Senador Lindbergh Farias (PT-RJ) afirmou nesta quinta-feira,
1º, durante debate sobre o projeto de lei que pune juízes e procuradores
por abuso de autoridade, que o juiz federal Sérgio Moro, da Lava Jato,
também presente no Senado, "não está acima da lei"; "Não é sensato nem
democrático considerar que uma tentativa de impedir um desequilíbrio na
República, garantindo que todos sejam iguais perante a lei, é 'uma
tentativa de controlar as investigações', como afirma Moro", disse;
Lindbergh ainda questionou: "O senhor fala muito dos EUA, imagina um
juiz de primeira instância do Texas gravar e divulgar conversa entre
Clinton e Obama. O que aconteceria com ele?"; vídeo
247 - O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) questionou
nesta quinta-feira, 1º, durante debate sobre o projeto de lei que pune
abuso de autoridade, o juiz federal Sérgio Moro. "O senhor não está
acima da lei", disse o senador ao magistrado, que participava do debate
no Senado.
"Não é sensato nem democrático considerar que uma tentativa de
impedir um desequilíbrio na República, garantindo que todos sejam iguais
perante a lei, é 'uma tentativa de controlar as investigações', como
afirma Moro", disse Lindbergh.
Lindbergh também questionou o juiz Sérgio Moro sobre o que
aconteceria se um juiz de primeira instância do Texas gravasse e
divulgasse para a imprensa uma conversa telefônica entre Bill Clinton e
Barack Obama.
Veja vídeo:
Leia reportagem do Infomoney sobre o assunto:
Em meio a um clima de tensão entre os
poderes Legislativo e Judiciário, o Senado realizou, nesta
quinta-feira, debate público sobre projeto de lei que tramita na casa e
trata da tipificação de crimes de abuso de autoridade cometidos por
magistrados e procuradores. Participaram como convidados da discussão os
juízes federais Silvio da Rocha e Sergio Moro, além do ministro do
Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral,
Gilmar Mendes. Após a exposição dos convidados, a sessão foi aberta à
participação dos parlamentares. O clima esquentou na vez de Lindbergh
Farias (PT-RJ), que usou seu tempo para defender o projeto e questionar
possíveis abusos cometidos por Moro na condução do processo da Lava Jato
na 13ª Vara Federal de Curitiba, sobretudo no caso envolvendo o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O magistrado disse que não
poderia comentar os casos envolvendo o processo, mas respondeu o senador
dizendo que o projeto em discussão seria uma afronta às investigações.
Confira a transcrição de parte da discussão:
Senador Lindbergh Farias (PT-RJ): Uma lei contra
abuso de autoridade no Brasil é uma necessidade, e, por isso, acho que
esse é o momento de discuti-la. Mais do que uma necessidade, uma nova de
abuso de autoridade é uma urgência. Diariamente, o povo brasileiro
sofre na pele o abuso de autoridade. Segundo dados do CNJ, 21 mil casos
de abuso de autoridade foram catalogados em 2015. Ontem, teve aqui a
votação da audiência de custódia. Nós temos 600 mil presos. Destes, 240
mil em prisão preventiva – e a sorte é que o CNJ implantou a audiência
de custódia, porque, antes dela, existia prisão em flagrante, o preso
demorava uma média de seis meses para ser levado ao juiz. Vossa
excelência também falou da violência. Fui o relator da CPI sobre
assassinato de jovens. Há um verdadeiro genocídio no país. Morrem 59 mil
por ano assassinadas, metade jovens, 77% jovens, negros, moradores das
periferias. E lá, como bem falou vossa excelência, não tem mandado de
busca e apreensão para entrar na porta da casa do cidadão morador na
favela, é pé na porta.
Trago aqui as palavras de Pedro Aleixo a Costa e Silva no dia da
assinatura do AI-5. Disse ele: "o problema de uma lei assim não é o
senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda
da esquina". Agora, na minha avaliação, tem que haver abuso de
autoridade para todo mundo: polícia, deputado, senador... e também para o
Ministério Público e o Judiciário. Impressiona algumas corporações
entrarem nesse debate dizendo o seguinte: "não. Ministério Público e o
Judiciário ficam fora do abuso de autoridade". Impressiona também
algumas entidades de classe dizerem que é ataque ao Judiciário quando
aqui foi formada uma comissão de senadores para discutir salários acima
do teto. Tem desembargador e juiz ganhando R$ 90/100 mil. Isso não é
ataque ao Judiciário. Agora, a discussão não é abuso de autoridade
tirando Ministério Público e Poder Judiciário. A discussão tinha que ser
outra. Tinha que ser: como construir uma lei de abuso de autoridade que
não atrapalhe as investigações. É a isso que nós devemos nos deter
aqui.
