Antes
limitado e quase tão nocivo ao organismo quanto ao tumor, o arsenal à
disposição dos oncologistas evoluiu drasticamente e, hoje, provoca menos
trauma aos indivíduos que enfrentam esse mal
Antes
limitado e quase tão nocivo ao organismo quanto ao tumor, o arsenal à
disposição dos oncologistas evoluiu drasticamente e, hoje, provoca menos
trauma aos indivíduos que enfrentam esse mal
A estratégia para superar esse inimigo mudou nas últimas décadas.
Até os anos 1990, os médicos basicamente bombardeavam o câncer com as
tradicionais quimio, radio e hormonioterapia ou tentavam extirpá-lo por
meio de cirurgias. Esses tratamentos, embora ainda sejam fundamentais na
batalha, causam baixas expressivas no organismo por atingirem tanto o
vilão da história como o tecido sadio, o que sempre traz complicações.
No entanto, com um conhecimento cada vez maior nesse front, surgiu um
conceito inovador: em vez de golpear o adversário diretamente, por que
não tornar as tropas do próprio corpo mais eficazes contra ele, e apenas
ele?
Essa tática inusitada ganhou destaque e avança a passos largos.
Prova disso é o aparecimento do ipilimumabe, fármaco já aprovado nos
Estados Unidos - e que deve desembarcar no Brasil nos próximos meses -
para tratar o melanoma, um tipo extremamente agressivo de tumor de pele.
"As células cancerosas, apesar de possuírem alterações, têm semelhanças
com as saudáveis, e isso faz com que o sistema imunológico não as veja
como ameaça. O ipilimumabe tira o freio das nossas defesas, deixando-as
propensas a identificar e atacar a doença", esclarece Paulo Hoff,
diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo,
onde parte das pesquisas com a droga foram realizadas, e autor do livro Como Superar o Câncer,
publicado por SAÚDE. "A utilização dela aumentou em quatro meses a
sobrevida dos pacientes. E isso é apenas uma média. Há casos em que o
tempo foi significativamente superior", ressalta Hoff.
Por atuar nos glóbulos brancos, em tese o remédio deixaria o
organismo mais preparado para debelar outros cânceres além do melanoma.
"A lógica realmente faz sentido, mas são necessários estudos para
corroborar essa teoria", avisa o oncologista Ricardo Caponero, da
Clínica de Oncologia Médica, na capital paulista. O fato é que o
medicamento se mostrou eficiente e, acima de tudo, foi bem tolerado por
quem recebeu suas doses.
Novo aliado: o ipilimumabe
O ipilimumabe é um anticorpo monoclonal, unidade de defesa feita em
laboratório que age em moléculas específicas no exterior de uma célula.
"A diferença é que a nova droga atua diretamente no sistema imune,
enquanto as outras da mesma classe se ligam ao câncer para avisar que
ele está ali e deve ser exterminado", diferencia Caponero. Acontece que,
antes de criar essas armas teleguiadas, é preciso achar alvos, ou
melhor, antígenos onde elas possam fazer seu trabalho. "E cada tipo de
tumor tem antígenos únicos", diz a radioterapeuta Deborah Kuban,
diretora do MD Anderson Cancer Center, nos Estados Unidos.
Em outras palavras, a luta contra esse mal tende a ficar mais
individualizada, porque os medicamentos começam a agir, de maneira bem
eficaz, em mecanismos restritos a poucas versões da enfermidade. "Já
estão disponíveis tratamentos sob medida para uma série de variações e
esperamos que, no futuro, tenhamos opções para todas", afirma Sérgio
Simon, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Na contramão, pesquisadores da americana Universidade Stanford
estão em busca de um remédio com potencial para arrasar muitos tumores
distintos sem danificar tecidos saudáveis. Em testes com camundongos,
eles encontraram a proteína CD47, presente em cânceres de mama, ovário,
cólon, bexiga, fígado, entre outros, e que, ao ser travada por um
anticorpo monoclonal, inibia o crescimento da doença. "Isso mostra que
essa proteína é um alvo promissor", opina o patologista Irving Weissman,
envolvido no projeto. Embora animadora, a descoberta é vista com
cautela. "Mesmo que o antígeno seja comum a vários tumores, em seres
humanos a resposta ao seu bloqueio pode ser diferente de um caso para
outro", contrapõe Hoff.
Abaixo a resistência!
Frequentemente se observa uma terapia surtindo efeito a princípio,
mas que, logo depois, não contém mais o avanço do câncer. "Por isso, é
fundamental contar com um arsenal vasto como o que começamos a ter hoje
em dia. Quando um tratamento para de funcionar, outro o substitui",
explica Carlos Henrique Barrios, oncologista da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul.
A resistência se instala devido a mutações que ocorrem no DNA das
células cancerosas. Ainda bem que surgem maneiras de ao menos
postergá-las. Um bom exemplo é o everolimo. Esse novo fármaco retarda a
adaptação de um tipo de tumor de mama à hormonioterapia, que diminui a
atuação de hormônios por trás do mal. Com ele, o tempo de sobrevida
médio das mulheres acometidas por essa moléstia mais do que duplicou.
"Os resultados são tão impressionantes que acreditamos se tratar de um
dos maiores progressos dos últimos 20 anos", analisa Barrios.
