Autobiografia de Edir Macedo é o livro
mais vendido no Brasil e bate recordes no exterior. Em "Nada a Perder",
fundador da Igreja Universal diz que sofreu bullying, afirma que sua
sina é barrar os católicos e conta como a prisão influenciou sua vida
Mário Simas Filho
LIDERANÇA
Estudiosos afirmam que os mesmos fiéis que Macedo consegue atrair em
cultos como o realizado no Maracanã (acima) são potenciais compradores de seus livros
Acusações de charlatanismo, curandeirismo e enriquecimento com a
exploração da fé dos mais humildes não impediram a Igreja Universal do
Reino de Deus de se transformar em um dos maiores fenômenos religiosos
das últimas décadas. Nem mesmo a prisão de seu principal líder
interrompeu o crescimento da denominação evangélica criada por Edir
Macedo há 35 anos e hoje presente em 182 países. Certamente o
contingente de fiéis conquistados pela IURD é que levou seu fundador a
ser o principal protagonista de outro fenômeno que vem ocorrendo no
Brasil desde 30 de agosto e na semana passada começou a ecoar também no
Exterior. Trata-se de um fenômeno editorial. “Nada a Perder”, primeiro
livro da trilogia autobiográfica de Edir Macedo, lançado pela Editora
Planeta há menos de três meses, já vendeu mais de 350 mil exemplares e
ostenta o título de livro mais vendido no Brasil em 2012, de acordo com o
portal Publishnews, referência para o mercado editorial. A biografia do
bispo superou o best-seller mundial “50 Tons de Cinza” e deixou para
trás as biografias de Eike Batista, Danuza Leão e Steve Jobs.
Com uma eficiente estratégia de divulgação, os lançamentos feitos em
diversas cidades atraem milhares de pessoas. No sábado 10, por exemplo,
mais de 25 mil exemplares de “Nada a Perder” foram vendidos apenas na
livraria Nobel do Shopping Metrô Tatuapé, em São Paulo (leia quadro à
pág. 71). Na última semana, Edir Macedo começou a fazer os lançamentos
internacionais, com eventos na Argentina, Colômbia e Venezuela. O
resultado surpreendeu até os discípulos mais próximos. No sábado 17, em
dez horas foram vendidos 56,3 mil exemplares na centenária livraria El
Ateneo, em Buenos Aires, um recorde na história do mercado editorial
argentino, segundo Antônio Dalto, gerente-comercial da rede de livrarias
El Ateneo. “Um líder carismático tende a agregar pessoas e qualquer
coisa que ele lançar será disputada por seus admiradores”, diz o
professor de pós-graduação em ciências da religião da Universidade
Metodista de São Paulo, Leonildo Silveira Campos. “Vivemos em uma
sociedade que gera tristeza e depressão. Com isso, as pessoas buscam
falas confortantes como as que são feitas por Edir Macedo”, avalia João
Batista Libanio, da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo
Horizonte (MG).
NA CADEIA
O bispo responsabiliza os líderes católicos pelos 11 dias que passou
na prisão acusado de charlatanismo, curandeirismo e estelionato
Com a publicação de sua autobiografia, Macedo provavelmente provocará
algumas polêmicas. Ele afirma, por exemplo, que “a sina da Universal é
barrar a Igreja Católica”. O bispo conta que ainda jovem ocupava um
emprego público na Loteria do Rio de Janeiro, obtido com o auxílio do
ex-governador Carlos Lacerda, com quem a família tinha alguma
proximidade. Era uma mistura de contínuo com auxiliar de escritório, que
determinado dia, levando ao pé da letra uma ordem interna, impediu a
entrada de um monsenhor, enviado pelo arcebispo para recolher dinheiro
que na época algumas sociedades católicas recebiam das loterias. “Eu
barrei a Igreja Católica naquele dia”, diz Macedo. “E, simbolicamente,
seria um prenúncio do que se tornaria a sina da Igreja Universal ao
longo dos anos.”
No livro, o bispo detalha os questionamentos sobre si mesmo desde a
infância até a vida adulta. “Nada a Perder”, no entanto, é mais do que
uma leitura sobre o interior de Edir Macedo. Ele não poupa as demais
religiões, inclusive evangélicas, e dispara forte contra os católicos,
cujos líderes são apontados como os principais responsáveis por seus
infortúnios. No capítulo em que narra os 11 dias em que passou na prisão
acusado de charlatanismo, curandeirismo e estelionato, em 1992, Macedo
assegura ter sido alvo de perseguição do “Clero Romano”. “Eram políticos
de prestígio, empresários da elite econômica e social, intelectuais,
juízes, desembargadores e outras autoridades do Poder Judiciário que
tomavam decisões sob a influência do alto comando católico.”
