Pistas não faltam: seja pelo jeito
peculiar com que as famílias vão se transformando, seja pela rotina das
cidades, a evolução dos gostos e preferências das sociedades
Pistas não faltam: seja pelo jeito peculiar com que as famílias vão
se transformando, seja pela rotina das cidades, a evolução dos gostos e
preferências das sociedades, as apostas da ciência ou os caminhos
abertos pela tecnologia, já é possível vislumbrar como será a vida de um
cidadão daqui para a frente. Os sinais estão por aí, como mostram os
especialistas em tendências. E é bom ir se acostumando com as novidades.
Grande parcela da população mundial vai preferir morar sozinha, sem o
apoio de empregados domésticos e sem sofrer com a solidão. A vida social
online será intensa e a vida real, adequada a um mundo de diversidades.
O novo cidadão nem saberá o que é dinheiro de papel e estará livre das
preocupações de armazenar coisas – sejam livros, sejam discos,
documentos pessoais ou até mesmo comida. Ele só tomará remédios
personalizados, mudará costumes e hábitos financeiros para cuidar da
velhice – sua e de seus familiares. Nas páginas seguintes, ISTOÉ detalha
dez das principais tendências que definirão seu novo cotidiano.
1 - Morar Sozinho
Sozinho em um apartamento. Assim viverá grande parcela da população
mundial nas próximas décadas, de acordo com os analistas de tendências. A
largada foi dada pelos países mais ricos, em especial os localizados na
península escandinava. Ali estão os três com mais moradores avulsos do
mundo: Noruega, Finlândia e Dinamarca – em todos, mais de um terço das
casas tem um só habitante. No Brasil, o fenômeno ainda desponta, mas com
bastante vigor. Entre o censo de 2000 e o de 2010, o número total de
moradias com um só habitante subiu 41%. Hoje são cerca de sete milhões
de casas de sozinhos. A equação que explica o fenômeno, seja aqui, seja
na Noruega, tem em sua base três fatores comuns. “São eles a
estabilidade econômica, a independência feminina e a revolução da
comunicação”, disse à ISTOÉ Eric Klinenberg, pesquisador da Universidade
de Nova York e autor do livro “Vivendo Sozinho” (tradução livre,
Editora Penguin, 2012). Nesse somatório, explica Klinenberg, cada
elemento influencia a seu modo. O dinheiro é fundamental para pagar os
custos, que são maiores. A independência feminina permitiu às mulheres
bancar um estilo de vida independente, tornando-as parcela significativa
dessa população. E os meios de comunicação facilitam a convivência,
evitando que os sozinhos se tornem solitários.
Solidão, inclusive, não é boa palavra para
definir essa nova geração de quem mora só. O que se vê nesses lares nem
de longe lembra a imagem estigmatizada da excêntrica tia solteirona sem
amigos e cheia de gatos. “Moro só por opção e nem bicho de estimação
tenho, pois passo quase o dia todo fora”, diz o engenheiro Frederico
Lainer, 30 anos, que vive em um espaçoso quarto e sala na Cidade Baixa,
bairro tradicional de Porto Alegre. Lainer resolveu assumir a casa por
sua conta e risco após um período de vida em comum com uma namorada.
Hoje engrossa a lista dos sozinhos de Porto Alegre, capital brasileira
líder no ranking de gente que vive só. Por lá, 21,4% das residências
abriga um único morador, índice bem acima da média do País, que é de
12,2%. Mas quem imagina que morar só é coisa de jovem, se engana. Os
maiores de 60 anos representam 42% das casas de um único habitante no
Brasil. “O fenômeno ocorre atrelado ao envelhecimento da população”,
afirma a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) Ana Lúcia Sabóia. Mais velhos, com boa saúde e estabilidade
financeira, os idosos têm optado por seguir a vida em suas próprias
casas, bancando as despesas.
