A ofensiva atual foi provocada por Netanyahu para
perpetuar o status quo e impedir a formação de um Estado palestino. Vai
dar certo a longo prazo?
Gil Cohen Magen / AFP
Após
voltarem de combate na Faixa de Gaza, soldados israelenses fazem
manutenção em tanque de guerra Merkava, na fronteira de Israel, na
quarta-feira 30
Quem acompanha minimamente o
noticiário internacional e já ouviu falar do conflito entre Israel e os
palestinos conhece a versão segundo a qual a culpa pela violência é das
duas partes. Esta explicação já foi verdadeira, como comprovam os abusos
cometidos de parte a parte ao longo do último século, mas a cada nova
crise ela se enfraquece. O passar do tempo tem tornado óbvia a
responsabilidade maior de Israel pela perpetuação da tragédia. A atual
ofensiva, aberta em 8 de julho com o início da operação Protective Edge
(Borda Protetora), escancara a intenção israelense de, custe o que
custar, levantar barreiras à formação do Estado palestino.
O Hamas, alvo da atual operação militar israelense, tem suas mãos repletas de sangue. O grupo realizou inúmeros ataques em Israel ao longo de sua história e, recentemente, se notabilizou pelo lançamento indiscriminado de foguetes contra alvos civis. Em seus documentos oficiais o Hamas se revela antissemita e prega a destruição de Israel. Diante desses fatos, a simples existência desta facção militante causa engulhos em muitos israelenses, mas o caminho para a paz passa, necessariamente, pelo Hamas. Como afirmava Moshe Dayan, histórico líder político e militar de Israel, a paz não se faz com amigos, mas com os inimigos.
Há pelo menos dois anos, analistas avaliam que o Hamas pode estar moderando suas posições, ainda que por meio de canais informais, como declarações públicas, e não por documentos oficiais. Entrevistas recentes de Khaled Meshaal, o líder do Hamas, exilado no Catar, dão força a essa possibilidade. No domingo 27, Meshaal foi o entrevistado do programa Face The Nation, da rede de tevê norte-americana CBS. Ele negou o antissemitismo e se disse pronto para coexistir com os judeus. Questionado repetidas vezes pelo entrevistador sobre a possibilidade de reconhecer a existência de Israel, afirmou: "Quando tivermos o Estado palestino, então o Estado palestino vai decidir as suas políticas. O povo palestino poderá dar sua opinião quando tiver seu próprio Estado, sem ocupação". Diante do histórico do Hamas é compreensível a desconfiança sobre a sinceridade de seu líder, mas, existisse hoje em Israel um governo disposto a lutar pela resolução do conflito, ele se agarraria à frase com força, porque, ao cogitar a possibilidade do reconhecimento de Israel, Meshaal provavelmente fez o maior aceno à paz por parte do Hamas.
O encerramento da questão palestina, no entanto, não é intenção do governo israelense. Isso fica claro quando se percebe que as hostilidades atuais foram provocadas deliberadamente por Israel.
Uma guerra provocada
Em abril deste ano, o Hamas e o Fatah, grupo secular que controla a Cisjordânia, assim como a Organização para a Libertação da Palestina e a Autoridade Palestina, entidades reconhecidas internacionalmente, chegaram a um histórico acordo para formar um governo de coalizão. Os dois grupos estavam divididos desde 2007, quando uma guerra civil palestina eclodiu após o Hamas ganhar as eleições parlamentares de 2006 e ser proibido de assumir o governo por Israel e pelas potências ocidentais. No acerto deste ano, o Hamas mostrou o desespero provocado pelo isolamento em que se encontra. O grupo abriu mão daquela vitória eleitoral e entregou a autoridade sobre os palestinos integralmente nas mãos de Mahmoud Abbas, o chefe da OLP e da AP. Em troca, o novo governo passaria a pagar os salários dos 43 mil funcionários da administração criada pelo Hamas e Israel e o Egito aliviariam o bloqueio terrestre, aéreo e naval responsável por transformar a Faixa de Gaza em um gueto no qual cerca de 1,7 milhão de pessoas vivem em condições precárias. Como afirmou Nathan Thrall, analista do International Crisis Group, no jornal The New York Times, Israel dinamitou o acordo de coalizão ao não abrir as fronteiras e impedir o pagamento dos salários. Antes, o governo de Benjamin Netanyahu afirmou que jamais negociaria com o Hamas, atacou a Faixa de Gaza e manteve a construção de assentamentos na Cisjordânia.
