Há anos a ciência pesquisa formas de acabar com o excesso de peso que
tanto prejudica a saúde e a silhueta. Já se procurou por soluções em
dietas, remédios. Agora, grande parte da atenção dos pesquisadores se
concentra em uma arma que existe dentro do ser humano e que até hoje não
vinha sendo explorada: a gordura marrom. Diferentemente da gordura
branca, que armazena gordura no corpo, a marrom a queima. Ou seja, é uma
gordura do bem. Uma gordura que emagrece.
A ciência já conhecia a existência desse tipo de tecido adiposo há
muito tempo. Ele é, na verdade, uma herança da nossa evolução. Sua
principal função é gerar calor. Ajudou, dessa maneira, a evitar que os
homens morressem de frio lá nos primórdios da história, quando a
humanidade estava perigosamente exposta a baixas temperaturas. Está
presente nos mamíferos, em especial naqueles que hibernam. No ser
humano, existe em quantidade razoável em recém-nascidos. Como são
incapazes de tremer – resposta do corpo para criar calor – e de escapar
sozinhos de lugares frios, apresentam depósitos de gordura marrom
significativos.
A grande surpresa ocorreu há três anos, quando três importantes
pesquisas publicadas na mesma edição da revista científica “The New
England Journal of Medicine” – uma das mais prestigiadas do mundo –
revelaram que esse tipo de gordura podia ser encontrado também em
adultos. Até então, imaginava-se que ela desaparecia do corpo
gradativamente, ao longo do crescimento. Mas os trabalhos demonstraram
de maneira inequívoca que a gordura marrom fazia parte do organismo
adulto e que seus depósitos se localizam na mesma região onde estão os
dos bebês, embora sejam menores do que os apresentados pelas crianças.
Basicamente, há gordura marrom nos adultos no pescoço, abaixo da
clavícula e ao longo da espinha.
APOSTA
O nutricionista Ávila acredita no potencial da gordura contra a obesidade
Um dos trabalhos foi feito por pesquisadores do Joslin Diabetes
Center, ligado à Escola de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, e
consistiu na análise dos resultados obtidos pelo exame de imagem PET-CT,
aplicado a 1.972 pessoas por diferentes razões. O outro estudo foi
realizado na Universidade de Maastricht, na Holanda, e envolveu 24
jovens saudáveis. O terceiro foi coordenado por cientistas da
Universidade de Gotemburgo, na Suécia, e teve cinco participantes.
Nestes dois últimos os voluntários também foram submetidos ao teste
PET-CT.
Por meio dos exames, constatou-se não só a existência das células de
gordura marrom. Verificou-se que, nos adultos, elas continuam a exercer
seu papel primordial, o de criar calor. No experimento sueco, por
exemplo, os cientistas constataram que a gordura passou a queimar
calorias quando os participantes permaneceram por duas horas em uma
sala com temperatura que variou de 17 a 19 graus. Na pesquisa holandesa,
ela começou a funcionar quando o termostato baixou para 16 graus.
A divulgação desses trabalhos encheu de ânimo pesquisadores do mundo
todo. “A gordura marrom apresenta um grande potencial como arma contra a
obesidade”, afirma o nutricionista mineiro Marcus Ávila, pós-graduado
em nutrição esportiva. O entusiasmo é compreensível. Quando ela é
ativada para gerar calor, inicia-se um incrível processo de queima de
calorias. Afinal, elas são o combustível para o funcionamento das
células. Portanto, para cumprir sua missão, as células de gordura marrom
recorrem à queima calórica. Sem isso, não têm como funcionar. E elas
queimam mais calorias porque foram dotadas de um número muito maior de
mitocôndrias – estrutura celular responsável pela produção de energia –,
uma vez que precisam desse maquinário ampliado para dar conta de seu
trabalho.
ESTRATÉGIAS
As pesquisas indicam que fazer exercícios e expor-se ao frio seriam
formas de turbinar a ação das células que queimam calorias
Por tudo isso, estima-se que 50 gramas de tecido adiposo marrom ativo
sejam suficientes para elevar em 20% a taxa do metabolismo basal (a
quantidade de calorias que o organismo utiliza, em repouso, para manter o
funcionamento dos órgãos). Por essa conta, um indivíduo que consiga
acionar as células de gordura marrom poderia perder até cinco quilos, em
um ano, mantendo a mesma dieta e o mesmo nível de atividade física.