Enquanto cada vez mais gente opta por um
estilo de vida sozinho (apenas nos Estados Unidos, 36% de sua população
estará morando só até 2020), teóricos começam a discutir outra faceta
desse fenômeno: sua sustentabilidade. “A quantidade de alimento que se
compra é grande, então se perde muito, sem contar os gastos fixos, como
eletricidade, que não são divididos”, afirma o professor Samy Dana, da
Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Todo esse
consumo concentrado em uma só pessoa tem feito vários pesquisadores
rotularem esse estilo de vida como insustentável em larga escala. O
próprio Dana, porém, faz a defesa de quem mora só e diz que há
necessidade de se estudar melhor o tema. “Se por um lado se gasta mais
eletricidade, de outro se economiza combustível, porque a maior parte
das residências dos sozinhos está nas regiões centrais, então se gasta
menos com deslocamento.” .
2- O fim do dinheiro
Pouco seguro, o dinheiro de papel vislumbra uma derrota cada vez mais
próxima para as novas tecnologias. Com um mercado de pagamentos móveis
com potencial para movimentar US$ 600 bilhões por ano até 2016, nos
cálculos da consultoria Gartner, o celular é a próxima fronteira a ser
explorada pelos bancos (leia reportagem à página 64). Lançado
recentemente pelo governo brasileiro, o Sistema de Pagamento Móvel
promete ser uma alternativa para quem ainda não está incluído no sistema
financeiro, além de reduzir os custos das transações eletrônicas e
aumentar a concorrência, reinventando assim a forma como se utiliza a
moeda no País. As regras do novo marco regulatório serão definidas pelo
Congresso em 2013. O alcance da medida é amplo. Afinal, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 70% dos
brasileiros acima de 10 anos de idade têm celular. A perspectiva da
Federação Brasileira de Bancos (Febraban) é que, até 2018, os aparelhos
móveis tenham o mesmo peso que a internet nas transações bancárias.
Com o avanço da classe média e o aumento da renda da população, a
substituição do papel é resultado direto da expansão dos meios digitais.
Nos últimos cinco anos as movimentações virtuais tornaram a internet o
principal meio para transações financeiras. Segundo a Febraban, o número
correspondeu a 24% do total em 2011 (último dado disponível), enquanto
as transações em terminais de
autoatendimento e agências caíram para 13,5% e 10,9%,
respectivamente. Ao redor do mundo, o dinheiro virtual se transformou
também no principal campo de disputa das gigantes da tecnologia,
sedentas por abocanhar uma fatia de um universo trilionário. Enquanto a
moeda do Facebook, chamada de Facebook Credits, amplia sua função
original de comprar aplicativos e bens virtuais, para se integrar a
promoções de empresas físicas, como lojas e restaurantes, Apple e Google
investem na criação do que chamam de “carteira universal.” Graças a
essa tecnologia, um simples aplicativo de celular vai reunir e armazenar
versões digitais de cartões de crédito, de fidelidade e cupons de
descontos num lugar só.
3- A casa sem empregada
Agências que oferecem serviço eventual de faxineiras. Eletrodomésticos
mais práticos e compactos. Comida congelada e produtos de higiene mais
eficientes e concentrados. Alta expressiva no número de famílias que
optam por diaristas. Vale-tudo para compensar a escassez de empregadas
domésticas mensalistas no Brasil. Cerca de 500 mil mulheres, 10% do
total, largaram a profissão entre 2009 e 2011, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As profissionais que se
ocupavam dos afazeres domésticos tiveram acesso à educação e optaram por
se recolocar em postos de trabalho no setor de comércio e serviços. E o
mercado tem respondido com novos serviços e produtos para suprir os
hábitos das famílias.
De 2000 a 2012, cresceu três vezes e meia o custo de manter uma
funcionária na residência, informa a consultoria econômica LCA, com base
na inflação oficial. Em 2012, o custo do serviço aumentou 12,8%, quase o
dobro da inflação. Para a economista Hildete Pereira de Melo,
especializada no estudo do trabalho doméstico, sem a figura da mulher
contratada para cuidar da casa, as relações familiares tendem a ser mais
igualitárias. As estatísticas, porém, mostram que essa mudança caminha
em ritmo lento. “Em alguns lares, filhos e homens ganham mais
responsabilidades. Mas, na maioria, é a mulher que fica sobrecarregada”,
afirma Alexandre Fraga, sociólogo do trabalho na Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
Mas há transformações em curso. Na casa do professor carioca Cosme da
Cunha, de 36 anos, a esposa, Marta, tem horários mais apertados e ele é
quem dá conta da rotina doméstica e da filha Helena, de 3 anos. Cunha
dá banho e alimenta a menina, que depois passa o dia na escola. Os
adultos cooperam na faxina pesada de acordo com suas aptidões e tempo
livre. “Escolhemos preservar nossa intimidade e segurar as pontas
sozinhos. O lado ruim é ficar mais cansado, mas fazemos tudo
aproveitando a família reunida”, diz. Para poupar tempo, Cunha apela
para a comida congelada e investiu em um congelador avantajado.