Apesar das ações de Israel, havia uma grande pressão dos Estados Unidos e da União Europeia para que o governo israelense negociasse seriamente. Em junho, veio a tábua de salvação para Netanyahu.
No dia 12 daquele mês, três adolescentes israelenses, Naftali Fraenkel, Gilad Shaer e Eyal Yifrah, desapareceram em Gush Etzion, assentamento na Cisjordânia. Logo após o sequestro havia indicações de que os três tinham sido assassinatos. O carro usado no crime foi encontrado, com marcas de sangue e buracos de balas. Mais importante, a polícia israelense tinha a gravação de uma ligação feita por um dos garotos ao serviço de emergência, no qual ficava claro que ele tinha sido baleado.
O governo de Israel, no entanto, proibiu a divulgação do áudio por parte das autoridades policiais e da imprensa. Ao mesmo tempo, iniciou uma campanha intitulada "tragam nossos garotos de volta", apoiada por parte da imprensa, que aderiu mesmo sabendo do conteúdo da gravação. Netanyahu também anunciou, sem provas, que o sequestro teria sido realizado pelo Hamas. Na "busca" pelos garotos, Israel cercou a cidade de Hebron, demoliu residências, prendeu centenas de palestinos, dezenas deles integrantes do Hamas, e matou cerca de dez pessoas.
O resultado do estratagema foi uma impressionante onda de xenofobia anti-árabe em Israel, que culminou com o brutal assassinato de Mohamed Abu Khdeir, adolescente de 17 anos queimado vivo por extremistas israelenses. O plano do governo Netanyahu parece ter servido também para, como cogitou o jornalista israelense Raviv Drucker, galvanizar o sentimento anti-Hamas em Israel e gerar apoio à ofensiva contra o grupo militante na Faixa de Gaza. Em retaliação aos atos de Israel na Cisjordânia, o Hamas voltou a lançar foguetes contra alvos israelenses. Assim começou a operação Borda Protetora. Hoje, o apoio a ela é tão firme que a revelação, feita pelo chefe de polícia de Israel, Mickey Rosenfield, a Jon Donnison, da BBC, de que o Hamas não foi responsável pelo sequestro, teve repercussão mínima em Israel.
Israel não quer a paz
A operação atual é a terceira de Israel desde 2008 e segue um comportamento batizado com o tétrico nome de "cortar a grama". De tempos em tempos, Israel ataca a região, matando pessoas e destruindo a infraestrutura do Hamas, de forma a aleijar temporariamente o grupo palestino. Por trás das operações regulares está, como explica Zack Beauchamp em análise no site norte-americano Vox, o entendimento de que Israel não poderá destruir por completo o Hamas. Como a grama, a facção palestina vai voltar a crescer até ser "aparada" novamente.
Há outros dois motivos para Israel não realizar uma ação decisiva contra o Hamas. Em primeiro lugar, o grupo é mais moderado que as outras várias facções atuantes na Faixa de Gaza. Assim, manter o Hamas como principal adversário é importante para não piorar a situação. Em segundo lugar, o Hamas, com seu radicalismo, fornece os pretextos perfeitos para Israel não contribuir para o avanço das negociações com os palestinos. Quando o grupo não gera essas justificativas, o governo israelense as fabrica.
O "corte de grama" é parte central do objetivo do governo de Netanyahu e da coalizão de direita e extrema-direita que ele lidera: manter o impasse atual para sempre, sem anexar por completo os territórios palestinos e, muito menos, sem contribuir para a criação de um Estado palestino. A intenção é antiga e antecede a chegada de Netanyahu ao poder. Como lembrou Mouin Rabbani em recente artigo no London Review of Books, em 2004, um ano antes de o governo de Ariel Sharon desocupar a Faixa de Gaza, Dov Weisglass, conselheiro do então premier, afirmou ao jornal Haaretz que o intuito da saída da Faixa de Gaza era "congelar o processo de paz". "Quando você congela esse processo, você previne o estabelecimento de um Estado palestino, e previne a discussão sobre os refugiados, as fronteiras e Jerusalém", afirmou Weisglass. "Efetivamente, todo este pacote chamado Estado palestino, com tudo o que ele implica, foi removido indefinidamente de nossa agenda".
Até 2009, Netanyahu era, assim como seu partido, o Likud, contra a chamada solução de dois Estados – Israel e Palestina. Naquele ano, sob pressão de um Barack Obama recém-empossado, Bibi fez um famoso discurso na Universidade Bar Ilan no qual se disse favorável a um Estado palestino, desde que desmilitarizado. No último 12 de julho, Netanyahu aparentemente reverteu sua posição, ao afirmar em uma entrevista coletiva que jamais aceitará um Estado palestino completamente soberano. As declarações parecem semelhantes, mas a segunda carrega um peso significativo pois rechaça de antemão a demanda palestina por um país próprio.