“Ela pode ser capaz de queimar centenas de calorias por dia”, afirmou à
ISTOÉ o cientista Aaron Cypess, do Joslin Diabetes Center e autor de
vários trabalhos a respeito do assunto.
Entusiasmados com esse potencial, de 2009 para cá os cientistas
iniciaram uma corrida mundial para aprofundar o conhecimento sobre este
tecido adiposo. Alguns pesquisadores focaram seu interesse no poder do
frio para ativá-la. No início do ano, um time de pesquisadores
canadenses divulgou um trabalho no qual constatou que indivíduos
submetidos a uma temperatura de 18 graus dobraram seu gasto de energia
em comparação aos participantes que ficaram em ambientes com
temperaturas mais elevadas. Gastaram em média 250 calorias a mais do que
os outros durante as três horas de exposição ao frio. “Demonstramos de
forma convincente a importância metabólica da gordura marrom na geração
de calor em jovens adultos”, disse à ISTOÉ Denis Richard, diretor do
Instituto Universitário de Cardiologia e Pneumologia de Quebec, no
Canadá, e um dos autores do trabalho. “E sua ativação pode representar
um meio útil de prevenir o depósito excessivo de gordura.”
O grupo coordenado pela cientista Sheila Collins, do Centro de
Pesquisa Sanford-Burnham, nos Estados Unidos, descobriu um efeito
inusitado do frio. Baixas temperaturas elevam a concentração de um
hormônio fabricado no coração (peptídeo natriurético) e conhecido por
interferir no controle da pressão arterial. “Verificamos que ele também
ativa o tecido adiposo marrom”, explicou à ISTOÉ a pesquisadora.
PIONEIRO
O pesquisador Sven foi um dos que descobriu que adultos também têm o tecido adiposo
Se o poder do frio para ativar a gordura é consenso no meio
científico, sua utilização como estratégia para emagrecimento, neste
momento, ainda é motivo de discussão. Uma corrente defende que sim, como
Leslie Kozak, do Centro de Pesquisa Biomédica Pennington, nos Estados
Unidos. “Hoje temos uma chance de diminuir a obesidade simplesmente
reduzindo a temperatura ambiente”, escreveu a pesquisadora em artigo
sobre o tema. “Amanhã poderemos criar drogas que imitem a resposta
natural do corpo ao frio e ajudem a aumentar a atividade dessa gordura.”
Seu colega Jan Nedergaard, da Universidade de Estocolmo, autor de uma
revisão a respeito do assunto, concorda. “Normalmente digo para as
pessoas: ficar em uma sala com uma temperatura fria o suficiente para se
sentir desconfortável, sem chegar a tremer, necessariamente irá
estimular a gordura marrom a funcionar”, afirmou à ISTOÉ. No entanto,
Sven Enerback, autor de um dos trabalhos que provaram a existência do
tecido adiposo em adultos, acredita que ainda é preciso mais tempo para
saber os reais resultados da estratégia. “Hoje sabemos que o frio ativa
essa gordura, mas é cedo para afirmar que esse será um caminho efetivo
para a redução de peso”, disse à ISTOÉ.
Outros grupos estão investigando o que mais, além do frio, pode ser
capaz de fazê-la funcionar ou de estimular sua fabricação. O cientista
Bruce Spiegelman e seus colegas do Instituto de Câncer Dana-Farber, nos
Estados Unidos, publicaram recentemente um artigo na revista científica
“Nature” – uma das mais importantes do mundo – descrevendo o efeito do
exercício para essa finalidade. Eles descobriram que a realização de
exercícios de repetição, por períodos mais prolongados, aumenta no
organismo a concentração do hormônio irisina. Produzido pelos músculos a
partir do exercício, o composto parece induzir à formação de tecido
adiposo marrom em vez de estimular a produção da gordura branca, aquela
que guarda gordura. “É excitante descobrir uma substância natural
conectada com o exercício com esse potencial terapêutico”, comemorou o
pesquisador. A notícia repercutiu no Brasil. “Fazer exercícios está ao
alcance de todos”, disse o endocrinologista João Eduardo Nunes Salles,
vice-presidente eleito da Associação Brasileira para o Estudo da
Obesidade. “E o estudo de sua associação com a gordura marrom pode vir a
ser um bom caminho contra a obesidade.”
