Pesquisa Data Popular revela que a juventude brasileira é mais informada que seus pais e tem peso decisivo na eleição
Alan Rodrigues (alan@istoe.com.br)
Nas eleições de
5 de outubro, mais de 140 milhões de brasileiros estarão aptos a votar.
Nesse universo, um terço dos eleitores – pouco mais de 45 milhões de
pessoas – é formado por jovens entre 16 e 33 anos. Para entender melhor a
cabeça política da juventude brasileira, quais suas demandas e de que
maneira ela pode influenciar na corrida eleitoral, ISTOÉ destrinchou uma
pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular com 3.500 jovens do
País. O levantamento revela, entre outros dados interessantes, que essa
turma, por ser mais informada do que seus pais e levar dinheiro para
dentro de casa, contribuindo para o aumento da renda, forma opinião,
influencia no voto da família e pode até decidir a eleição. A pesquisa
não questiona em quem eles votariam. Mas mais de 50% deles se encontram
entre os eleitores indecisos ou que pretendem anular o voto. O discurso,
porém, carrega um viés de oposição. Como na maioria da população
brasileira, o desejo de mudança está impregnado em 63% deles, que
acreditam que o Brasil não está no rumo certo. Apesar disso, 72% desses
brasileiros que têm entre 16 e 33 anos consideram ter melhorado de
vida. Mas a juventude indica querer mais. “Eles querem serviços públicos
de mais qualidade, maior conectividade, acessos livres a banda larga e a
tecnologia de ponta. E não abrem mão da manutenção do poder de compra”,
afirma o autor do estudo, o publicitário Renato Meirelles, presidente
do Data Popular.
O levantamento embute outros recados
importantes à classe política. Ao mesmo tempo que 92% acreditam na
própria capacidade de mudar o mundo, 70% botam fé de que o voto possa
transformar o País e 80% reconhecem o papel determinante da política no
cotidiano brasileiro, fatia expressiva dos jovens do Brasil (59%)
acredita que o País estaria melhor se não houvesse partido político.
Para os jovens, as agremiações partidárias e os governantes não falam a
linguagem deles. “Os políticos são analógicos e a juventude digital”,
atesta Renato Meirelles. Observador atento do cenário político e um dos
maiores especialistas sobre o comportamento da juventude brasileira,
Meirelles foi quem criou o verbete “Geração D” – de digital, numa alusão
à juventude conectada.
Bem-estar
Sâmia Vilela (acima), filha de uma cobradora de ônibus, hoje estuda marketing
e é uma empreendedora. Júlio Fernandes (abaixo) faz pós-graduação
para gerir melhor os negócios da família
Nascidos totalmente integrados à tecnologia
digital, sob os ventos favoráveis da estabilidade econômica, da
democracia e com menos privações que a geração anterior, esses jovens
foram os grandes protagonistas das manifestações de junho de 2013,
quando milhões de pessoas de todo o País foram às ruas para cobrar
mudanças na política brasileira. De lá para cá, a onda de indignação,
revolta e envolvimento dos jovens na vida política só cresceu. Chamados a
dialogar, eles foram instados a ter opiniões. Não existe aí uma
novidade. Os jovens sempre tiveram opiniões. Muitas opiniões, diga-se. A
diferença crucial agora é que o que eles dizem tem muito mais peso.
Eles são ouvidos e exercem influência sobre a família. “Hoje, as
decisões familiares são totalmente compartilhadas. Inclusive as decisões
políticas”, afirma a estudante Sâmia Vilela, 27 anos. A história de
vida de Sâmia iguala-se à de milhões de jovens brasileiros que na última
década deixaram para trás a pobreza, conseguiram estudar e abriram seu
próprio negócio.