Há um componente ideológico na recusa de Netanyahu a um Estado Palestino, mas a questão estratégica é mais decisiva. Conceder soberania aos palestinos na Cisjordânia seria abrir a possibilidade de a maior cidade israelense, Tel Aviv, ficar a menos de 20 quilômetros de um exército adversário que teria, também, capacidade para dividir o estreito Estado de Israel ao meio. Barrar a fundação da Palestina é, aos olhos de Netanyahu, garantir a sobrevivência de Israel. Se o objetivo implica em um sofrimento acintoso para os palestinos, isso não diz respeito a Israel, acredita o premier.
Esta forma de pensar é amplamente popular hoje em Israel. Após o fracasso do processo de paz da década de 1990, que culminou com a segunda intifada (2000 a 2005) e uma série de atentados terroristas em cidades israelenses, a direita e a extrema-direita se fortaleceram. Questionar a ocupação da Cisjordânia e a violência empregada contra a Faixa de Gaza se tornaram causas praticamente perdidas, para não dizer perigosas a seus defensores.
Apesar de ter conseguido convencer boa parte da população, o expediente usado por Netanyahu é perigoso para Israel, pois o status quo não poderá ser sustentado por muito tempo. George Friedman, da Stratfor, afirma que é muito mais fácil vislumbrar episódios prejudiciais a Israel no futuro do Oriente Médio do que favoráveis. Assim, um acordo arriscado com os palestinos, mesmo inviável politicamente, seria prudente pensando no futuro. Netanyahu e muitos outros líderes não raciocinam desta forma. Como afirmou o ex-líder do Shin Bet Abraham Shalom no documentário The Gatekeepers, as forças de segurança israelenses não têm estratégia, apenas tática.
Hoje, Israel possui acordos de paz com a Jordânia e o Egito. Se fizesse o mesmo com os palestinos, poderia garantir sua segurança no longo prazo. A opção por manter uma ocupação ilegal e draconiana, impondo um sofrimento desumano a quatro gerações de palestinos, só faz fomentar o ódio em suas fronteiras. Mais que isso, ao acumular atrocidades impressionantes para "cortar a grama" na Faixa de Gaza e manter o status quo, Israel se isola internacionalmente e coloca em risco sua própria legitimidade. A magistral força militar e a habilidosa classe política parecem estar alimentando o sonho de uma segurança eterna para Israel. Se os israelenses não entenderem a realidade, vão sair do sonho diretamente para um pesadelo. Talvez mais rápido do que imaginam.
O Hamas, alvo da atual operação militar israelense, tem suas mãos repletas de sangue. O grupo realizou inúmeros ataques em Israel ao longo de sua história e, recentemente, se notabilizou pelo lançamento indiscriminado de foguetes contra alvos civis. Em seus documentos oficiais o Hamas se revela antissemita e prega a destruição de Israel. Diante desses fatos, a simples existência desta facção militante causa engulhos em muitos israelenses, mas o caminho para a paz passa, necessariamente, pelo Hamas. Como afirmava Moshe Dayan, histórico líder político e militar de Israel, a paz não se faz com amigos, mas com os inimigos.
Há pelo menos dois anos, analistas avaliam que o Hamas pode estar moderando suas posições, ainda que por meio de canais informais, como declarações públicas, e não por documentos oficiais. Entrevistas recentes de Khaled Meshaal, o líder do Hamas, exilado no Catar, dão força a essa possibilidade. No domingo 27, Meshaal foi o entrevistado do programa Face The Nation, da rede de tevê norte-americana CBS. Ele negou o antissemitismo e se disse pronto para coexistir com os judeus. Questionado repetidas vezes pelo entrevistador sobre a possibilidade de reconhecer a existência de Israel, afirmou: "Quando tivermos o Estado palestino, então o Estado palestino vai decidir as suas políticas. O povo palestino poderá dar sua opinião quando tiver seu próprio Estado, sem ocupação". Diante do histórico do Hamas é compreensível a desconfiança sobre a sinceridade de seu líder, mas, existisse hoje em Israel um governo disposto a lutar pela resolução do conflito, ele se agarraria à frase com força, porque, ao cogitar a possibilidade do reconhecimento de Israel, Meshaal provavelmente fez o maior aceno à paz por parte do Hamas.
