O Ministro da Fazenda detalha à DINHEIRO as medidas em estudo para combater a recessão. O desafio ficou mais difícil após a perda do grau de investimento pela Standard & Poor’s
“Em relação aos países da OCDE (nações ricas), a gente tem menos impostos sobre a renda, sobre a pessoa física do que na maior parte dos países da OCDE”, disse o ministro na noite anterior, na capital francesa. “É uma coisa a se pensar.” Sem tempo para muitas lamentações, Levy desembarcou no aeroporto de Guarulhos e foi a um encontro reservado com investidores e empresários, na Zona Sul da capital paulista. Apesar do cansaço físico, o ministro defendeu “com unhas e dentes”, segundo relato dos participantes, a necessidade de uma “ponte fiscal”, que incluiria corte de gastos públicos e um impopular aumento de impostos.
O ministro recebeu a DINHEIRO para uma entrevista exclusiva, na qual explicou que o mais urgente era preservar o grau de investimento do País. Não deu tempo. Após o fechamento dos mercados, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) tirou o selo de bom pagador do Brasil, culpando a falta de articulação política do governo e o envio de um orçamento com déficit primário, em 2016. Durante os 50 minutos da conversa com a DINHEIRO, numa sala no 15º andar do edifício do Banco do Brasil, na Avenida Paulista, Levy utilizou três folhas de um bloco de notas para desenhar gráficos que o ajudavam a explicar a sua linha de raciocínio.
“Você sabe que eu sou muito explicadinho”, brincou o ministro, com a caneta em punho. Entre uma pergunta e outra, Levy respondeu a mensagens de texto pelo celular e deixou a sala em duas oportunidades. Na primeira, voltou eufórico com a notícia de que conseguiria apoio no Congresso para tramitar o projeto que prevê a repatriação de recursos não declarados de brasileiros. O governo calcula arrecadar entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões ao tributar em 35% o dinheiro não declarado que foi enviado por brasileiros ao exterior. “O modelo que fizemos é tiro e queda”, afirma Levy.
“Há segurança jurídica para quem participar.” Metade desses recursos será utilizada para reforçar o caixa do Tesouro Nacional. A outra metade irá para dois fundos: um deles vai compensar as perdas dos Estados com a unificação do ICMS e o outro irá financiar obras de infraestrutura. Na segunda vez em que retornou à sala, Levy estava mais contido e continuou a entrevista como se nada tivesse acontecido. Não é possível afirmar que, naquele instante, o ministro recebera a informação da perda de grau de investimento.
O fato é que a sua fala sobre a importância do selo de bom pagador foi dita espontaneamente em meio a uma resposta sobre o ajuste fiscal. “Tem gente dizendo que (o fim do grau de investimento) já está precificado. Não está precificado”, afirmou Levy. “Se acontecer, tudo bem, vamos pegar os caquinhos e tentar recompor, mas vai ser muito mais difícil.” Uma hora depois dessa declaração, a S&P anunciou ao mercado o rebaixamento do País. Diante das sucessivas derrotas que vinha sofrendo dentro e fora do governo, Levy sabia que a tragédia fiscal era uma questão de tempo.
“Cutucaram a onça com a vara curta”, diz um importante executivo financeiro, referindo-se à reação da S&P ao orçamento deficitário de 2016. Na entrevista à DINHEIRO, o ministro da Fazenda garantiu que o compromisso fiscal para o ano que vem tinha voltado a ser o de um superávit de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB). No mesmo instante, em Brasília, a presidente Dilma Rousseff reiterava, em entrevista a um jornal, essa disposição. “Nós mantemos a meta de 0,7% de superávit”, disse a presidente Dilma, reconhecendo que é preciso cortar gastos, mas ressaltando que a arrecadação também precisa crescer.