EM FAMÍLIA
Com a mulher, Ester, as filhas, Viviane e Cristiane, e o filho adotivo, Moyses: reunião cada vez mais rara
Edir Macedo nasceu em um lar católico e durante anos foi devoto de
São José. Fez seus primeiros contatos com espíritas e evangélicos a
partir do sofrimento vivido por uma irmã asmática e, no livro, relaciona
uma série de frustrações com o Vaticano. Lembra o dia em que, com 15
anos, foi levado pelos pais para cultuar a imagem de Jesus morto em uma
Sexta-Feira Santa e saiu assustado com a violência expressa naquela
imagem. Macedo também se recorda que, depois de frequentar alguns cultos
evangélicos em uma igreja chamada Nova Vida, destruiu as imagens e
medalhinhas religiosas que carregara consigo. “Botei todos aqueles
objetos no chão, fitei os olhos deles e, apontando o dedo com desdém,
desabafei: ‘Desgraçados! Vocês me enganaram!’, gritava, pisando com
raiva naqueles pedaços de papel e na gargantilha.”
“A história do bispo Edir Macedo é um relato que pode ajudar a
explicar um dos maiores fenômenos sociológicos da história recente do
País”, diz o jornalista Douglas Tavolaro, vice-presidente de Jornalismo
da Rede Record e coautor do livro, produzido a partir de mais de 100
horas de conversas gravadas e intensa pesquisa jornalística. Em 237
páginas, o fundador da Universal transcreve e interpreta de forma bem
popular uma infinidade de passagens bíblicas. Mas, àqueles que buscam
explicações mais racionais para a liderança de um pastor que em 35 anos
construiu uma das maiores igrejas do mundo, não são raras as passagens
compostas por argumentos absolutamente terrenos para falar sobre a
multiplicação de templos e de fiéis. Macedo deixa claro, por exemplo,
que um dos segredos da Universal é a sua inserção social, principalmente
no que diz respeito à recuperação de criminosos e no atendimento à
saúde. “A Igreja Universal permite ao Estado economizar bilhões em
tratamento hospitalar e na ressocialização de presos”, descreve o bispo,
que reafirma a ocorrência de milagres em seus templos. Duas passagens
chamam a atenção. Na primeira, Macedo conta a história de duas mulheres
adornadas usando roupas de grife que passeavam em uma rua conhecida pelo
comércio de luxo em São Paulo. Na conversa, ambas se referiam a ele
como um charlatão. Durante o diálogo, narra o pastor, teriam sido
interrompidas por um homem que escutara o bate-papo e não se fez de
rogado ao abordá-las. “Me desculpe, mas as madames não sabem o que dizem
sobre esse homem”, afirmara o rapaz. “Não fosse por ele, as senhoras
estariam sendo assaltadas agora. Sou ex-bandido. E fui recuperado por
Deus na Igreja Universal.”
Em outra passagem, Macedo conta que um taxista atendeu um senhor no
Rio de Janeiro. Durante o trajeto, o motorista começou a falar mal das
igrejas evangélicas. O passageiro, segundo narrado no livro, pediu que o
taxista parasse onde estavam, pagou a corrida até aquele ponto e ao
descer do carro teria dito ao motorista: “O senhor está com Deus. Até
bem pouco tempo eu era assaltante de táxi e se não fosse o trabalho da
Universal o senhor seria assaltado por mim e quem sabe não seria até
assassinado.” A ênfase dada ao trabalho com a população carcerária,
segundo o próprio bispo, veio após a sua experiência. No livro, Macedo
revela que, apesar de permanecer 11 dias em uma cela especial, teve que
dormir no chão em um colchonete fino e diz que não sucumbiu graças às
manifestações dos fiéis na porta da delegacia. “Na cadeia o ar pesava. O
cheiro forte incomodava. Foi possível entender a revolta da população
carcerária no Brasil”, afirma o bispo.
Sem nenhum compromisso com a cronologia dos fatos, o bispo conta pela
primeira vez que sofreu bullying na infância em razão de um problema
físico nas mãos. Seus dedos indicadores são tortos, os polegares finos e
todos se movem pouco. “Muitas vezes senti um certo complexo de
inferioridade, me considerava o patinho feio da escola e até da família.
Sempre fui motivo de zombaria. Muitos adultos e meninos da minha idade
me chamavam de dedinho.” O bispo lembra ainda que adolescente chegava a
ironizar os evangélicos da Assembleia de Deus que se reuniam para orar
no campo do São Cristóvão. “Aleluia, aleluia! Como no prato e bebo na
cuia”, gritava o garoto Edir Macedo, enquanto corria de bicicleta ao
redor do culto evangélico e ainda carregava uma medalhinha no pescoço.
No mês que vem, “Nada a Perder” será lançado na Espanha e em
Portugal. Em janeiro, será a vez de França, Estados Unidos, México,
Angola, Moçambique, África do Sul e Inglaterra. Os outros dois livros
autobiográficos serão lançados em 2013 e 2014. No segundo, Edir Macedo
diz que irá revelar as suas relações com os políticos e empresários e,
no último, detalhar a compra da Rede Record.
Confira aqui a entrevista exclusiva com o bispo
Colaborou Natália Martino