5.01.2021

À espera de Mourão


Generais críticos a Bolsonaro articulam uma “terceira via” para as eleições de 2022 e não descartam impeachment

 

Em 27 meses no cargo, o general Hamilton Mourão construiu uma trajetória bem diferente da dos vices nos últimos 60 anos. Ele tem atribuições de governo e comanda efetivamente nichos importantes da política ambiental e de relações exteriores. É, por exemplo, mediador de conflitos com a China, processo iniciado com um encontro com o presidente do país, Xi Jinping, em 2019, restabelecendo a diplomacia depois de duros ataques feitos por Jair Bolsonaro ainda na campanha.

 

Mourão esforça-se para não parecer que conspira, mas é visto por militares e especialistas ouvidos pela Agência Pública como um oficial de prontidão diante de uma CPI que pode levar às cordas o presidente Jair Bolsonaro pelos erros na condução da pandemia. 

“Como Bolsonaro virou um estorvo, os generais agora querem colocar o Mourão no governo”, diz o coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Souza, um dos poucos oficiais das Forças Armadas a criticar abertamente o grupo de generais governistas que, na sua visão, “dá as ordens” e sustenta o governo de Bolsonaro.

 

Ex-assessor especial do general Carlos Alberto Santos Cruz na missão de pacificação no Haiti, Jorge de Souza está entre os militares que enxergam o movimento dos generais como uma aposta num eventual impeachment e ascensão de Mourão – que, por sua vez, tem fechado os ouvidos para o canto das sereias. 

 

“Mourão jamais vai ajudar a derrubar Bolsonaro para ocupar a vaga. O que ele pode é não estender a mão para levantá-lo se um fato grave surgir. Honra e fidelidade são coisas muito sérias para Mourão”, diz um general da reserva que conviveu com o vice-presidente, mas pediu para não ter o nome citado.

 

A opção Mourão é tratada com discrição entre os generais que ocupam cargos no governo. Três deles, Braga Netto (Defesa), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional, o GSI) e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil), formam o núcleo duro fechado com o presidente. Os demais, caso a crise política se agrave, são uma incógnita. Mas são vistos como mais acessíveis à influência dos generais da reserva que romperam com Bolsonaro e articulam a formação de uma terceira via pela centro-direita. 

 

Leia: https://apublica.org/2021/04/a-espera-de-mourao/

4.30.2021

Revista Brasil 247




4.29.2021

Eu vigio quem te vigia


O megavazamento de dados de todos os brasileiros vivos e mais 10 milhões de brasileiros que já morreram, revelado no início do ano, chocou muita gente — mas não a mim. Sou Tatiana Dias, Editora Sênior do Intercept e meu trabalho foca especialmente em tecnologia e direitos digitais. Te escrevo hoje para dizer: se eles estão de olho nos seus dados, pode ter certeza, eu e o Intercept estamos de olho neles. 

Mas quem são eles? Ainda não se sabe a origem exata dos vazamentos mais recentes, mas há tempos nós estamos na cola dos poderosos — sejam governos, megacorporações de tecnologia (as big techs, como Facebook e Google) ou parlamentares que definem a regulação do uso dos seus dados digitais.

Pode parecer um papo paranoico, eu sei. Mas o que aconteceu esse ano mostrou o que a gente alerta há tempos: estão rifando a sua privacidade, e isso é um problema concreto. Sabe o que pode acontecer? Criminosos podem usar os seus dados para criar contas falsas. Pedir cartão de crédito em seu nome. Fazer compras. Também podem roubar suas contas: terão todos os dados para isso. Mesmo se você tiver autenticação em dois fatores, eles terão o seu celular – que pode ser clonado para que o SMS de confirmação seja interceptado. Também podem aplicar golpes usando suas informações pessoais – eles saberão tudo sobre você e podem ligar se passando por atendente de uma empresa e terão todo o seu histórico para confirmar. Tudo isso sem mencionar o risco que correm pessoas públicas, políticos, ativistas e comunicadores ameaçados. Suas fotos, endereços, salários: está tudo exposto.

Desde 2018, quando entrei para a equipe do TIB, ganhei total liberdade e incentivo para, com minha bagagem de uma década no jornalismo de tecnologia, destrinchar a legislação e denunciar negligências, abusos e violações nessa área. Também desde 2018, ainda no governo Temer, eu venho denunciando e questionando políticas de dados desastrosas. 

No governo Bolsonaro, os erros na gestão, na legislação e no controle de dados da população (como em todos os outros setores) pioraram: enquanto a Lei Geral de Proteção de dados foi discutida abertamente por oito anos e três governos até ser aprovada, importantes decretos sobre dados receberam a canetada do atual presidente do dia para a noite e criaram, por exemplo, o Cadastro Base do Cidadão (uma megabase sem precedentes de dados da população) e o Comitê Central de Governança de Dados — que influenciam diretamente a sua vida, aumentando o poder de vigilância desse governo sob o pretexto de garantir segurança.