Conversei com os membros do Ministério Público e concordo com eles
quando dizem o seguinte: "Olha, o Ministério Público é responsável por
abrir o inquérito. Se eu não consigo colher provas mais à frente para
apresentar uma denúncia...". Ele não pode ser responsabilizado, porque
ele está trabalhando inicialmente com indícios.
Eu falo aqui porque nós queremos investigações amplas neste país.
Agora, investigações dentro da lei, respeitando a Constituição. E falo
isso com a autoridade de fazer parte de um partido que é muito atacado,
mas a gente não teria essa legislação de combate às investigações sem os
governos dos presidentes Lula e Dilma. A lei de organizações
criminosas, e aí tem delações; a lei de transparência, a lei de acesso à
informação; a constituição do CGU, a nomeação do promotor do Ministério
Público mais votado. Porque antes, lembro-me na época do Fernando
Henrique Cardoso: tinha o "Engavetador-Geral da República". O Brindeiro
foi o 7º votado. Não. Com nós, é autonomia do Ministério Público plena,
colocando o mais votado. As operações da Polícia Federal: em 8 anos de
governo Fernando Henrique Cardoso, foram 48, seis por ano. Nós
aparelhamos a PF e saltou de uma média de 6 por ano para 385. Por isso,
eu digo: nós queremos investigação, mas tem que ter o respeito à lei e à
Constituição.
Nos impressiona e preocupa a generalização de medidas e exceção, o
uso abusivo de prisões preventivas para forçar delação, o uso abusivo de
interceptações telefônicas, vazamentos. A discussão sobre direitos e
garantias individuais, a presunção da inocência. Nos preocupa a
seletividade quando se trata de agentes públicos, porque está na cara
que tratam as organizações de esquerda, o PT, de forma diferenciada
nesse processo todo.
E aí, digo, com todo respeito ao juiz Sergio Moro – não deixa de ser
interessante vossa presença para discutir abuso de autoridade. E quero
mostrar que há abuso de autoridade no Judiciário também. E digo no caso
das conduções coercitivas, algo em torno de 200 na Lava Jato. No caso do
presidente Lula, não poderia ter intimado? Ele iria lá depor. A lei é
clara. O artigo 260 do Código Processual Penal diz: se o acusado não
atender intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer ato,
poderá mandar conduzi-lo a sua presença. Mas se ele não atender à
intimação. No caso do Lula o que fizeram? Um grande espetáculo. Atacando
o presidente Lula, conflagração das ruas, passeatas... e o pior, doutor
Sergio Moro, o argumento de vossa excelência que diz que foi para
garantir a segurança do Lula, a fim de evitar perturbação da ordem
pública. Aí, o senhor leva ao aeroporto. O que houve? Briga de grupos
rivais em frente.
[Interrupção de senadores]
E falo isso porque o ministro Marco Aurélio foi muito claro. Naquele
caso, o ministro Marco Aurélio disse o seguinte: "eu não entendo. Um
mandato de condução coercitiva só é aplicável quando o indivíduo
apresenta resistência e não aparece para depor". E Lula não recebeu
intimação. E diz mais ele: "Será que ele (Lula) quer esse tipo de
proteção oferecida pelo juiz Sergio Moro? Eu acredito que, na verdade,
esse argumento foi dado para justificar um ato de força. Esse é um
revés, e não um progresso. Somos juízes, e não legisladores ou
vingadores".
Mas eu mais adiante, doutor Sergio Moro, para mostrar abuso no
Judiciário: interceptação telefônica de uma conversa da presidenta Dilma
com o presidente Lula. Vossa Excelência gosta muito, vai muito e fala
dos Estados Unidos. Imagine nos Estados Unidos, um juiz de primeira
instância do Texas gravar uma conversa de Bill Clinton com Obama e
divulgar em horário nobre horas depois da gravação. Foi isso que houve
naquele casa. E o senhor sabe que foi uma gravação ilegal, porque o
senhor já tinha mandado interromper interceptação às 11h12 da manhã. A
gravação foi às 13h32. 6h da tarde estava na Globonews. Dá para aceitar
isso? Naquele caso, o ministro Teori disse o seguinte: determinou que
"as razões dadas pelo juiz Moro eram insuficientes para justificar essas
medidas excepcionais, que foram tomadas por razões meramente abusivas.
Quem diz é o ministro Teori. Ele diz mais: em linhas gerais, houve
usurpação de competência do STF no curso da interceptação telefônica
deferido pelo juízo reclamado, tendo como investigado Luiz Inácio Lula
da Silva, foram captadas conversas com a presidenta da República. O
magistrado de primeira instância, ao constatar a presença de conversas
de autoridades com prerrogativa de foro, como é o caso da presidenta da
República, deveria encaminhar essas conversas interceptadas para o
Supremo Tribunal Federal". Vai mais o ministro Teori: "a divulgação
pública – porque tem uma lei de interceptação telefônica; o artigo 8º
diz que não pode haver vazamento – é inaceitável, contra uma regra
constitucional expressa. Não é razoável dizer que o interesse público
justifica a divulgação ou que as partes afetadas são figuras públicas. É
preciso reconhecer a irreversibilidade dos efeitos práticos decorrentes
da divulgação indevida de conversas telefônicas". Tem mais: para quê
divulgar conversa da ex-primeira dama, dona Marisa, e dos seus filhos.
