'Não se aceita esse recado de medo', diz Freixo sobre morte de Marielle
Deputado estadual falou sobre a morte da colega de partido
Por
ESTADÃO
Rio - Amigo há
15 anos da vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada na última
quarta-feira, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) acompanha de
perto as investigações do crime, e acredita que os tiros disparados
contra o carro em que ela estava foram "coisa de profissional". Isso
pelo fato de terem partido de um automóvel em movimento, e atingido o
corpo dela e o do motorista, Anderson Gomes, que também morreu, em linha
reta.
Ainda sob o impacto da perda de Marielle, que
ele levou para a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa
do Rio, e depois viu entrar na política parlamentar, o deputado disse,
em entrevista na sexta-feira, 16, ao jornal O Estado de S. Paulo, que a
morte alça Marielle à condição de símbolo mundial da luta pelos direitos
individuais.
Que recado os assassinos de Marielle queriam dar?
Difícil dizer. Reações no mundo inteiro
mostram que não se aceita esse recado de medo. O crime precisa ser
desvendado, e não é porque a Marielle é mais importante, por ser
vereadora, mas porque é carregado de vingança. É um recado para mulher,
jovem, negra de favela? É preciso elucidar. Um crime contra a democracia
não pode ser bem sucedido.
Os tiros seriam para silenciar as denúncias dela de excessos cometidos por policiais?
Ela não recebeu ameaça, não presidia CPI
(Comissão Parlamentar de Inquérito), não fez denúncia específica contra
ninguém. Éramos bem próximos. Terça à noite conversamos longamente e ela
em nenhum momento disse que tinha qualquer problema. Quem ela incomodou
que foi capaz de fazer isso? Não consigo imaginar.
Como Marielle entra para a história?
Não tinha dúvida de que ela seria uma grande
liderança política nacional, expressão do campo progressista. Era
brilhante, forte, amorosa. Tinha características que desafiavam a
política tradicional, representava algo novo. O que esses covardes
fizeram foi antecipar isso, mas tirando a Marielle da gente. É
inaceitável. Hoje ela é um símbolo mundial. Mas o preço, que a gente não
queria pagar é não tê-la mais.
As investigações estão perto da conclusão?
Não há dúvida de que foi execução, coisa de
profissional. Os tiros foram dados por alguém que manejava muito bem a
arma. Partiram de dentro de um carro em movimento e acertaram de maneira
compacta e linear. De nove, quatro pegaram na Marielle e três no
motorista, que estava na linha de tiro.
Como vê a hipótese de que o crime teria a ver com a intervenção na segurança?
Estou tentando não politizar esse debate, não é
bom fazer isso sobre o cadáver da Marielle, que era contrária à
intervenção. A munição veio desviada da Polícia Federal. É intervenção
que resolve? Por que não monitoram as munições?
A assessora que acompanhava Marielle está sob proteção?
Ela já está segura. A gente não pensou em
colocá-la no programa de testemunha do Estado porque sabe dos problemas
que ele tem. Ela não viu nada. Foi uma rajada, ela nem sabia que tinha
sido um atentado, entendeu depois. Achou que fosse um tiroteio.
As reações ao crime são nacionais,
mundiais. O PSOL ganha protagonismo? Marielle seria vice de Tarcísio
Motta (também do PSOL) para o governo do Estado. E agora?
Parou tudo. Não consigo olhar para isso sem
olhar para a minha querida amiga Marielle, de 15 anos, há 11 na minha
equipe, trabalhando comigo todos os dias. Fui professor da irmã dela.
Temos relação de amor muito grande. Esse cálculo não está no nosso
horizonte. Agora, a Mari traz um sentimento de justiça forte. Um desejo
das pessoas que talvez estivesse represado desde 2013. Ela representava
essa outra política que todos queriam. 2018 pode estar tentando calar
2013, dizer de novo que não pode ter mulher negra, favelada, bissexual
na política. Não vão conseguir.
Marielle está sendo chamada de "defensora de bandidos" em ataques nas redes sociais. Como analisa essa reação?
É falta de inteligência mínima. É uma
sociedade doente aquela que acha que direitos humanos são para proteger
bandido. Em todos os lugares do mundo onde houve avanços nas políticas
de segurança, os agentes são instrumentos de garantia dos direitos.
Marielle cansou de trabalhar com casos de policiais. A gente aprovou um
protocolo de atendimento a familiares de policiais vitimados de forma
letal no Rio. Dizer que não tem de ter tortura nem execução sumária é
proteger a lei. Marielle foi morta em um ato de banditismo, se veio da
polícia ou de outro lugar, não sei.