EXPECTATIVA
Nos EUA, Sikder (acima) planeja teste em humanos de composto que aumenta
a quantidade da gordura. No Brasil, Salles acompanha as pesquisas no mundo
Na Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, os pesquisadores
descobriram que um dos segredos para elevar a produção da gordura que
emagrece pode estar na maçã. Trata-se do ácido ursólico, presente na
casca da fruta. “Ficamos surpresos ao verificar que ele pode aumentar
sua quantidade”, afirmou Christopher Adams, um dos responsáveis pelo
trabalho. A conclusão foi obtida após a realização de uma experiência
com cobaias. Metade dos animais recebeu uma dieta rica em gordura por
várias semanas. O restante ingeriu os mesmos alimentos, em maior
quantidade, mas ganhou doses diárias do ácido ursólico. No final do
experimento, os que haviam recebido suplementos do composto engordaram
menos do que os outros. Agora, os cientistas pretendem verificar se
resultados assim tão animadores podem ser observados também em seres
humanos.
Compartilham do mesmo objetivo os cientistas envolvidos nos estudos
que demonstram os efeitos benéficos de outros fatores. É o caso do time
do Centro Médico da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, empenhado
em descobrir de que maneira os remédios contra a diabetes da classe das
tiazolidinas são capazes de transformar a gordura branca em marrom – o
que já está comprovado. Porém, essas medicações apresentam efeitos
colaterais, como perda óssea e risco de toxicidade hepática. “Mas, se
pudermos encontrar uma forma de impedir isso, podem ser uma opção”,
afirmou o chefe do trabalho, o cientista Domenico Accili.
Esforços também estão sendo feitos para entender e conseguir provar
como diversas proteínas atuam para estimular o funcionamento do tecido
adiposo marrom. Uma das que estão na mira dos cientistas é a proteína
BMP8B. Em uma experiência relatada em um artigo divulgado há dois meses
na revista científica “Cell”, os pesquisadores contaram que a aplicação
da substância no cérebro de animais promoveu uma resposta mais forte das
células de gordura marrom. “Elas queimaram mais gordura”, afirmou à
ISTOÉ um dos participantes da pesquisa, o cientista Andrew Whittle, da
Universidade de Cambridge, na Inglaterra. “Esta proteína oferece a
possibilidade de ser uma intervenção mais específica para ajudar na
redução do peso corporal”, completou.
FÁBRICA
O cientista Kajimura estuda como a gordura se forma
Aposta semelhante está fazendo um grupo da Universidade da
Califórnia, nos Estados Unidos, em uma substância chamada PRDM16. Ela
está envolvida na produção do tecido marrom. “Estamos investigando como
ela ajuda a regular o desenvolvimento dessas células”, explicou à ISTOÉ
Shingo Kajimura, coordenador dos estudos. “As informações poderão ser
usadas para a criação de remédios que estimulem a fabricação da gordura
em humanos”, disse.
Nessa empreitada para levantar tudo o que pode ativar esse tecido
adiposo, há a indicação do efeito positivo de um fator um tanto quanto
inusitado. Pesquisadores da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos,
constataram que cobaias colocadas em ambientes ricos em estímulo (com
opções de brincadeira e atividade física e contato com outros
animais, por exemplo) perderam 49% mais gordura abdominal do que outras
que não desfrutaram das mesmas opções. Isso ocorreu graças a uma maior
produção da gordura marrom ocorrida nestas circunstâncias. O caminho
para esse resultado passa por um complexo mecanismo desencadeado no
cérebro. “Nossos achados sugerem que potencialmente poderemos induzir
esse efeito modificando nosso estilo de vida ou acionando
farmacologicamente o mesmo caminho cerebral”, afirmou Matthew During,
líder da pesquisa.
Em estágio mais adiantado está o grupo de Sanford-Burham, integrado
por Devanjan Sikder, professor do Centro de Pesquisas de Obesidade e
Diabetes. Eles se preparam para iniciar o primeiro estudo em humanos a
fim de conferir a eficácia da orexina. Envolvido no controle do apetite,
o hormônio também se mostrou capaz de ativar a gordura marrom,
reduzindo em 50% a taxa de gordura corporal em cobaias. E, na
Inglaterra, cientistas da Universidade de Nottingham trabalham em um
sistema de exame de imagem específico para localizar precisamente em
humanos onde estão os depósitos da gordura e sua capacidade de produzir
calor. “A tecnologia não é agressiva e não expõe as pessoas à
radiação”, explicou Michael Symonds, responsável pelo trabalho. O
pesquisador acredita que o recurso permitirá a realização de estudos com
grande quantidade de pessoas, fornecendo informações que permitam o uso
cada vez mais a nosso favor da gordura que emagrece.