O encerramento da questão palestina, no entanto, não é intenção do governo israelense. Isso fica claro quando se percebe que as hostilidades atuais foram provocadas deliberadamente por Israel.
Uma guerra provocada
Em abril deste ano, o Hamas e o Fatah, grupo secular que controla a Cisjordânia, assim como a Organização para a Libertação da Palestina e a Autoridade Palestina, entidades reconhecidas internacionalmente, chegaram a um histórico acordo para formar um governo de coalizão. Os dois grupos estavam divididos desde 2007, quando uma guerra civil palestina eclodiu após o Hamas ganhar as eleições parlamentares de 2006 e ser proibido de assumir o governo por Israel e pelas potências ocidentais. No acerto deste ano, o Hamas mostrou o desespero provocado pelo isolamento em que se encontra. O grupo abriu mão daquela vitória eleitoral e entregou a autoridade sobre os palestinos integralmente nas mãos de Mahmoud Abbas, o chefe da OLP e da AP. Em troca, o novo governo passaria a pagar os salários dos 43 mil funcionários da administração criada pelo Hamas e Israel e o Egito aliviariam o bloqueio terrestre, aéreo e naval responsável por transformar a Faixa de Gaza em um gueto no qual cerca de 1,7 milhão de pessoas vivem em condições precárias. Como afirmou Nathan Thrall, analista do International Crisis Group, no jornal The New York Times, Israel dinamitou o acordo de coalizão ao não abrir as fronteiras e impedir o pagamento dos salários. Antes, o governo de Benjamin Netanyahu afirmou que jamais negociaria com o Hamas, atacou a Faixa de Gaza e manteve a construção de assentamentos na Cisjordânia.
Apesar das ações de Israel, havia uma grande pressão dos Estados Unidos e da União Europeia para que o governo israelense negociasse seriamente. Em junho, veio a tábua de salvação para Netanyahu.
No dia 12 daquele mês, três adolescentes israelenses, Naftali Fraenkel, Gilad Shaer e Eyal Yifrah, desapareceram em Gush Etzion, assentamento na Cisjordânia. Logo após o sequestro havia indicações de que os três tinham sido assassinatos. O carro usado no crime foi encontrado, com marcas de sangue e buracos de balas. Mais importante, a polícia israelense tinha a gravação de uma ligação feita por um dos garotos ao serviço de emergência, no qual ficava claro que ele tinha sido baleado.
O governo de Israel, no entanto, proibiu a divulgação do áudio por parte das autoridades policiais e da imprensa. Ao mesmo tempo, iniciou uma campanha intitulada "tragam nossos garotos de volta", apoiada por parte da imprensa, que aderiu mesmo sabendo do conteúdo da gravação. Netanyahu também anunciou, sem provas, que o sequestro teria sido realizado pelo Hamas. Na "busca" pelos garotos, Israel cercou a cidade de Hebron, demoliu residências, prendeu centenas de palestinos, dezenas deles integrantes do Hamas, e matou cerca de dez pessoas.
O resultado do estratagema foi uma impressionante onda de xenofobia anti-árabe em Israel, que culminou com o brutal assassinato de Mohamed Abu Khdeir, adolescente de 17 anos queimado vivo por extremistas israelenses. O plano do governo Netanyahu parece ter servido também para, como cogitou o jornalista israelense Raviv Drucker, galvanizar o sentimento anti-Hamas em Israel e gerar apoio à ofensiva contra o grupo militante na Faixa de Gaza. Em retaliação aos atos de Israel na Cisjordânia, o Hamas voltou a lançar foguetes contra alvos israelenses. Assim começou a operação Borda Protetora. Hoje, o apoio a ela é tão firme que a revelação, feita pelo chefe de polícia de Israel, Mickey Rosenfield, a Jon Donnison, da BBC, de que o Hamas não foi responsável pelo sequestro, teve repercussão mínima em Israel.
Israel não quer a paz
A operação atual é a terceira de Israel desde 2008 e segue um comportamento batizado com o tétrico nome de "cortar a grama". De tempos em tempos, Israel ataca a região, matando pessoas e destruindo a infraestrutura do Hamas, de forma a aleijar temporariamente o grupo palestino. Por trás das operações regulares está, como explica Zack Beauchamp em análise no site norte-americano Vox, o entendimento de que Israel não poderá destruir por completo o Hamas. Como a grama, a facção palestina vai voltar a crescer até ser "aparada" novamente.
