Indústria brasileira se prepara para lançar no mercado cópias de drogas de última geração usadas para doenças como câncer e artrite reumatoide. Mas a polêmica é se elas serão tão eficazes quanto as originais
Fabíola Perez, Laura Daudén e Monique OliveiraACORDOS
Odnir, da Bionovis, busca ajuda internacional para fabricar os biossimilares
São medicações caras ? há doses que podem chegar a até R$ 50 mil ? e que, por isso mesmo, têm um impacto de R$ 6 bilhões anuais no orçamento público. Espera-se, portanto, que a queda das patentes abale favoravelmente as contas de planos de saúde e do SUS e torne esses remédios, em geral mais eficazes, acessíveis a uma parcela maior da população.
Porém, o quadro estabelecido denuncia que a questão é mais complexa do que parece. O grande desafio está em saber se as cópias terão a mesma eficácia e segurança que as drogas de referência. Isso porque, neste caso, o processo de produção dos remédios de marca é muito diferente do aplicado para fabricar as drogas convencionais, das quais hoje é possível encontrar seus genéricos nas farmácias.
Como comprovar, então, a eficácia das cópias? Com testes ? incluindo os clínicos ? semelhantes aos feitos para aprovação da droga original, além de um exame de comparabilidade para determinar se sua eficácia é igual ou superior ao de referência. ?Mas a legislação não esclarece se a estrutura molecular do biossimilar deve ser igual à do seu biológico de referência?, diz Denizar Vianna, presidente do Centro Latino-Americano de Pesquisa em Biológicos.
Um dos problemas que podem ocorrer com o uso dos biológicos ? originais ou não ? é a reação descontrolada do sistema imunológico, que pode reconhecê-los como substâncias estranhas. O resultado é a intolerância ao tratamento. Isso é particularmente importante para as doenças que acometem o sistema de defesa, como o linfoma e a leucemia. ?Estamos atentos a tudo o que envolve essas drogas?, diz Merula Steagall, presidente da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia.
A Orygen não anunciou seu investimento e produção. A Bionovis divulgou o investimento de R$ 500 milhões, destinados à produção de cópias do etanercepte, utilizado na artrite reumatoide, e do rituximabe, para o linfoma não Hodgkin. Outras sete drogas estão na lista da companhia. ?Estamos firmando acordos com empresas internacionais que detêm o know-how necessário à produção?, diz Odnir Sinotti, presidente do laboratório. Na opinião de Sarah Rickwood, consultora da IMS, empresa especializada na análise de mercados de saúde, o início da produção no Brasil pode representar um avanço na geração de conhecimento. ?Diferentemente da fabricação dos genéricos, a pesquisa necessária para a fabricação de biossimilares pode ser uma oportunidade para o Brasil produzir, inclusive, drogas melhores do que as originais?, diz.
Algumas iniciativas nesse sentido estão em curso. A Confederação Nacional da Indústria e o Senai fecharam duas parcerias de peso para a formação de profissionais: com o americano Massachusetts Institute of Technology e a alemã Fundação Fraunhofer, instituição de apoio à indústria. No ano que vem, as instituições deverão criar por aqui 23 institutos de inovação em áreas como a biotecnologia. Na mesma linha, o Brasil está firmando convênios com outros países para a transferência de tecnologia, como é o caso dos contratos firmados entre a Fundação Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e o governo cubano para a produção nacional do interferon-alfa, já usado para o tratamento de hepatites virais e alguns tipos de câncer.
Feitas as contas, estima-se que o impacto na redução final nos preços dos biológicos será de 25%, margem bem menor que os quase 80% de diminuição a que chegaram os preços dos genéricos. De toda forma, trata-se de uma redução que, espera-se, beneficiará pacientes como Tatiana Margarida dos Santos, 33 anos, de Curitiba ? desde que as cópias apresentem igual eficácia dos de referência, é claro. Ela tem psoríase (doença crônica inflamatória da pele) e usa o etanercepte. Conseguiu acesso a droga após enfrentar muita burocracia. ?Tinha usado porque fiz parte de um estudo clínico. Porém a pesquisa acabou e havia ficado sem o remédio?, lembra.
Foto: Thiago Bernardes/Frame; Rodrigo Castro; Adriano Machado/Ag. Istoé
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