Lava-louças, aspiradores de pó e até máquinas que passam roupa entram no
esforço para cortar o tempo gasto com tarefas domésticas. A expectativa
da indústria é de alta de até 30% nas vendas de eletrodomésticos nos
próximos anos. Cresceu também a procura por produtos de limpeza menos
agressivos para quem vai manusear. “As donas de casa não investiam em
tecnologia porque quem cuidava da limpeza era a empregada. Agora, elas
querem fugir das tarefas mais desagradáveis e estão dispostas a pagar
mais por isso”, afirma Maribel Suarez, professora do Centro de Estudos
em Consumo da Coppead/ UFRJ.
4- Comida que não estraga
“Validade: 5 anos após a data de fabricação”. Parece absurdo, mas essa
frase pode estar escrita na embalagem de um sanduíche num futuro não
muito distante. E não estamos falando de comidas desidratadas e sem
gosto. A culinária do futuro visa a estender o tempo que os produtos
podem ficar nas prateleiras dos supermercados, mas sem perder em
nutrientes, textura, aparência e, claro, sabor.
Uma das maiores interessadas no tema é a Nasa. Com a tecnologia
disponível hoje, uma viagem tripulada de ida e volta a Marte levaria
mais de três anos. Assim, um dos maiores desafios da agência espacial
americana será alimentar os astronautas durante o período. “Vamos criar
um menu que dure até cinco anos em temperatura ambiente, sem
refrigeração ou congelamento, pois os equipamentos ocupariam muito
espaço e energia da nave. Estamos investigando o uso de técnicas
alternativas”, explica Grace Douglas, pesquisadora do Projeto de
Tecnologia Avançada de Alimentos da Nasa.
Um dos métodos que mais têm atraído os cientistas é denominado HPP
(sigla em inglês para Processamento por Alta Pressão), que usa pressões
elevadíssimas para matar micro-organismos. “Bombeamos líquido a níveis
muito altos de pressão para o interior de um cilindro especialmente
projetado, no qual está o alimento. A pressão chega ao peso equivalente
exercido por dois elefantes em cima da área de uma moedinha”,
exemplifica Amauri Rosenthal, pesquisador da Embrapa Agroindústria de
Alimentos. Além de exterminar doenças, a técnica preserva os compostos e
as vitaminas.
O Exército americano já usa a tecnologia de alta pressão para
desenvolver o que tem sido chamado de “sanduíche indestrutível”. Com a
meta de produzir alimentos que possam ser carregados pelos soldados em
longas expedições, a principal função do HPP nesse caso é criar uma
barreira contra a umidade e o oxigênio, elementos que tornam o ambiente
propício e agradável para as bactérias. Até o momento, já conseguiram
manter fresco um sanduíche de pepperoni por três anos.
Antes de um produto do tipo ir para as prateleiras, é preciso saber o
que o consumidor pensa. “Um exemplo é o tratamento dos alimentos por
irradiação (processo no qual a comida é tratada com raios gama, raios X
ou feixe de elétrons). Quem vai comprar pode associar esse termo com a
radioatividade e rejeitar o produto, apesar de o procedimento ter sido
considerado seguro por um comitê de especialistas internacionais, não
causando dano à saúde, desde que limitado a certos níveis de
irradiação”, explica Rosenthal.
