semana e chegará antes de a bola começar a rolar.“Vamos parando em
casas de amigos e hostels. Levamos até barraca para acampar”, diz o
programador David Sadrinas. Os três amigos têm certeza de que essa é a
Copa deles. “A próxima é na Rússia, a seguinte no Catar, tudo muito
longe”, afirma o analista de crédito Santiago Pascale. Eles mostram,
satisfeitos, os ingressos adquiridos em sites como eBay e Mercado Livre.
Apesar de a revenda ser proibida, não se intimidaram em gastar até US$
500 dólares em cada entrada. Sonhar é grátis, mas, ir à Copa,
definitivamente não. “Estourei todos os cartões de crédito. Para voltar,
a cada parada pedirei um depósito na conta aos pais”, diz o analista
Francisco Mora.
Se há torcedores que viajam na base do
improviso, outros são extremamente meticulosos. Como o inglês James
Connaughton, de 25 anos, que começou a guardar dinheiro e fazer os
planos para a viagem em 2007, quando soube que o Brasil receberia a Copa
de 2014. Mesmo sem saber se a Inglaterra se classificaria, ele estava
decidido a realizar um sonho de infância e assistir ao maior torneio do
mundo no país que, para ele, é “a casa do futebol”. Pela internet, James
estudou as 12 cidades-sede em busca de uma base onde pudesse conciliar
os jogos com praias e baladas. Acabou se decidindo por Natal, onde deve
passar duas semanas em uma pousada, na companhia de outros cinco amigos.
“Vi que Natal é uma cidade pequena, menos caótica, mais segura e com
mais chances de ter sol e calor nesta época do ano”, diz, já imaginando
os roteiros que programou para os dias sem futebol: passeios de buggy
pelas dunas de Genipabu e uma esticada à Praia da Pipa.Na última semana
da viagem, passa por Recife e termina no Rio, onde se, tudo sair como o
esperado, poderá ver sua Inglaterra disputar uma oitava-de-final em
pleno Maracanã. Para aproveitar ao máximo a experiência, matriculou-se
num curso particular intensivo de português. A Football Association (FA)
e a Federação dos Torcedores de Futebol britânica estimam que cerca de
10 mil ingleses devem viajar ao Brasil. As casas de câmbio britânicas
mostram isso – aumentou em 1000% a demanda pela moeda brasileira em
Londres. Outro hóspede europeu de Natal é o italiano Davide Bizzoto, 39
anos, que terminou com a namorada, que viria com ele, mas não desistiu
do sonho de acompanhar sua seleção no Brasil. “Essa será a melhor copa
de todos os tempos”, diz ele, que ficará na Praia do Pipa.
Na terra dos atuais campeões mundiais, a
crise econômica e taxas de desemprego na casa dos 25%, estão fazendo o
sonho de ver ao vivo o bicampeonato ser cancelado pela grande maioria
dos torcedores espanhóis. A dificuldade até virou mote para o comercial
de um dos patrocinadores, que pediu aos espanhois para cortar e enviar
ao time “seus corações”, os escudos de suas camisas da seleção. O caro
souvenir foi costurado e transformado em uma bandeira que acompanhará os
jogadores pelo Brasil. Para alguns poucos, no entanto, as passagens e
entradas nos estádios estão garantidos e o uniforme pode continuar
intacto. É o caso do jornalista Ángel Rubiano, 29 anos. “Estrear na Copa
vendo a seleção jogando no Maracanã é sensacional!”, diz ele, que terá
como base a cidade do Rio de Janeiro. Apesar de saber que não vai ser
fácil para a Espanha, ele se diz otimista. “Esse time nos deu duas
Eurocopas e a última Copa. Não tem como estar pessimista com eles.” Nem
todos os espanhóis, no entanto, estão tão esperançosos. “Somos um dos
favoritos, mas ganhar vai ser muito difícil porque estamos um pouco
abaixo do que éramos em 2010”, diz Miguel Riera Menendez, que chegou
sozinho ao Brasil para acompanhar os jogos de seu time no Rio e em
Curitiba e ficará hospedado em casas de amigos e em hotéis. O argelino
Mohamed Kellala também veio sozinho, apesar de uma caravana do seu País
estar trazendo 2,1 mil compatriotas, segundo a embaixada. Além de
acompanhar todos os jogos da Argélia na primeira fase, Kellala pretende
conhecer outras atrações brasileiras, como as obras do arquiteto Oscar
Niemeyer. Primeiro o esporte, depois o turismo. Afinal, nada mais
divertido para esses torcedores do que uma partida de futebol. Durante
uma Copa. E no Brasil.
Com
Cristiane Ramalho, de Berlim (ALE); Janaina Cesar, de Bassano del
Grappa (ITA); Lucas Moretti, de Croningen (HOL); Maria Luisa Cavalcanti,
de Londres (ING); Rachel Costa, de Madri (ESP); Samuel Rodrigues, de
Buenos Aires (ARG) e Paula Rocha
Foto:
Felipe Varanda/Ag. Istoé, Lucas Moretti; Nicole Ris; Macarena Dias
Bradley; Karime Xavier / Folhapress; Renato Gianturco,
Imago/ZUMAPRESS.com); Ana Rojas; Viola Scheurer, João Castellano; Bruno
Poppe; Rafael Danielewicz