Filha de uma cobradora de ônibus, que nas
horas vagas ainda arrumava tempo para fazer salgados para vender nas
ruas de São Paulo, ela foi criada na favela, ficou anos longe do banco
escolar, mas hoje estuda marketing e tornou-se uma pequena
empreendedora. Criou um blog sobre como organizar festas de casamento
com pouco dinheiro, o Casamento sem Grana. “Hoje, minha página soma 3,5
milhões de pageviews e 40 mil usuários únicos no mês”, comemora. O caso
bem-sucedido de Sâmia dá vida a números da pesquisa do Data Popular
segundo os quais 85% dos jovens acreditam que só é possível progredir na
vida com muito trabalho. “A internet ampliou o repertório, as redes de
relacionamento e as possibilidades de ascensão social dessa geração”,
afirma Meirelles. Não apenas isso. A internet e as redes sociais viraram
palco dos novos debates políticos – a maior parte deles travada por
jovens. O que rola na rede é disseminado em casa por meio da juventude
conectada. Se surge uma informação nova sobre determinado candidato, o
assunto logo vira tema de discussão no seio familiar durante cafés da
manhã, almoços e jantares, momentos em que normalmente todos estão
reunidos em torno da mesa. “Hoje, sou muito mais escutado em casa, ainda
mais quando o assunto é política”, diz Júlio Espósito Fernandes, 25
anos. Estudante de pós-graduação, ele trabalha nas empresas da família.
“Cresci ouvindo meu pai dizendo: vote nesse candidato. Ele rouba, mas
faz. Hoje, não aceito essa história”, conclui. “Não há como discutir o
processo eleitoral sem falar dos jovens – que estão olhando para a
frente, não para trás”, diz o autor da pesquisa. Numa direção oposta a
59% dos jovens que afirmaram que o Brasil estaria melhor se não tivesse
nenhum partido político, a produtora de audiovisual Mary Miloch, 23
anos, acredita que o aperfeiçoamento da democracia passa pelo
fortalecimento das organizações partidárias. “Não consigo imaginar a
política sem partidos”, diz Mary. O problema, segundo ela, é que
“algumas legendas têm dificuldade em dialogar com os jovens”. Primeira
da família a fazer um curso de nível superior, Mary é estudante de rádio
e televisão e cursa universidade com o auxílio de uma bolsa integral do
Prouni. Apaixonada pela política, ela esteve nas ruas durante as
jornadas de junho do ano passado e integra o grupo de jovens que
acreditam na importância do voto para a mudança dos rumos do País. “Eu
não só sei, como tenho certeza da nossa capacidade transformadora”,
afirma.
Migrante
Vivian Silva, beneficiada pelos programas sociais e pelo aumento
na oferta de empregos e renda, dita o rumo na família
Ao menos em casa, a juventude já ajuda a
transformar a vida de seus pais, contribuindo no orçamento doméstico.
Hoje, de cada R$ 100 que um pai da classe alta injeta na economia do
lar, o filho jovem coloca R$ 57. Na classe C, também a cada
R$ 100, o filho investe R$ 96. O fato de os
jovens participarem ativamente no orçamento familiar deu a eles a
condição de ser um dos interlocutores da família. Aos 29 anos, a
operadora de telemarketing Vivian Silva mora na cidade de Guarulhos,
região metropolitana de São Paulo, com a mãe, os dois filhos e o marido.
Migrante nordestina, Vivian desembarcou na capital paulista em busca de
trabalho há três anos. Chegou praticamente só com a roupa no corpo.
Dependente dos programas sociais do governo como o Bolsa Família, ela
conseguiu trabalho, comprou seu imóvel através do programa Minha Casa
Minha Vida e hoje cursa universidade. Ela faz parte dos 92% dos jovens
brasileiros que acreditam na capacidade da juventude de mudar o mundo.
“Como nos consultam para adquirir ou pesquisar sobre um determinado
produto, a família também nos procura para saber de política, economia e
outras notícias”, garante Vivian.