A alta tecnologia aplicada à conservação de alimentos pode ajudar o
homem a explorar regiões inóspitas da Terra e do espaço. Além disso, se
conseguíssemos diminuir as perdas durante o transporte e o
armazenamento, poderíamos reduzir o desperdício de 1,3 bilhão de
toneladas de comida que acontece todos os anos, de acordo com dados da
ONU. Mas, como toda revolução tecnológica, os alimentos de longuíssima
duração podem encontrar resistência. Afinal, quem se arriscaria hoje a
comer um sanduíche fabricado cinco anos atrás?
5- Vida social online
Não se espante se boa parte dos desejos de um próspero 2013 chegar a
você neste começo de ano pelo Facebook. Ou que as fotos das férias do
seu filho pisquem na tela do seu celular poucos segundos depois que elas
forem tiradas. Acostume-se. A vida social, antes condicionada à
presença física em festas, viagens, passeios e encontros, hoje acontece
cada vez mais no mundo virtual. Com a ajuda das mais populares redes
sociais – como Facebook e Twitter –, as pessoas compartilham de votos de
felicidade a opiniões políticas, de fotos e vídeos de férias a
reclamações de trabalho, de fofocas pessoais a gritos de torcida. E tudo
de forma assustadoramente veloz, com alcance cada vez maior. Em 2012,
por exemplo, 63,9 milhões de brasileiros se identificaram como usuários
de redes sociais, acessando as páginas do computador de casa, do
trabalho e pelo celular. Até 2014, serão pelo menos 79,3 milhões, ou
37,7% da população nacional, segundo dados da consultoria americana
eMarketer. “Todos temos uma necessidade muito grande de pertencer a um
grupo, de nos sentirmos parte de algo”, diz Luciana Ruffo, psicóloga do
Núcleo de Pesquisa de Psicologia em Informática da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Hoje, estar nas redes
sociais é garantir pertencimento a um grupo cada vez maior e mais
influente.”
Com o avanço vertiginoso das redes sociais, não há faixa etária que
fique de fora dessa nova onda. Mas, se as ferramentas são as mesmas para
as diferentes idades, o uso delas é diferente. Entre os mais jovens,
por exemplo, a construção de uma identidade virtual completa, com fotos,
gostos e opiniões, tudo editado para que só o melhor apareça, é a
regra. Já para os mais velhos, reencontrar amigos, manter contato com os
filhos e mostrar as conquistas de uma vida madura parece ser o
comportamento preferido. “Essa diferença pode gerar conflitos”, diz
Luciana. Os maduros costumam implicar com a exposição dos jovens na
rede. Queixar-se da falta de paciência que eles passam a ter com a vida
real, acostumados com a velocidade da vida virtual, é outro problema
comum.
“Lembrar os filhos que, apesar de parecidos, o mundo real e o virtual
são coisas diferentes é importante”, afirma a psicóloga. Não é fácil,
mas há quem consiga. Maria Paula Fernandes, 48 anos, roteirista e
fundadora do Movimento Gota D’Água, é um exemplo. Usuária voraz do
Facebook, ela vive ajudando os sobrinhos a tirarem o melhor das redes
sociais sem confundir as coisas. “Os adultos que já estão nas redes têm
mais condições de dar apoio”, diz. “Como a vida real, a virtual está
cheia de maravilhas e problemas.”
6- Com a cabeça na nuvem
Uma boa memória e uma agenda de papel eram suficientes para armazenar
boa parte das informações que utilizamos com mais frequência. Agora –
com as facilidades oferecidas por computador, celular e ferramentas de
busca –, datas de aniversário, números de telefone e compromissos
migraram para fora de nossa cabeça. Não há consenso científico sobre se
isso é bom ou ruim, mas uma coisa
é certa: a internet está mudando o funcionamento de nosso cérebro. Um
experimento feito na Universidade de Colúmbia (EUA) apontou que as
pessoas fazem menos esforço para memorizar uma informação quando acham
que ela será armazenada no computador. Os pesquisadores notaram que, ao
ouvir uma pergunta, os voluntários pensavam primeiro com quais
mecanismos poderiam ir atrás da resposta. Segundo a psicóloga Betsy
Sparrow, que conduziu o estudo, isso reflete uma falta de necessidade de
decodificar internamente as informações que nos cercam.
