8.31.2013

Como ser contra enviar médicos cubanos para os lugares onde os nossos não querem ir?

Zuenir Ventura
Já foi mais fácil tomar partido. O mundo e as coisas tinham apenas dois lados, o bom e o ruim, o branco e o preto, o certo e o errado, o bonito e o feio. A democracia é que inventou essa complicação de vários pontos de vista, de ambivalência, substituindo o maniqueísmo pelo relativismo. O bem pode estar dentro do mal e vice-versa, entre o preto e o branco há o cinza, entre as luzes e as trevas existe o crepúsculo, e até o feio e o bonito variam conforme o gosto. No tempo do sectarismo ideológico, não haveria dúvidas em relação, por exemplo, a questões que se discutem tanto. Você é contra ou a favor da importação de médicos cubanos? Era muito simples: se vinha de Cuba, era bom. Ou ruim. Dependia de sua posição política. Agora, a complexidade de certos casos não admite mais resposta binária, pelo menos para quem não carrega na cabeça resquícios da Guerra Fria.
Como ser contra enviar médicos cubanos para os lugares onde os nossos não querem ir? Só com muito preconceito ideológico ou corporativismo, ou os dois. Ao mesmo tempo, como aceitar passivamente que esses profissionais permaneçam submetidos a um regime ditatorial que confisca parte de seus salários e não os deixam trazer suas famílias, retidas lá como reféns para evitar possíveis deserções? Não dá para desprezar os direitos humanos e dizer: “Isso é problema deles, não nosso.” Mesmo pesando os prós e os contras na busca de isenção, a decisão é complicada. Virá sempre acompanhada de um “mas”, “porém”, “por outro lado”.
Diferente, mas também com implicações políticas, é o caso do diplomata Eduardo Saboia, que à revelia do Itamaraty deu fuga ao senador boliviano Roger Pinto, que esteve refugiado na embaixada do Brasil em La Paz durante 452 dias. Preocupado com a saúde debilitada do asilado, Saboia colocou-o um dia num carro, viajou 1600 quilômetros acompanhado de dois fuzileiros brasileiros, e depositou-o em Corumbá, enfurecendo o governo boliviano. O senador é um desafeto de Evo Morales, a quem acusa de corrupção, e é acusado por este do mesmo crime. Politizada, a questão gerou uma séria crise diplomática entre os dois países. Para uns, Saboia foi um “herói”, do ponto de vista humanitário; para outros, um “irresponsável”. Vai ver, cada lado tem um pouco de razão.
Em suma, trata-se de um mundo complicado que cobra atitude onde tudo é relativo, inclusive essa afirmação.

Obama: "Não podemos e não iremos fechar os olhos para o que aconteceu em Damasco",

Decisão final sobre ataque à Síria será de Congresso americano

  • Obama diz estar convencido da necessidade de ofensiva, mas aceita submeter questão ao Legislativo
  • Governo russo afirma que ameaça americana de usar a força para punir Assad pelo uso de armas químicas é ‘inaceitável’

O Globo
Com agências internacionais

O presidente Barack Obama conversa ao telefone no Salão Oval, na Casa Branca com presidente da Câmara dos Representantes, o republicano John Boehner, de Ohio, enquanto é observado pelo vice-presidente Joe Biden. Obama vai pedir ao Congresso que autorize ação militar contra o governo da Síria. Foto: Pete SOUZA / AFP / The White House