Eu quero mais
Depois do passado difícil, Verônica Gonçalves faz coro
com os que acham que precisa de mudanças
Esse apoderamento dos jovens é explicado,
segundo Meirelles, por diversos fatores. Além de ter mais acesso à
informação (93% dos jovens são conectados), a juventude digital é muito
mais escolarizada que os pais. Quando o recorte da pesquisa trata da
educação nos lares brasileiros, salta aos olhos a evolução educacional
dos filhos da classe C (54% dos brasileiros). Nesse estrato da
sociedade, sete em cada dez jovens estudaram mais que seus pais. É o
caso da garçonete Verônica Gonçalves, 30 anos. A mãe era analfabeta até
os 30 anos, quando ficou viúva, e foi obrigada a estudar. Diante das
necessidades alimentares dos filhos, ela aprendeu a ler. Agora, trabalha
e divide com os três filhos as despesas da casa. “Hoje, lá em casa,
somos todos internautas e dividimos tudo. Principalmente, as decisões de
compra”, diz ela. Indecisa eleitoralmente, apesar das mudanças na vida
na última década, Verônica está atenta aos programas eleitorais para
definir seu voto. “Precisamos melhorar um pouco mais”, diz ela, que
pretende estudar gastronomia no próximo ano.
Atuação política
Mary Miloch, assim como milhões de brasileiros, participou dos
protestos de junho de 2013 e acredita que seu voto pode fazer
a diferença nas eleições de outubro
Neste mundo de interatividade, a enorme
capacidade da juventude de assimilar as transformações tecnológicas
interfere em como esses jovens agem, pensam e levam o seu ritmo de vida.
Ao contrário do que muita gente possa pensar, o estudo do Data Popular
mostra que os jovens querem um Estado forte, com a eficiência do setor
privado e que ofereça serviço público gratuito de qualidade. “Essa
juventude quebra a lógica política tradicional, ideológica”, explica
Meirelles. “Principalmente porque os jovens dessa geração utilizam-se de
uma régua muito mais rigorosa para medir a qualidade do serviço público
do que os pais”, explica Meirelles.
Estado forte
Líder dos rolezinhos, Vinícius André do Prado acha que, além de médicos,
os jovens precisam de professores e de mais segurança, até no ambiente virtual
Do ponto de vista comportamental, os jovens
da geração D são ambiciosos, impulsivos e ousados. Contestadores, eles
não querem saber de censura. Impactados pelo sucesso dos programas de
distribuição de renda, redução da pobreza e pleno emprego, eles, agora,
querem muito mais dos políticos. Na pesquisa do Data Popular, a
segurança aparece em primeiro lugar entre os problemas que mais
preocupam os jovens, seguido por políticas públicas para a juventude e a
inflação do cotidiano. O jovem Vinícius André do Prado, 18 anos, é um
dos jovens da periferia que cobram das autoridades uma maior presença do
Estado no cotidiano das comunidades, principalmente na questão da
segurança. Um dos líderes dos chamados “rolezinhos”, Vinícius diz que a
quantidade de brigas nas baladas e em eventos frequentados pelos jovens
da periferia está afastando o público jovem do lazer. “A falta de
segurança é o nosso principal problema. Rolam muitas brigas nas
baladas”, queixa-se. “O pessoal fica falando da ausência de médico na
periferia, mas faltam professores, bolsas de estudo e publicidade para
informar a gente sobre os projetos”, critica Vinícius. Para ele, os
governos utilizam-se de ferramentas comunicacionais atrasadas, como o
rádio, para anunciar projetos. “Será que alguém nas zonas urbanas ainda
ouve rádio?”, questiona. O governo, segundo o líder dos rolezinhos,
pensa o País com a cabeça voltada para o passado. E eles só querem saber
do futuro. Os rebeldes de outrora, hoje conectados e formadores de
opinião em casa, não deixam de ter muita razão.
“Os políticos não falam a língua dos jovens”
ISTOÉ – Muitos analistas apostam que essas serão as eleições da mudança. O sr. concorda com isso?
Renato Meirelles – As pesquisas mostram que as pessoas querem
um Brasil diferente do que está hoje, mas com uma garantia efetiva de
que as conquistas dos últimos anos não sejam perdidas. O eleitor está
insatisfeito com a situação do País da porta de casa para fora, já que
do lado de dentro as pessoas sabem que as coisas melhoraram muito. Essa
será uma eleição de futuro e não de passado.