Uma alteração, mais química, no cérebro foi diagnosticada por
cientistas da Universidade da Califórnia (EUA). Eles compararam usuários
frequentes de internet com aqueles que não têm familiaridade com a
rede. A pesquisa mostrou que os cérebros dos voluntários do primeiro
grupo foram ativados mais intensamente. “Pesquisar na internet exercita a
mente, e eu especulo que isso seja positivo”, diz o neurocientista Gary
Small, autor principal do estudo.
A rede não necessariamente nos deixa mais burros, mas pode atrapalhar
o aprendizado. “Antes, um aluno lia livros, sublinhava textos, fichava e
anotava. Hoje, faz uma pesquisa no Google, entrega um trabalho e logo
esquece o que escreveu”, diz o psicólogo Eduardo Honorato, professor da
Faculdade Martha Falcão, em Manaus, e especialista em internet. Para
Rosa Maria Farah, coordenadora do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em
Informática da PUC-SP, não é o caso de demonizar a internet. “Ainda
estamos vivendo uma fase de aprendizagem”, diz.
7- Uma medicina feita para você
Você vai ao médico, relata seus sintomas e deixa o consultório com um
pedido de exames tradicionais (colesterol, glicemia, etc.) e outro
solicitando a análise do seu perfil genético. Ele deseja saber como seu
organismo reagirá a determinada droga e se há algo em seu DNA que pode
interferir – para melhor ou para pior – no trabalho a ser feito. Esta
situação é a essência de um novo conceito de cuidado com a saúde chamado
medicina personalizada. Ele consiste no oferecimento de estratégias
desenhadas para o indivíduo de acordo com suas características
genéticas.
A ideia começa a ganhar a prática médica graças aos avanços da
genética, que possibilitam a realização de testes a preços mais
acessíveis. O tratamento do câncer é a área na qual a aplicação do
conceito está mais adiantada. Foi usado pela primeira vez no tratamento
de câncer de mama. Descobriu-se que a droga Herceptin só funcionava nas
mulheres que apresentavam atividade no gene responsável por determinar a
produção da proteína HER-2. Foi criado um teste para selecionar essas
pacientes e usar a medicação somente nos casos em que ela tem efeito.
“Depois, verificou-se que 5% a 10% dos pacientes com tumor de estômago
também manifestam amplificação desse gene”, explicou a médica Isabela
Werneck, do Hospital A. C. Camargo, em São Paulo. E eles passaram a se
beneficiar do Herceptin. Hoje, há outros exemplos: há exames para saber
em que pacientes serão eficazes drogas como o cetuximabe, contra o
câncer colorretal, o bevacizumabe, indicado para combater o tumor de
pulmão, o vemurafenibe, que combate o melanoma, e o crizotinibe,
recomendado contra o câncer de pulmão.
A adoção da medicina personalizada também se intensifica na cardiologia.
Existem testes para saber a resposta individual ao clopidrogel e a
varfarina, usados por doentes cardíacos. E outras possibilidades estão
em estudo. Um artigo publicado por Stephen Liggett, da Universidade do
Sul da Flórida, descreveu como o perfil genético poderá predizer quem se
beneficiará de uma droga para tratar insuficiência cardíaca, o
bucindolol. “O teste nos diz quem irá responder à droga de uma forma
muito favorável e quem não terá reação”, disse Liggett.
Nos laboratórios de diagnóstico, encontram-se testes que rastreiam
reações a uma gama ampla de medicamentos. Um deles, o Amplichip 450,
aponta como será a metabolização de drogas como o carvedilol
(anti-hipertensivo), amitriptilina e paroxetina (antidepressivos) e
fenitoína e diazepan (antiepiléticos). No Richet, do Rio de Janeiro, há
um teste que indica a predisposição a doenças cardiovasculares e a
reação a algumas drogas, principalmente as indicadas para o controle da
pressão arterial. “Com o resultado, há menos risco de indicação de
remédio em dosagem incorreta”, explica Hélio Magarinos Torres Filho,
diretor-médico do laboratório..