“Não fecha (a conta) sem aumento de receitas, a não ser que o pessoal queira ficar com o 0,5% do PIB de déficit.” Nesse ponto, o ministro da Fazenda concorda plenamente com a presidente. “Precisamos de uma ponte fiscal”, afirma Levy, que explicou sua estratégia para tirar o País do buraco (leia entrevista ao final da reportagem). A “ponte fiscal” é a parte emergencial do plano. Apesar de dizer que está sendo vítima de “balões de ensaio” sobre aumento de tributos, o ministro reconhece que será preciso adotar algum imposto provisório, que pode durar “dois ou três anos”, ou mexer em alíquotas já existentes.
“Vamos apresentar um menu ao Congresso e construir de tal forma que chegue ao superávit de 0,7% do PIB”, afirma Levy, que promete reduzir gastos públicos como contrapartida do governo. “Essa ponte não pode ser construída apenas com pedidos para a sociedade assinar um cheque.” Com a repatriação de recursos não declarados por brasileiros, o governo acredita que já possa arrecadar R$ 20 bilhões neste ano. Do lado das despesas, apesar de mais de 90% do orçamento ser engessado, com gastos obrigatórios, a equipe econômica vê espaço para economizar sem prejudicar o andamento dos projetos sociais.
“Não é um corte do estilo ‘vamos cortar de qualquer jeito’”, disse Levy. “Tem de ter uma sistemática para cortar, montar um sistema de avaliação, mas rapidamente.” Para resgatar a credibilidade fiscal, Levy acredita que o principal ponto é tornar sustentável o caixa da Previdência. Para isso, será necessária a adoção de uma idade mínima para aposentadoria. O tema é polêmico e sofre muita resistência por parte das centrais sindicais. O ministro reconhece que a readequação fiscal não é suficiente para despertar o “espírito animal” dos empresários, que andam cada vez mais incomodados com o governo (leia reportagem aqui).
Levy promete melhorar os projetos de infraestrutura e torná-los mais atraentes, com taxas de retorno compatíveis com o atual cenário econômico. E também promete batalhar pela simplificação tributária, que facilitaria a vida das empresas que tentam pagar os seus impostos em dia, e acabaria com a guerra fiscal entre os Estados. Nessa área, os dois principais projetos são a unificação do ICMS e a reforma do PIS/Cofins. “Se acertar a regra do jogo, todo mundo sai jogando”, afirma Levy.
“Se não tem regra e o campo está todo esburacado, aí não dá.” Ao término da entrevista, o ministro ainda participou pacientemente de uma sessão de fotos. Em um dado momento, comentou: “Estou muito sério, não? Acho melhor dar um sorriso e passar uma imagem de otimismo.” Sorriso e otimismo de um ministro incansável podem ajudar, mas a presidente Dilma precisará se empenhar muito mais na redução do tamanho do Estado para o País não perder o grau de investimento pelas outras duas agências de classificação de risco, a Moody’s e a Fitch.
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“Se acertar a regra , todo mundo sai jogando”
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, falou à DINHEIRO na quarta-feira 9. Leia a íntegra no anuário AS MELHORES DA DINHEIRO, que será lançado em 24 de setembro. Abaixo, trechos da entrevista.
Qual é a estratégia para tirar o Brasil da crise?
Precisamos implementar uma agenda estrutural de crescimento. Isso tem a ver com uma mega simplificação de impostos, que inclui o PIS e a Cofins, e a votação da unificação do ICMS. Vamos criar um novo marco para facilitar o investimento em infraestrutura, tanto na parte da contratação como na realização e operação do projeto. Aliás, precisamos também melhorar a qualidade dos projetos. Em muitos casos, não há projeto. Além disso, o ponto essencial é mexer na Previdência Social, para dar tranquilidade em relação à sua sustentabilidade. Faremos isso com a idade mínima para aposentadoria e com o que mais for necessário.
Com essas medidas, o País volta a crescer?
Se acertar a regra do jogo, todo mundo sai jogando. A iniciativa privada sairá jogando. Se não tem regra e o campo está todo esburacado, aí não dá.
Muitos pontos não dependem do governo...
