Não havia muita dúvida de que o momento
viria, e aconteceu, ironicamente, logo antes de "Gota d'Água" ("Deixe
em paz meu coração / que ele é um pote até aqui de mágoa"): o público
que lotou o Palácio das Artes, em Belo Horizonte, para assistir à
estreia do novo show de Chico Buarque, na noite desta quarta (13), irrompeu num grande coro de "fora, Temer".
O cantor, que não havia ouvido direito
os primeiros gritos, deu corda a seus fãs: "E é pouco", disse em
resposta ao coro, à medida que os pedidos pela saída do presidente se
avolumavam. "Eu não tava ouvindo bem porque a gente canta com esses
fones enfiados no ouvido, agora eu ouvi bem o 'fora, Temer'", disse,
após tirar os fones.
Aproveitando o momento, que aconteceu
no trecho final do show e foi, de longe, o mais relaxado e informal da
sempre tensa noite de estreia, Chico ironizou seus antagonistas da elite
carioca, que, segundo ele, o xingam durante suas caminhadas pelo
calçadão da praia.
"Acho que agora eu vou passar a usar
esses fones permanentemente, porque lá no Rio, nos bairros chiques onde
eu ando, volta e meia passam aquelas pessoas finas nos seus carros
grandes e gritam 'viado, filho da puta!', 'viado, vai pra Cuba', 'vai
pra Paris, viado'. O único consenso é o 'viado'", disse, rindo e fazendo
a plateia rir.
Chico Buarque se apresenta na 28ª edição do Prêmio da Música Brasileira
Chico Buarque se apresenta na 28ª edição do Prêmio da Música Brasileira
A reação de Chico aos "haters" veio
também em forma de música, em certos pontos do show, um deles logo no
início. Após um breve problema técnico que retardou a abertura das
cortinas, o artista começou a apresentação com uma dobradinha de sambas,
emendando o clássico "Minha Embaixada Chegou" (de Assis Valente) com
seu "Mambembe".
A eles seguiu-se uma versão mais
jazzística de "Partido Alto", com a estrofe final sendo declamada pelo
cantor, em tom pausado, forte, quase sem som instrumental, como quem dá
um aviso: "Deus me fez um cara fraco / desdentado e feio / Pele e osso
simplesmente / quase sem recheio / Mas se alguém me desafia / e bota a
mãe no meio / Dou pernada a três por quatro / e nem me despenteio / Que
eu já estou de saco cheio".
Foi a senha para uma das muitas
explosões de palmas que se ouviram ao longo das 29 músicas do roteiro,
que incluiu as nove canções de "Caravanas", o álbum lançado em agosto e que serve de gancho para a turnê.
Outro trecho de, digamos, "acerto de
contas", foi a sequência que teve a recente "Desaforos" ("Alguém me
disse / Que tu não me queres
/ E que até proferes / desaforos pro meu lado") e o sucesso "Injuriado"
("E agora não há francamente / Motivo pra você me injuriar assim").
Saudoso do ídolo, que não fazia shows
individuais há cinco anos, o público que lotou os cerca de 1.600 lugares
do teatro mineiro gritou elogios e juras de amor nos intervalos das
canções e relevou os não poucos problemas técnicos e as falhas do cantor
–que, por exemplo, esqueceu-se da letra de "Sabiá", uma de suas duas
parcerias com Tom Jobim presentes no roteiro (a outra foi "Retrato em
Branco e Preto", inédita em shows de Chico).
O espetáculo foi dividido em blocos
temáticos e gêneros musicais, abarcando a variedade da obra buarquiana,
dos sambas (como "A Volta do Malandro" e "Homenagem ao Malandro") aos
blues (a nova "Blues pra Bia" e "A História de Lily Braun", emendada com
"A Bela e a Fera", ambas parcerias com Edu Lobo para "O Grande Circo
Místico"), passando pelos boleros –com a popularíssima versão de
"Iolanda", do cubano Pablo Milanés, seguida pela nova "Casualmente",
parceria com o baixista Jorge Helder, com letra bilíngue falando de
Havana e composta para a cubana Omara Portuondo.
