Não sei qual é o Brasil que William Bonner quer ver, mas certamente não é um em que Fernando Haddad possa responder às suas perguntas. A última da série de entrevistas com presidenciáveis feitas pelo Jornal Nacional (Assista aqui) – abrindo o telejornal e antes que fosse mostrada a pesquisa Datafolha que confirmou o candidato do PT em forte ascensão, já empatado em segundo lugar com Ciro Gomes (mais que triplicando suas intenções de voto de 4% em 22/08 para 13% em 14/09) -, teve jeito de interrogatório. Pior. Dos 27 minutos de entrevista – assisti diversas vezes para cronometrar -, 16 minutos foram com perguntas e interrupções de William e Renata Vasconcellos, sua parceira de palco. 16 minutos! Ou seja, Haddad teve 11 minutos. Em outras palavras, as perguntas e interrupções tomaram 60% do tempo. William Bonner fez 53 interrupções. Renata outras 19. Em diversos momentos falaram ao mesmo tempo que o candidato, impedindo seu raciocínio.
Mas não eram só perguntas. Bonner e sua coadjuvante de bancada no JN fizeram ilações, deram opiniões, citaram números contestáveis, ocuparam o tempo que podiam. Sempre com ar de deboche e colocando-se como porta-voz da verdade, Bonner indignou-se quando, quase perdendo a paciência, Haddad tentou diferenciar denunciado de réu, citando as Organizações Globo e, por exemplo, seus problemas com a Receita Federal.
Mas a palavra, definitivamente, estava com Bonner, que usava frases como “candidato, isso não se sustenta”, desqualificando suas respostas. Renata, por sua vez, interrompeu uma resposta de Haddad, que foi perguntado, de forma grave, sobre uma acusação intempestiva do Ministério Público sobre obras em sua gestão na Prefeitura de São Paulo, afirmando “Acho que o Bonner já está satisfeito com sua resposta”. No que Haddad respondeu: “Mas eu não estou. Quando é sua honra que está em jogo, você decide, quando é a minha, eu decido”. Bonner não se deu por satisfeito. “Essa situação não é criada pela Rede Globo, pela mídia, pela imprensa. Estou oferecendo uma oportunidade para se contrapor a essa evidência”, disse Bonner, sem explicar como “contrapor uma evidência”.
Haddad ainda tentou argumentar. Golpe parlamentar. Pauta bomba. Citou, mais de uma vez, para um Bonner impaciente, a entrevista do ex-presidente do PSDB, Tasso Jereissati, ao Estado de S.Paulo (Leia aqui), reconhecendo que os tucanos cometeram um “conjunto de erros memoráveis” após a eleição de Dilma Rousseff, com reflexos para o próprio PSDB nas eleições deste ano. Entre eles, questionar o resultado eleitoral, votar contra “princípios básicos” na economia, servindo aos interesses do PMDB, e entrar no governo Temer. “Foi a gota d’água, junto com os problemas do Aécio (Neves). Fomos engolidos pela tentação do poder”, disse Tasso.
Bonner, que abanava a cabeça e franzia o semblante a cada resposta, fez as duas perguntas mais longas, que tomaram mais de 3 minutos. Uma para listar o número de ministros do STF, STJ, juizes e desembargadores nomeados por “governos petistas” – como forma de provar sua tese de que a Justiça é isenta. Mais tarde listou as “promessas não cumpridas” de Haddad, uma a uma, número a número. Em determinado momento, Bonner inverteu, literalmente, os papéis, quando falavam de recessão. “Candidato, o sr me fez uma pergunta eu vou responder”, disse o entrevistador, para, mais uma vez, listar dados que, segundo ele, provariam que a recessão começou e se agravou com Dilma – e não nos últimos dois anos de governo Temer-PSDB. “A presidente Dilma deixou o Brasil na crise onde estamos todos hoje mergulhados”, afirmou Renata. “É fato”, afirmou a dupla, quase em coro.
Mas a obsessão era ouvir de Haddad, em nome do PT, o que chamaram de “autocrítica”, “pedido de desculpas ao povo brasileiro pelos bilhões desviados pela corrupção” e “mea culpa”. Bonner, sem power point para ajudar, defendeu a posição dos procuradores de “corrupção sistêmica” engendrada nos “governos petistas”, o que chamou de “evidências”. “Vamos colocar as coisas nos seus devidos lugares”, repetiu. A insistência dos entrevistadores em que Haddad “pedisse perdão” pelos pecados do PT em duas administrações mostrou bem a importância que parecia ter para a Globo qualquer tipo de admissão de culpa genérica às vésperas da eleição. Devem ignorar, por exemplo, que isso poderia ser reproduzido no horário eleitoral dos adversários de campanha.
A justificativa – que ouvi aqui e ali de gente respeitável – de que os apresentadores do Jornal Nacional usaram estilo semelhante com os demais presidenciáveis, usando e abusando da ênfase e das interrupções, não é justificativa, é defesa de um erro. Sem falar na parcialidade. Como jornalista há três décadas, acho um desrespeito perguntar e não deixar o entrevistado responder, como se só valesse o que você quer ouvir, interrompê-lo a todo instante, e fazer, ao vivo, caras e bocas para as respostas. Não foi feita uma única pergunta sobre planos de governo e soluções para a crise. Preferiram insinuar que Haddad era mais um poste de Lula. Podem se surpreender.
Em tempo. Ao apresentar a pesquisa Datafolha, William Bonner cometeu um ato falho. Que corrigiu, constrangidamente, no bloco seguinte: “Deixa eu fazer uma correção. Agora há pouco ao divulgar a pesquisa Datafolha nós dissemos que o candidato Fernando Haddad, do PT, OSCILOU de 9% para 13%. Segundo o Datafolha, como o crescimento se deu fora da margem de erro, a frase correta é: o candidato Fernando Haddad CRESCEU de 9% para 13%. Pelo erro nós pedimos desculpas”. Podia ter aproveitado e pedido desculpas pela entrevista nada jornalística e muito pouco democrática que protagonizou, tão ensaiada que, dessa vez, dispensou até ponto eletrônico.