Mais
duas destacadas autoridades do país, o Procurador-Geral da República
(PGR), Rodrigo Janot, e o presidente nacional da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB-nacional), Marcus Vinicius Furtado Coelho, ampliaram o
consenso dos que julgam errada a decisão do presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, de vetar o semiaberto e
o direito ao trabalho externo do ex-ministro José Dirceu e dos demais
sentenciados na Ação Penal 470 (AP 470).
Ambos advertiram, ontem, para os riscos que o veto monocrático
(decisão só dele) do presidente do STF) traz para o respeito e
cumprimento das leis no país. “Uma modificação na interpretação jurídica
pode causar insegurança jurídica”, advertiu Janot.
O PGR, que já tinha dado parecer favorável ao semiaberto e ao
trabalho externo dos sentenciados da AP 470, afirmou que a decisão do
presidente do STF “pode refletir em demais presos sim”, atingindo dessa
forma outros 77 mil que cumprem pena neste regime, em todo o país,
segundo o último levantamento da OAB-nacional.
O presidente da OAB nacional lançou alerta idêntico. Em sua
avaliação, que tornou pública em entrevista ontem, o ministro Joaquim
Barbosa deu uma interpretação “vingativa” à lei para impedir que o
ex-ministro José Dirceu e os demais sentenciados da AP 470 cumpram a
pena em regime semiaberto e possam trabalhar fora do presídio.
“Interpretação vingativa”
“Essa interpretação vingativa de um caso concreto não pode suscitar
prejuízo a 77 mil brasileiros (presos em regime semiaberto)”, advertiu
Coêlho, reforçando a convicção externada pelo meio jurídico do país, de
que o presidente do Supremo, ao aplicar dessa forma, acabou na prática
com o regime semiaberto e pode prejudicar todos os que já cumprem pena
sob este regime.
“Não deve haver vitória do discurso da intolerância e do direito
penal sobre o inimigo. Se ele é meu inimigo não devo cumprir a lei”,
acentuou o dirigente da entidade máxima dos advogados brasileiros.
Leiam, também,
“OAB nacional diz que presidente do STF fez interpretação ‘vingativa’ no caso Dirceu” que postamos aqui ontem à noite.
A exemplo de Coelho, também em entrevista ontem, o PGR Rodrigo
Janot, voltou a analisar, de forma crítica, a decisão de Barbosa, de
cassar o benefício do semiaberto e do trabalho externo ao ex-ministro
Dirceu e aos outros condenados na AP 470.
Um consenso entre juristas e especialistas
As manifestações de Janot e de Furtado Coelho deixam claro, assim,
que a deliberação do presidente do STf sobre estes presos contraria a
interpretação da PGR, da OAB e do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
quanto ao cumprimento do regime semiaberto e ao direito ao trabalho dos
sentenciados neste processo.
O presidente do STF negou há duas semanas o pedido feito pela defesa
do ex-ministro José Dirceu, para que ele cumpra a sentença no regime
semiaberto e faça trabalho externo. Na sequência, revogou o benefício já
concedido ao ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, aos ex-deputados
federais Valdemar Costa Neto, Pedro Corrêa e Carlos Alberto Pinto
Rodrigues (Bispo Rodrigues), além de Jacinto Lamas (ex-tesoureiro do
então Partido Liberal), que exerciam trabalho externo já há várias
semanas..
O PGR e o presidente nacional da OAB deram entrevistas ao participar,
ontem, da cerimônia de apresentação do relatório do Programa Segurança
sem Violência no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Janot
destacou que as medidas de cumprimento de penas alternativas ajudam na
ressocialização dos presos e devem ser incentivadas para crimes em que o
potencial ofensivo seja menos danoso à sociedade.
“Modificação pode causar insegurança jurídica”
“O problema que se coloca em interpretação de direito é a segurança
jurídica. Tínhamos uma interpretação, já de algum tempo, de que não
seria necessário o cumprimento de 1/6 da pena para que o preso pudesse
alcançar o privilégio do trabalho externo. Uma modificação nessa
interpretação jurídica pode causar insegurança jurídica. E, em causando
insegurança jurídica, pode refletir em demais presos sim”, concluiu
Janot.
Ao decidir vetar o semiaberto a Dirceu e revogar o sistema para os
outros presos da AP 470, o presidente do STF contrariou a jurisprudência
consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que há anos
autoriza sentenciados nesse regime a trabalhar fora dos presídios antes
de cumprir 1/6 da pena, como agora exige Barbosa.
Ao analisar os casos dos condenados da AP 470, Barbosa descartou a
jurisprudência do STJ e decidiu que presos do regime semiaberto só podem
trabalhar fora dos presídios após cumprirem 1/6 da pena, quando também
podem progredir para o regime aberto. Os pedidos de trabalho externo
normalmente são analisados por juízes de 1ª instância, que sempre
concedem o benefício aos presos devido à essa jurisprudência do STJ.
No caso de Dirceu, no entanto, Joaquim Barbosa avocou para si a
decisão. O ex-ministro não chegou a ter seu pedido inicial de trabalho
externo aceito, e nos seis meses e meio em que está preso, sempre houve
protelações quanto a decisão final, sob os mais diversos pretextos. Há
três semanas, Barbosa decidiu vetar de vez a possibilidade dele cumprir a
sentença em regime semiaberto.