Há outros dois motivos para Israel não realizar uma ação decisiva contra o Hamas. Em primeiro lugar, o grupo é mais moderado que as outras várias facções atuantes na Faixa de Gaza. Assim, manter o Hamas como principal adversário é importante para não piorar a situação. Em segundo lugar, o Hamas, com seu radicalismo, fornece os pretextos perfeitos para Israel não contribuir para o avanço das negociações com os palestinos. Quando o grupo não gera essas justificativas, o governo israelense as fabrica.
O "corte de grama" é parte central do objetivo do governo de Netanyahu e da coalizão de direita e extrema-direita que ele lidera: manter o impasse atual para sempre, sem anexar por completo os territórios palestinos e, muito menos, sem contribuir para a criação de um Estado palestino. A intenção é antiga e antecede a chegada de Netanyahu ao poder. Como lembrou Mouin Rabbani em recente artigo no London Review of Books, em 2004, um ano antes de o governo de Ariel Sharon desocupar a Faixa de Gaza, Dov Weisglass, conselheiro do então premier, afirmou ao jornal Haaretz que o intuito da saída da Faixa de Gaza era "congelar o processo de paz". "Quando você congela esse processo, você previne o estabelecimento de um Estado palestino, e previne a discussão sobre os refugiados, as fronteiras e Jerusalém", afirmou Weisglass. "Efetivamente, todo este pacote chamado Estado palestino, com tudo o que ele implica, foi removido indefinidamente de nossa agenda".
Até 2009, Netanyahu era, assim como seu partido, o Likud, contra a chamada solução de dois Estados – Israel e Palestina. Naquele ano, sob pressão de um Barack Obama recém-empossado, Bibi fez um famoso discurso na Universidade Bar Ilan no qual se disse favorável a um Estado palestino, desde que desmilitarizado. No último 12 de julho, Netanyahu aparentemente reverteu sua posição, ao afirmar em uma entrevista coletiva que jamais aceitará um Estado palestino completamente soberano. As declarações parecem semelhantes, mas a segunda carrega um peso significativo pois rechaça de antemão a demanda palestina por um país próprio.
Há um componente ideológico na recusa de Netanyahu a um Estado Palestino, mas a questão estratégica é mais decisiva. Conceder soberania aos palestinos na Cisjordânia seria abrir a possibilidade de a maior cidade israelense, Tel Aviv, ficar a menos de 20 quilômetros de um exército adversário que teria, também, capacidade para dividir o estreito Estado de Israel ao meio. Barrar a fundação da Palestina é, aos olhos de Netanyahu, garantir a sobrevivência de Israel. Se o objetivo implica em um sofrimento acintoso para os palestinos, isso não diz respeito a Israel, acredita o premier.
Esta forma de pensar é amplamente popular hoje em Israel. Após o fracasso do processo de paz da década de 1990, que culminou com a segunda intifada (2000 a 2005) e uma série de atentados terroristas em cidades israelenses, a direita e a extrema-direita se fortaleceram. Questionar a ocupação da Cisjordânia e a violência empregada contra a Faixa de Gaza se tornaram causas praticamente perdidas, para não dizer perigosas a seus defensores.
Apesar de ter conseguido convencer boa parte da população, o expediente usado por Netanyahu é perigoso para Israel, pois o status quo não poderá ser sustentado por muito tempo. George Friedman, da Stratfor, afirma que é muito mais fácil vislumbrar episódios prejudiciais a Israel no futuro do Oriente Médio do que favoráveis. Assim, um acordo arriscado com os palestinos, mesmo inviável politicamente, seria prudente pensando no futuro. Netanyahu e muitos outros líderes não raciocinam desta forma. Como afirmou o ex-líder do Shin Bet Abraham Shalom no documentário The Gatekeepers, as forças de segurança israelenses não têm estratégia, apenas tática.
Hoje, Israel possui acordos de paz com a Jordânia e o Egito. Se fizesse o mesmo com os palestinos, poderia garantir sua segurança no longo prazo. A opção por manter uma ocupação ilegal e draconiana, impondo um sofrimento desumano a quatro gerações de palestinos, só faz fomentar o ódio em suas fronteiras. Mais que isso, ao acumular atrocidades impressionantes para "cortar a grama" na Faixa de Gaza e manter o status quo, Israel se isola internacionalmente e coloca em risco sua própria legitimidade. A magistral força militar e a habilidosa classe política parecem estar alimentando o sonho de uma segurança eterna para Israel. Se os israelenses não entenderem a realidade, vão sair do sonho diretamente para um pesadelo. Talvez mais rápido do que imaginam.