O Laboratório SalomãoZoppi Diagnósticos, de São Paulo, em parceria
com o geneticista Ciro Martinhago, oferecerá a partir deste ano o
sequenciamento total do DNA humano feito aqui no Brasil. O processo
reduzirá o tempo de espera para o resultado de cerca de três meses,
quando a análise é feita fora do País, para um mês. Além disso,
introduzirá testes para conhecer as reações de cada um a
anti-inflamatórios e antialérgicos. “Este é o caminho da medicina. Hoje,
as drogas que já passaram por testes que indicam com mais precisão a
quem irão beneficiar têm preferência de aprovação nos Eua”, diz
Martinhago, assessor científico do SalomãoZoppi.
8- O convívio com a diversidade sexual
Não passou despercebida a iniciativa da Rede Globo de mostrar, na final
do reality show “The Voice”, em dezembro do ano passado, imagens da
família da vencedora, Ellen Oléria, com a seguinte legenda: “Mãe e
namorada de Ellen”. A opção por não esconder a identidade sexual da
participante é reflexo da mudança no modo como a sociedade brasileira
lida com a diversidade – um avanço que ocorre a passos rápidos. “Sou
formada em direito e minha monografia, apresentada em 2009, foi sobre a
união homoafetiva”, afirma Rosa Maria Gonzaga Arouche, que acaba de
formalizar seu casamento com Antonieta Cavalcante de Sousa na cidade de
Santos, em São Paulo. “Na hora em que assinei a certidão, três anos
depois, senti toda a emoção de ver o meu trabalho se concretizar.”
A história de Rosa e Antonieta só foi possível porque, em 2011, o
Supremo Tribunal Federal estendeu os direitos da união estável aos
homossexuais. Com esse precedente, uma série de jurisprudências foi
aberta e benefícios como herança, acesso a plano de saúde e pensão
alimentícia se tornaram realidade para essa parcela da população. “O
direito acompanha a evolução da sociedade”, diz Luiz André Sousa Moresi,
presidente da ONG Revida e primeiro a se casar com uma pessoa do mesmo
sexo no Brasil. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência,
no entanto, esse avanço precisa ser acompanhado pelo Poder Legislativo,
onde as principais propostas do movimento gay seguem estancadas, como é
o caso do Projeto de Lei 122, que criminaliza a homofobia. “O
Judiciário tem sido sensível ao princípio da igualdade e o Poder
Executivo tem ampliado as políticas antidiscriminatórias. Mas falta o
pilar do Legislativo”, afirmou a ministra Maria do Rosário à ISTOÉ. Esse
vazio faz com que, apesar de todos os avanços, a violência homofóbica
siga aumentando. Dados do Grupo Gay da Bahia mostram que os assassinatos
de homossexuais subiram de 266 em 2011 para 308 em 2012. Segundo a
Secretaria de Direitos Humanos, as denúncias registradas no Disque 100
aumentaram 197% nos últimos 12 meses. “Trata-se de um segmento muito
vulnerável”, afirma Maria Berenice Dias, presidente da Comissão da
Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
9- O preço da longevidade nas famílias
O Brasil já é uma nação de idosos. “E os estudos apontam que a partir de
2030 a população com mais de 45 anos crescerá”, afirma a economista Ana
Alice Camarano, especialista em longevidade do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada. Se por um lado a convivência entre gerações de uma
mesma família é gratificante, por outro, quando o envelhecimento não
ocorre de forma saudável, é motivo de apreensão. Hoje, por exemplo, 3,1
milhões de idosos brasileiros têm dificuldades de executar as atividades
mais básicas da vida diária, como tomar banho, comer e ir ao banheiro
sozinhos. Os impactos financeiros e emocionais para cuidar deles são
grandes e desgastantes para toda a família.“Um familiar em geral abre
mão da sua vida para assumir o gerenciamento da vida do idoso. As
contas, a compra e a administração dos remédios, as consultas, tudo vira
tarefa dessa pessoa”, afirma o geriatra Saulo Buksman, diretor da
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. O peso é tamanho que
existe até uma doença já descrita com o nome de “estresse do cuidador”.
“Mistura depressão, culpa e raiva. A pessoa tem um estresse muito forte,
que pode induzir a doenças”, diz o médico.
