Não se começa uma investigação sobre a máfia ingenuamente. Quando o Intercept
mergulhou no rastro das milícias do Rio de Janeiro, sabíamos que
encontraríamos algo grande e muito perigoso. Mas ninguém na nossa
redação tinha ideia do que realmente estava por vir.
No
sábado soltamos a bomba que, até o momento, é o ápice desse trabalho.
Essa reportagem sobre as escutas do caso Adriano da Nóbrega é o indício
mais concreto até hoje da relação entre Jair Bolsonaro e a fuga do
miliciano, chefe do Escritório do Crime. É algo muito sério, mas quero
te pedir que não olhe para essa história isoladamente.
Essa
trama começa em 2018 quando publicamos a primeira reportagem sobre a
execução de Marielle Franco e Anderson Gomes. Mostramos, com
exclusividade, que a milícia poderia estar envolvida no crime. Aquela
matéria de Sérgio Ramalho e Ruben Berta se desdobrou em uma cobertura de
12 capítulos que vai até junho de 2020. Foi assim, na décima reportagem
da série, que Adriano da Nóbrega apareceu pela primeira vez no
Intercept.
Em
abril do ano passado, abrimos uma nova frente nessa investigação e
mostramos as evidências que relacionam as rachadinhas do gabinete de
Flávio Bolsonaro com os empreendimentos imobiliários da milícia. Adriano
está nessa também. Segundo fontes ligadas à investigação do MP ouvidas
pelo Intercept, era ele que recebia o dinheiro coletado por Fabrício
Queiroz entre integrantes do gabinete e investia em empreendimentos
ilegais em comunidades do Rio. O lucro seria dividido entre as partes.
Uma
terceira frente de investigação apareceu após o assassinato de Adriano,
executado na Bahia em fevereiro do ano passado. O repórter Sérgio
Ramalho conseguiu acesso aos relatórios das escutas que a polícia do Rio
realizou enquanto investigava o miliciano. Com esse material publicamos
novas histórias — e essa do último sábado é a mais importante delas,
porque pela primeira vez há indícios fortes que sugerem uma relação
entre o presidente Bolsonaro e a fuga de Adriano da Nóbrega.
Você
certamente leu nossa reportagem e tem dimensão do significado deste
trabalho que o Intercept vem realizando ao longo de três anos. Não é
disso que quero tratar. Quero chamar atenção para dois aspectos que não
podem passar batido agora.
A
investigação em torno de Adriano da Nóbrega estava parada no Ministério
Público do Rio de Janeiro até o início deste ano. Ele morreu em
fevereiro de 2020 e depois disso, o processo permaneceu engavetado. O
Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, o Gaeco, levou
406 dias para denunciar parte da rede de apoio ao miliciano.
Foi
depois que publicamos a segunda matéria sobre as escutas que aconteceu a
operação Gárgula. No mesmo dia da publicação da nossa reportagem, o MP
denunciou à 1ª Vara Criminal Especializada do Tribunal de Justiça nove
dos 32 suspeitos.
O
MP pediu a prisão da companheira do miliciano, Júlia Lotufo, e dos
policiais militares Rodrigo Bittencourt Rego e Orelha. No dia seguinte
ao pedido de prisão, Orelha sofreu uma emboscada em frente a sua casa e
foi morto a tiros de fuzil. Dois dias depois, o coordenador do Gaeco,
promotor Bruno Gangoni, aventou a possibilidade de o crime ter sido
queima de arquivo. Um dos principais aliados de Adriano, o PM poderia
ter informações fundamentais para o desenrolar de investigações
relacionadas às rachadinhas no gabinete de Flávio Bolsonaro e à morte de
Marielle, em que há fortes suspeitas do envolvimento do Escritório do
Crime.
Ou seja, nosso trabalho fez essa investigação andar novamente. Ela não pode parar, porque a milícia está no poder e é preciso muita pressão por parte da sociedade para reagir a isso.
Há
outro aspecto que quero destacar. São três anos de dedicação para
trazer a público as relações entre milícia e política. Este trabalho é
exaustivo e extremamente perigoso. Ele também é muito caro! O Intercept é
uma redação pequena, que não conta com uma rede de investidores ou
patrocinadores. Ainda assim, garantimos todos os recursos para que
nossos repórteres trabalhem da melhor maneira possível e com segurança.
Entramos nessa sem saber o que nos esperava, mas agora queremos ir ainda mais fundo porque essa
é uma investigação decisiva para o futuro do país. Já são 16
reportagens publicadas e nós sabemos o que mais é preciso fazer.
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