Conversas íntimas, de sua nora. Nós não podemos aceitar isso. Estou
discutindo abusos. Tem mais: interceptação de advogados. Isso em canto
nenhum do mundo é aceito.
Tem uma nota da OAB. Gravaram o escritório de advocacia que defendia o
presidente Lula. 25 advogados gravados, 300 clientes. Tem uma nota da
OAB contra isso. Prisões preventivas abusivas. Tem um caso agora do
funcionário da OAS: foi preso preventivamente por nove meses, condenado
pelo juiz Sergio Moro a onze anos de prisão. O caso foi para o TRF e
sabe o que aconteceu? Absolvido por unanimidade. Agora, o senhor prendeu
por nove meses em prisão preventiva. Como restituir isso?
Esse uso abusivo de prisão preventiva está acontecendo a todo
instante. Eu falo isso para encerrar meus questionamentos. Volto a
dizer: nós defendemos investigações amplas, mas achamos que
investigações amplas podem ser conduzidas respeitando a lei. É isso que
está em jogo aqui. Estou tendo coragem para vir aqui para dizer o
seguinte: acho que vivemos uma escalada autoritária. Há ameaça ao Estado
democrático de Direito. Há elementos de Estado de Exceção se
construindo.
O filósofo italiano Giorgio Agamben fala da convivência do Estado de
Exceção com o Estado de Direito. Muitos falaram de Rui Barbosa. Citei
Agamben porque me impressionou quando houve a reclamação do presidente
Lula no TRF-4 e disseram que, no caso da Lava Jato, é uma situação
excepcional. Como situação excepcional? Toda investigação tem que
respeitar a lei. No caso da interceptação telefônica, não houve respeito
à lei. Encerro falando de Rui Barbosa, que dizia: "a pior ditadura é a
do Judiciário, porque contra ela você não tem a quem recorrer".
[PRESIDENTE DO SENADO RENAN CALHEIROS, ATENDENDO A PEDIDO, CONCEDE A PALAVRA AO JUIZ SERGIO MORO, CITADO EM DISCURSO ANTERIOR]
Juiz Sergio Moro: Sou um magistrado e esse caso
Operação Lava Jato envolve casos que já foram julgados e casos, no
entanto, que encontram-se pendentes. Não seria prudente da minha parte
discutir esses casos pendentes, porque poderia ter interferência no meu
julgamento deles, e mantenho essa imparcialidade. Teria o prazer em
discutir esses casos, o que foi feito especificamente com a Petrobras
quando isso fosse encerrado e dar minha opinião sobre o saque que foi
feito. Mas fico preocupado – e aqui externo essa posição. Há essa
afirmação de que o projeto da lei de abuso de autoridade não tem nenhuma
intenção de frear a operação Lava Jato. Há essas afirmações de que a
operação Lava Jato é sagrada, mas não obstante, com todo respeito ao
eminente senador, aqui está se afirmando que eu, na condução do caso,
cometi abuso de autoridade e devo ser punido. Parece-me claro que há uma
intenção – não digo em relação a todos – clara de que o projeto de lei
de abuso de autoridade seja utilizado especificamente para criminalizar
condutas de autoridades envolvidas na operação Lava Jato. Para mim,
ficou evidente com o discurso do eminente senador que o propósito é
exatamente esse ao afirmar categoricamente que eu teria cometido atos de
abuso de autoridade na condução dessa operação.
A questão a ser colocada é saber exatamente: é essa a intenção do
projeto ou não é? Se for essa a intenção do projeto, insisto na
necessidade ou do adiamento – porque vai passar um recado errado para a
população – ou pelo menos a colocação dessas normas de salvaguarda para o
juiz saber – e não digo aqui só o juiz de primeira instâncias... Várias
das minhas decisões proferidas (e pode sempre haver discordância em
relação a elas) foram mantidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
região, pelo Tribunal Superior Eleitoral e várias vezes por unanimidade,
mesmo em relação a prisões preventivas decretadas na operação Lava
Jato, pelo Supremo Tribunal Federal. Então, a intenção é essa:
criminalizar todas essas autoridades? Porque há divergência eventual na
interpretação que foi adotada pelos juízes.
Se a operação Lava Jato, como muitos dizem, é de fato sagrada, então
tem que se pensar acerca da proposição dessa inovação na lei de abuso de
autoridade e na intenção aparentemente explícita de que sejam
criminalizados agentes envolvidos nessa operação