Uma das soluções que vêm ganhando força são as instituições de longa
permanência para idosos. São casas nas quais os mais velhos são
acompanhados por equipes de saúde multidisciplinares, participam de
atividades terapêuticas e desfrutam de acomodações confortáveis. Na
grande maioria delas, o idoso também pode ser deixado durante um período
do dia, como numa creche. Mas o preço é mais alto do que o pedido para
cuidar de crianças: gira em torno dos R$ 4 mil mensais.
Um dos problemas é que as políticas de hoje são voltadas apenas para o
envelhecimento ativo. “Temos academia da terceira idade em cada esquina,
centros de convivência, universidades para idosos, mas estamos deixando
de lado o velho frágil e pobre”, diz a pesquisadora Ana Alice. “E não
temos mais tantos cuidadores familiares. As famílias estão diminuindo e
as mulheres hoje participam ativamente do mercado de trabalho. Elas não
podem mais ficar em casa”, afirma. A especialista defende que seja dada
uma compensação financeira ao parente que se dedique ao cuidado do
idoso, já que muitos saem do mercado de trabalho para isso.
Foi o caso da empresária Mariana Lima, 32 anos, que teve de fechar a
empresa de marketing para cuidar de uma tia de 80 anos, que sofre de
Alzheimer. “Ela ficava agitada em casa. Dizia que não era a casa dela e
queria fugir”, conta a empresária. Mariana banca parte das despesas da
tia, já que a pensão que ela recebe é insuficiente. “Somente um dos
remédios custa R$ 400. E ainda pago R$ 1.808,33 de plano de saúde”, diz.
10- A imortalidade dos ídolos
Antes de morrer, o popstar Michael Jackson estava à beira da falência.
No ano passado, contudo, ele foi o cantor morto com o maior rendimento
no show business: faturou US$ 145 milhões. Se essa cifra prova que as
chamadas “delebs” (celebridades falecidas) continuam vivas na memória de
seus fãs, uma nova tecnologia veio mostrar que elas podem ser imortais:
o holograma. A família Jackson já declarou que uma cópia digital do Rei
do Pop está em estudo para uma turnê este ano, numa lista que inclui
Elvis Presley, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Freddie Mercury, Kurt Cobain e
até Marilyn Monroe. No Brasil, um Cazuza versão digital está sendo
feito pela empresa francesa 4DMotion para um show em comemoração aos
seus 55 anos, em abril. “Temos de admitir que hoje a definição de
carreira não se refere apenas ao período em que o artista era vivo”,
afirma Mark Roesler, um dos maiores agentes desse segmento.
Tentativas de “ressurreição” de astros pop já vinham acontecendo há
mais de uma década, mas só mostrou seu incrível resultado no início do
ano passado, com a apresentação do rapper Tupac Shakur no festival
Coachella, nos EUA. Seu “ersatz” foi desenvolvido por meio de um método
revolucionário: uma pessoa com físico semelhante ao do cantor repete
seus gestos e é gravada segundo a técnica de animação “motion capture”;
na sequência, um rosto idêntico ao dele é criado digitalmente a partir
de fotos e imagens de arquivo. Isso havia sido feito no cinema em filmes
como “O Senhor dos Anéis” e “O Curioso Caso de Benjamin Button”. Agora
chega aos shows. Para se reproduzir ao vivo, a apresentação pré-gravada
do cantor é projetada em um espelho no piso do palco e refletida numa
tela especial de poliéster Mylar.
A próxima etapa é fazer a projeção em formato 3D, dispensando a tela e
permitindo que o astro se movimente em todas as direções. “Esse é só o
primeiro passo. Eles vão chegar lá”, diz o empresário Rafael Reisman,
que trouxe ao Brasil as apresentações virtuais (só que ainda em telão)
de Elvis Presley, todas com lotação esgotada. Outro fator que vai
revolucionar o mercado de shows no futuro é que a cópia virtual custa
menos que um popstar real: a criação do Tupac Shakur holográfico ficou
entre US$ 100 mil e US$ 400 mil e pode fazer infinitos shows. Já o cachê
cobrado por um popstar do nível de Paul McCartney, por exemplo, chega a
US$ 4 milhões por apresentação.
Foto: Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Ilustração: daniel rosini. foto: Jon Feingersh/getty images
Fotos: Nick Veasey, Eric Audras – getty images
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