Você pode confiar no Intercept para denunciar esses casos pelo simples fato de que a gente não tem rabo preso com quem se interessa pelos seus dados. Não é uma frase de efeito: com frequência as big techs reúnem veículos de comunicação no entorno de seus projetos. O Intercept nunca está nessas ondas. Eles sabem que o Intercept é treta. Não queremos ser simpáticos: queremos denunciar abusos e defender seus direitos.

Nós não temos e não queremos parcerias nem patrocínios de big techs, governos, empresas de crédito ou seja lá quem esteja interessado nos seus dados. Nós vamos investigá-los e te explicar com cuidado porque é tão importante você proteger sua privacidade. É essa premissa que mantém nossa independência: não temos o dinheiro deles. E é por isso que precisamos da sua força.

Editora Sênior

4.27.2021

A pedra no caminho da milícia

 



Não se começa uma investigação sobre a máfia ingenuamente. Quando o Intercept mergulhou no rastro das milícias do Rio de Janeiro, sabíamos que encontraríamos algo grande e muito perigoso. Mas ninguém na nossa redação tinha ideia do que realmente estava por vir. 

No sábado soltamos a bomba que, até o momento, é o ápice desse trabalho. Essa reportagem sobre as escutas do caso Adriano da Nóbrega é o indício mais concreto até hoje da relação entre Jair Bolsonaro e a fuga do miliciano, chefe do Escritório do Crime. É algo muito sério, mas quero te pedir que não olhe para essa história isoladamente. 

Essa trama começa em 2018 quando publicamos a primeira reportagem sobre a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes. Mostramos, com exclusividade, que a milícia poderia estar envolvida no crime. Aquela matéria de Sérgio Ramalho e Ruben Berta se desdobrou em uma cobertura de 12 capítulos que vai até junho de 2020. Foi assim, na décima reportagem da série, que Adriano da Nóbrega apareceu pela primeira vez no Intercept.

Em abril do ano passado, abrimos uma nova frente nessa investigação e mostramos as evidências que relacionam as rachadinhas do gabinete de Flávio Bolsonaro com os empreendimentos imobiliários da milícia. Adriano está nessa também. Segundo fontes ligadas à investigação do MP ouvidas pelo Intercept, era ele que recebia o dinheiro coletado por Fabrício Queiroz entre integrantes do gabinete e investia em empreendimentos ilegais em comunidades do Rio. O lucro seria dividido entre as partes.

Uma terceira frente de investigação apareceu após o assassinato de Adriano, executado na Bahia em fevereiro do ano passado. O repórter Sérgio Ramalho conseguiu acesso aos relatórios das escutas que a polícia do Rio realizou enquanto investigava o miliciano. Com esse material publicamos novas histórias — e essa do último sábado é a mais importante delas, porque pela primeira vez há indícios fortes que sugerem uma relação entre o presidente Bolsonaro e a fuga de Adriano da Nóbrega.

Você certamente leu nossa reportagem e tem dimensão do significado deste trabalho que o Intercept vem realizando ao longo de três anos. Não é disso que quero tratar. Quero chamar atenção para dois aspectos que não podem passar batido agora. 

A investigação em torno de Adriano da Nóbrega estava parada no Ministério Público do Rio de Janeiro até o início deste ano. Ele morreu em fevereiro de 2020 e depois disso, o processo permaneceu engavetado. O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, o Gaeco, levou 406 dias para denunciar parte da rede de apoio ao miliciano. 

Foi depois que publicamos a segunda matéria sobre as escutas que aconteceu a operação Gárgula. No mesmo dia da publicação da nossa reportagem, o MP denunciou à 1ª Vara Criminal Especializada do Tribunal de Justiça nove dos 32 suspeitos. 

O MP pediu a prisão da companheira do miliciano, Júlia Lotufo, e dos policiais militares Rodrigo Bittencourt Rego e Orelha. No dia seguinte ao pedido de prisão, Orelha sofreu uma emboscada em frente a sua casa e foi morto a tiros de fuzil. Dois dias depois, o coordenador do Gaeco, promotor Bruno Gangoni, aventou a possibilidade de o crime ter sido queima de arquivo. Um dos principais aliados de Adriano, o PM poderia ter informações fundamentais para o desenrolar de investigações relacionadas às rachadinhas no gabinete de Flávio Bolsonaro e à morte de Marielle, em que há fortes suspeitas do envolvimento do Escritório do Crime.

Ou seja, nosso trabalho fez essa investigação andar novamente. Ela não pode parar, porque a milícia está no poder e é preciso muita pressão por parte da sociedade para reagir a isso. 

Há outro aspecto que quero destacar. São três anos de dedicação para trazer a público as relações entre milícia e política. Este trabalho é exaustivo e extremamente perigoso. Ele também é muito caro! O Intercept é uma redação pequena, que não conta com uma rede de investidores ou patrocinadores. Ainda assim, garantimos todos os recursos para que nossos repórteres trabalhem da melhor maneira possível e com segurança.

Entramos nessa sem saber o que nos esperava, mas agora queremos ir ainda mais fundo porque essa é uma investigação decisiva para o futuro do país. Já são 16 reportagens publicadas e nós sabemos o que mais é preciso fazer. 

 
 
Paula Bianch