O problema é que, para que tudo isso aconteça, precisa ser votado e aprovado no Congresso, e os efeitos disso demoram três meses, seis meses ou mesmo até um ano para aparecer. Eu preciso de uma ponte fiscal para sair agora, pois estamos com a receita baixa. Não adianta ter uma ponte que não vai chegar a lugar algum. Vai ser aquela em que o trem vem e cai (neste momento, o ministro desenha uma ponte com um trem caindo). Agora, não adianta estar uma pindaíba muito ruim, pois assim não vamos chegar ao outro lado.
Qual é essa ponte?
Essa ponte é, em grande parte, o nosso orçamento de 2016. Vamos concluir a discussão do orçamento 2016, com a modesta meta de superávit de 0,7% do PIB. É isso que vai garantir que vamos chegar lá. Isso é que garantirá que não vamos cair no meio do caminho com um rebaixamento de nota. Porque se isso acontecer, claro que pode acontecer, vai dar muito mais trabalho. Todo mundo fala que já está precificado, mas não está. Então, se acontecer, vamos pegar os caquinhos e tentar recompor. Mas vai ser muito mais difícil. Por isso, temos de lutar para que isso não aconteça (uma hora depois da entrevista, a agência de classificação de risco S&P rebaixou a classificação de risco do País). Se eu conseguir fazer isso, vamos ter crescimento rápido (o ministro estala o dedo). Tem de acertar o impasse. Está todo mundo assustado e parado e se perguntando por que o PIB não anda. As pessoas não sabem se vamos resolver isso.
Então, o sr. entende o ponto de vista do empresário de aguardar para ver o que vai acontecer?
Lógico. Se não resolvermos, vai continuar assim. O empresário quer saber se a ponte vai levá-lo a algum lugar. Essa ponte não pode ser construída apenas com pedidos para a sociedade assinar um cheque. Tem de ter mais do que isso e precisamos mostrar que estamos fazendo um trabalho consistente.
Portanto, haverá corte de gastos?
Exato. E não é do estilo “vamos cortar” de qualquer jeito. Tem de ter uma sistemática para cortar, montar um sistema de avaliação, mas rapidamente. Nem que tenhamos de contratar consultorias externas. Aliás, contamos com a ajuda da OCDE na Saúde.
Há muita especulação sobre alterações no Imposto de Renda, na Cide e em outros impostos. O sr. descarta alguma possibilidade?
São balões de ensaio. Todos jogados nas minhas costas. Vamos apresentar um menu de medidas ao Congresso e construir de tal forma que cheguemos ao superávit de 0,7% do PIB. Daí, corta aqui, corta ali, e se é imposto temporário de dois anos ou três anos, vamos discutir.
O que deu errado em relação às metas de superávit traçadas no começo do ano?
Não é que tenha dado errado. O cenário político foi um pouco mais desafiador, além de uma piora de um quadro mundial além do esperado. Sabíamos que a China estava desacelerando, mas essa desaceleração está mais forte. A incerteza piorou. Quando até as famílias começam a adiar as decisões de compra de televisão e carro, começa a aparecer menos PIB. As pessoas não estão demorando por causa do medo do desemprego. Elas estão assim porque não sabem para onde vai a política. Pois elas não sabem o que o governo vai fazer. Precisamos superar essa desconfiança e passar essa fase.
Se vingar a questão desse imposto transitório, como podemos ter a certeza de que é temporário? Ficou um trauma com a CPMF, que tinha o “P” de Provisório...
Não ficou um trauma. Sabe como o imposto vai ficar temporário? Se as pessoas levarem a sério que não podem ficar elevando gastos.
O sr. pensou em algum momento em deixar o governo?
Não. Esse pessoal adora... Eu já tive essa experiência na secretaria estadual da Fazenda do Rio de Janeiro. Toda semana o pessoal achava que eu ia desistir. O pessoal até chegou a fazer um bolinho de despedida. Tinha caixinha de apostas sobre quanto tempo eu ia durar.
Com tanta pressão no cargo, o sr. sente saudades do seu emprego no Bradesco?
O Bradesco é uma casa extraordinária, mas eu tenho saudade mesmo é de ir para o meu barquinho no Rio de Janeiro. Faz quase um mês que eu não consigo passear de barco, conversar com os amigos e com as gaivotas.