Os radares que flagram o câncer também passaram por uma
modernização. "A acurácia dos métodos de detecção está maior e começamos
a utilizar reagentes que tornam as imagens mais nítidas", destaca Hoff.
Explica-se: antes da avaliação em si, é administrada uma substância
que, ao entrar em contato com determinado tumor, promove uma reação
química visível no exame. Isso ajuda a enxergar melhor a extensão e a
agressividade do problema.
"Estamos chegando a um momento em que o diagnóstico poderá ser
feito por meio de procedimentos simples e com menos trauma ao paciente",
assegura Deborah. Uma amostra de sangue, hoje, já ajuda o médico a
verificar a existência de um câncer de próstata. E espera-se que daqui a
pouco tempo esteja disponível um exame de fezes que acuse a presença de
um tumor no intestino. Isso, além de dar mais segurança ao oncologista
sobre o que está enfrentando, vai evitar que muita gente passe sem
necessidade por métodos como a colonoscopia, tão eficiente quanto
invasiva. "Como todos os cânceres são banhados por sangue, talvez no
futuro consigamos identificar qualquer um deles com uma mera avaliação
do líquido vermelho", aposta Hoff. Ao longo da história, esse inimigo se
mostrou mais perspicaz do que imaginávamos. Mas a ciência, sempre no
seu encalço, está cada vez mais próxima de agarrá-lo.
Um olhar mais humano
A ideia de dar força para a própria pessoa vencer o câncer não está
restrita à farmacologia. "O bem-estar vem associado a melhores
respostas do sistema imune, e isso influencia no tratamento", garante
Alfredo Barros, mastologista da Universidade de São Paulo. Daí a
importância dada hoje a cuidados mais integrais, que abordam desde a
psicologia até a nutrição.
O que breca a evolução do tratamento
Estima-se que 1 bilhão de dólares são gastos para o desenvolvimento
de cada novo remédio. Esse valor gera dependência da indústria
farmacêutica, porque as universidades e outros centros geralmente não
conseguem pagar a conta. Aí, o ritmo dos avanços na área diminui. Afora
isso, a burocracia para realizar uma pesquisa desse tipo é enorme.
"Precisamos ter mais gente lidando com a papelada do que trabalhando nos
experimentos em si", lamenta Paulo Hoff.
O progresso do anticorpo monoclonal
As primeiras versões dessa arma eram feitas só com DNA de
camundongos. Mas novas técnicas possibilitaram a criação de anticorpos
monoclonais com parte dos nossos genes. Atualmente, há alguns
inteiramente humanos e, logo, menos propensos a gerar alergias ou a
serem rejeitados pelo sistema imune.
Melhorias para ambos os sexos
Graças aos últimos avanços, tumores como o de mama, muito comum nas mulheres, e o de próstata são mais facilmente superados
Mulheres
Além da droga everolimo, que aumenta o tempo e a qualidade de vida
diante de tumores na mama, as cirurgias estéticas atuais trazem
resultados ótimos. Assim, quando é preciso tirar parte da glândula, o
espelho não vira oponente do bem- estar.
Homens
Já há um ultrassom altamente preciso para eliminar o câncer de
próstata. "Ele atenua o risco de infertilidade e de órgãos adjacentes
serem afetados", diz Gustavo Guimarães, diretor de urologia do Hospital
A.C. Camargo, em São Paulo, onde o aparelho é usado.
Tradicionais, porém não desatualizados
Quimioterapia
As drogas são menos tóxicas do que antes e, no presente, existem
alternativas à disposição dos especialistas para controlar as reações
adversas.
Radioterapia
As máquinas emitem raios que contornam o tecido saudável sem
atingi-lo em cheio. Com isso, lesões em órgãos próximos ao tumor são
minimizadas ao mesmo tempo que a potência da radiação sobe, tornando o
tratamento ainda mais letal contra a doença.
Cirurgia
Fora as operações robóticas, que geram menos danos nos arredores da
intervenção, técnicas foram criadas para alcançar regiões de difícil
acesso, como o assoalho pélvico.
Entenda melhor
O ipilimumabe estimula o organismo a se defender
1. Vilão camuflado
Existem linfócitos cujo papel é regular a atividade das outras
células de defesa. Apesar de essenciais em certas condições, eles inibem
o trabalho desses soldados diante do câncer por não o enxergarem como
um malfeitor.
2. Ataque liberado
O ipilimumabe se liga a uma proteína da superfície desses
linfócitos chamada CTLA-4. Ao fazer isso, o medicamento desativa esses
reguladores naturais e, com isso, deixa o sistema imunológico
terrivelmente agressivo.
3. Sem lugar para se esconder
Como não há mais nada para contê-los, os anticorpos conseguem
identificar o tumor e, a partir daí, usam todos os recursos disponíveis
para aniquilar cada uma de suas partes.
Como funciona a droga que destruiria vários cânceres
1. Um mal diplomático
Aparentemente, grande parte dos tumores tem uma proteína chamada
CD47. Em tese, ela envia uma mensagem para que as tropas do organismo
não iniciem o bombardeio em massa.
2. Relações rompidas
O anticorpo monoclonal anti-CD47, ao entrar em contato com seu
alvo, cortaria essa sinalização. Então, nossas defesas naturais
partiriam para cima do oponente, seja ele de qual tipo for.