Cortês como de hábito, Chico saudou
cada um dos muito parceiros cujas composições interpretou: Helder (o
único presente, na banda), Jobim, Edu Lobo, Cristóvão Bastos –as duas
parcerias com este, a propósito, formaram o momento mais bonito e
romântico da noite: "Todo o Sentimento" e "Tua Cantiga".
O astro guardou suas maiores
deferências, no entanto, para dois trechos especiais. O primeiro, ao
interpretar a valsa "Massarandupió", "do meu parceiro mais amado, Chico Brown,
meu neto Chiquinho", que estava presente, na plateia, ao lado da irmã
Clara Buarque ("Que também canta no meu disco", como lembrou o avô).
O segundo foi ao apresentar a banda que
lhe acompanha há anos –o maestro, arranjador e violonista Luiz Claudio
Ramos, João Rebouças (piano), Bia Paes Leme (teclados e vocais), Chico
Batera (percussão), Jorge Helder (contrabaixo), Marcelo Bernardes
(flauta e sopros)–, quando lembrou da ausência do veterano sambista e
baterista Wilson das Neves, morto em agosto (Jurim Moreira assumiu as baquetas).
"Esse show é dedicado ao nosso
companheiro de tantas viagens, tantos palcos, tantos camarins, tantos
momentos felizes. A bênção, Wilson das Neves", disse, antes de vestir um
chapéu Panamá (como os que caracterizavam o velho sambista) e arriscar
inclusive uma sambadinha ao interpretar "Grande Hotel", parceria de
ambos. "Saravá, chefia!", gritou Chico ao fim.
Já se encaminhando para o fim do show,
Chico viu sua voz falhar ao começar "As Caravanas", obrigando-o a
reiniciar a música –na qual a percussão de Chico Batera e o beatbox de
Marcelo Bernardes deram um tom de pancadão funk, como no disco.
"Estação Derradeira", uma de suas
muitas homenagens à Mangueira, foi emendada com um trecho da canção de
abertura, fechando o círculo do roteiro: "Minha embaixada chegou / meu
povo deixou passar / ela agradece a licença que o povo lhe deu para
desacatar". No bis, com a plateia de pé e próxima ao palco, Chico cantou
duas favoritas dos fãs, "Geni e o Zepelin" e "Futuros Amantes".
O show segue na capital mineira até
domingo (17) –com ingressos ainda disponíveis apenas para o último dia. A
turnê será retomada em janeiro, com temporada de cinco semanas no Rio
(4 a 28/1 e 1 a 4/2), no Vivo Rio.
A turnê chega a São Paulo após o
Carnaval, com apresentações no Tom Brasil (1º a 11/3, 22/3 a 1º/4, 12 a
15/4 e 19 a 22/4). Os ingressos para o Rio estão disponíveis em www.vivorio.com.br e, para São Paulo, nos sites www.grupotombrasil.com.br e www.ingressorapido.com.br.
Segundo a assessoria de imprensa do artista, outras capitais, ainda não definidas, devem receber a turnê de "Caravanas" em 2018.
"Minha Embaixada Chegou"
"Mambembe"
"Partido Alto"
"Iolanda"
"Casualmente"
"A Moça do Sonho"
"Retrato em Branco e Preto"
"Desaforos"
"Injuriado"
"Dueto"
"A Volta do Malandro"
"Homenagem ao Malandro"
"Palavra de Mulher"
"As Vitrines"
"Jogo de Bola"
"Massarandupió"
"Outros Sonhos"
"Blues pra Bia"
"A História de Lily Braun"
"A Bela e a Fera"
"Todo o Sentimento"
"Tua Cantiga"
"Sabiá"
"Grande Hotel"
"Gota d'Água"
"As Caravanas"
"Estação Derradeira"/"Minha Embaixada Chegou"
BIS
"Geni e o Zepelin"
"Futuros Amantes"