ISTOÉ
– Isso explica, por exemplo, o fato de os candidatos defenderem os
programas sociais do governo e concentrarem as críticas em economia e
gestão pública?
Meirelles – Economistas não entendem de gente de carne e osso.
De nada vale discutir o passado. Só um terço dos eleitores tem condições
maduras de comparar os governos FHC e Lula. O eleitor não quer mais
discutir cesta básica, ele quer banda larga. Ele não quer dentadura, mas
o Bolsa Família 2.0.
ISTOÉ –O que é Bolsa Família 2.0?
Meirelles – Essa juventude quer maior conectividade, acessos
livres a banda larga e a tecnologia de ponta. Eles representam 33% do
eleitorado e 85% deles são internautas.
ISTOÉ – Mas problemas econômicos, como a alta da inflação e a falta de crescimento do PIB, não pautam o voto?
Meirelles – A maior parte dos eleitores é
da classe C e eles não entram e nem querem saber sobre essa conversa de
pibinho, taxa Selic e tripé macroeconômico. Eles querem saber sobre o
preço do tomate, do emprego e da diminuição dos juros no crediário e nos
juros do cheque especial.
ISTOÉ – Quais são os desejos e necessidades desses eleitores?
Meirelles – Eles querem saber quem vai garantir a creche para
as mulheres que foram para o mercado de trabalho. Querem serviços
públicos de mais qualidade e não abrem mão da manutenção do poder de
compra.
ISTOÉ – Quem são os jovens dessa geração digital?
Meirelles – São jovens de 18 a 33 anos, uma mistura das
gerações Y e X (nascidos entre 1980 e hoje) e predominantemente de
classe C. Gastam R$ 200 bilhões por ano. De cada R$ 100 que um pai da
classe alta injeta na economia do lar, o filho jovem coloca R$ 57. Na
classe C, o filho coloca R$ 96. É por isso que os filhos influenciam
mais a economia doméstica. Além disso, eles são mais escolarizados que
os pais e mais conectados.
ISTOÉ – Qual será a importância deles nas eleições de outubro?
Meirelles – Como os jovens decidem mais sobre as coisas dentro
de casa, eles são os novos formadores de opinião. Isso vale tanto para a
compra de um produto quanto para a decisão do voto familiar. Não há
como discutir o processo eleitoral sem falar da juventude. Os jovens
olham para a frente; são eles que vão ajudar a decidir as eleições este
ano.
ISTOÉ – As pesquisas mostram em qual candidatura eles estão apostando as fichas?
Meirelles – É muito cedo para falar em definições, mas
certamente a entrada da candidata Marina Silva modificou o quadro
eleitoral. A ex-senadora, ao que tudo indica, consegue angariar o voto
jovem, que soma boa parte dos descontentes com a política que saíram às
ruas em junho do ano passado.
ISTOÉ – O que as manifestações de junho de 2013 deixaram de legado?
Meirelles – Que os jovens não aceitam mais uma classe política
que não os representa. Eles querem ser protagonistas da própria
história. Essa geração não aceita hierarquias, censura e tampouco
tentativas de silenciá-los.
ISTOÉ – Os jovens estão mais insatisfeitos?
Meirelles – Por serem mais escolarizados e conectados que os
pais, eles são mais críticos com a real situação do País. Eles não
enxergam na classe política a solução para um futuro melhor.
ISTOÉ – Isso explica por que a maioria dos jovens está indecisa ou pretende anular o voto?
Meirelles – Os políticos não sabem levar a pauta política para o
cotidiano dos jovens. Eles não falam a linguagem desse eleitorado. Os
políticos são analógicos e os jovens são digitais. Eles têm uma
mentalidade velha que avalia políticas públicas pela lógica da oferta e
não pela demanda. Ou seja, é mais importante o que os estudiosos afirmam
que é bom para as pessoas, do que o que o povo sabe que é importante
para elas.