O presidente Barack Obama conversa ao telefone no Salão Oval, na Casa Branca com presidente da Câmara dos Representantes, o republicano John Boehner, de Ohio, enquanto é observado pelo vice-presidente Joe Biden. Obama vai pedir ao Congresso que autorize ação militar contra o governo da Síria. Pete SOUZA / AFP / The White House
BEIRUTE e WASHINGTON – O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou neste sábado que decidiu que o país deve adotar uma ação militar contra alvos do governo sírio, em resposta ao ataque com armas químicas na semana passada. "Não podemos e não iremos fechar os olhos para o que aconteceu em Damasco", disse Obama durante em pronunciamento na Casa Branca.
No entanto, o presidente afirmou que, antes de um possível ataque, irá buscar a aprovação do Congresso norte-americano - um passo que não é legalmente exigido e não estava sendo ponderado pelos seus conselheiros. Como os parlamentares, que voltam a Washington em 9 de setembro, não pretendem suspender o recesso, a ação militar pode atrasar mais do que o esperado - se for aprovada.
- Decidi que os EUA devem tomar ações militares contra regime sírio - disse Obama. - As ações serão limitadas em duração e escopo, mas visam impedir este tipo de comportamento. Estamos preparados para atacar quando quisermos.
Mais tarde, Obama enviou um projeto de lei ao Congresso pedindo formalmente a aprovação do uso de força militar na Síria para "impedir, prevenir e degradar" a possibilidade de novos ataques químicos.
A Câmara dos Deputados dos EUA irá considerar uma medida sobre uma ação militar contra a Síria na semana de 9 de setembro, disseram o presidente da instituição, John Boehner, e outros líderes republicanos, em um comunicado divulgado após o discurso do presidente norte-americano Barack Obama neste sábado.
"Em conversa com o presidente, nós esperamos que a Câmara considere uma medida na semana de 9 de setembro. Isto dará tempo ao presidente para apresentar seu caso ao Congresso e ao povo americano", disse o comunicado.
Obama disse que se sente "confortável em seguir em frente" sem a aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que, "até agora, está completamente paralisado".
Abandonado por tradicionais aliados como o Reino Unido e sob fortes críticas da Rússia, que afirmou que a ameaça americana de usar a força para punir Assad é “inaceitável”, Obama tenta assim dar mais legitimidade à ação, mesmo que apenas aos olhos da opinião pública doméstica. Neste sábado, os inspetores da ONU que foram à Síria investigar o ataque químico deixaram o país, aumentando a expectativa quanto a um iminente ataque dos EUA.
A equipe de investigadores das Nações Unidas passou quatro dias na Síria recolhendo amostras, e seus últimos integrantes saíram do país e entraram por terra no vizinho Líbano na madrugada deste sábado no horário de Brasília, seguindo diretamente para o aeroporto de Beirute. De lá, embarcaram rumo à Europa em avião fretado pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha e pousaram no início da tarde em Roterdã, Holanda. Os inspetores estiveram por três vezes em áreas do subúrbio damasquino de Ghouta dominadas pelos rebeldes, onde coletaram sangue e tecido de vítimas, assim como amostras do solo, roupas e fragmentos de foguetes supostamente usados no ataque.
Martin Nesirsky, porta-voz do secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, disse a jornalistas que não haverá um informe provisório sobre o resultado das inspeções, que só será apresentado em um relatório final para cuja conclusão ele não quis estabelecer um prazo. Ele afirmou, porém, que Ban Ki-Moon ordenou que as análises científicas do material colhido na Síria sejam aceleradas. Ban se reunirá neste domingo com o líder da missão de inspetores à Síria para ser informado sobre os quatro dias de inspeções e os próximos passos da investigação. Nesirsky reiterou que a equipe da ONU não estava encarregada de eslarecer quem foi responsável pelo suposto ataque químico na Síria, e sim comprovar se ele aconteceu ou não.
Na sexta-feira, porém, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, apresentou um relatório da Inteligência americana que, segundo a Casa Branca, não deixa dúvidas de que o ataque químico na Síria foi perpetrado pelas tropas de Assad, deixando 1.429 mortos, incluindo 426 crianças, no dia 21 agosto. Damasco reagiu e afirmou que o relatório era “totalmente fabricado”. Segundo o relatório americano, imagens de satélite mostram que os foguetes foram lançados 90 minutos antes dos primeiros registros nas mídias sociais. Os dados apresentados por Kerry indicaram ainda que o regime de Assad usou um mix de armas químicas, incluindo gás sarin.
- Este ataque é uma ameaça para o mundo e afeta aos interesses dos Estados Unidos e de nossos aliados. Não podemos aceitar um mundo onde mulheres e crianças são vítimas de gás. Se não houver uma ação militar contra este ataque estaremos enviando sinais de que as normas de segurança internacionais não têm sentido - disse o presidente dos EUA, Barack Obama, logo após a divulgação do relatório, num claro sinal de que o país está disposto a responder ao ataque químico, mesmo que seja sem o apoio de aliados.
Mas enquanto o Pentágono faz as preparações finais para um ataque, a Rússia elevou o tom das críticas à intenção americana de agir sem o aval do Conselho de Segurança da ONU. Para o presidente russo Vladmir Putin, não faria sentido para o governo sírio usar armas químicas numa guerra que está vencendo.
- É por isso que estou convencido que o ataque químico não foi nada mais que uma provocação daqueles que querem arrastar outros países para o conflito sírio e ganhar o apoio de membros poderosos da arena internacional, especialmente dos EUA – disse Putin. - Se eles (os EUA) dizem que as forças governamentais usaram armas de destruição em massa e que têm provas disso, então que as apresentem aos inspetores da ONU e ao Conselho de Segurança. Alegações de que as provas existem, mas são secretas e não podem ser apresentadas a ninguém são abaixo da crítica. Isto é um simples desrespeito (dos EUA) aos seus parceiros.
Antes, Alexander Lukashevich, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, classificou como “inaceitáveis” as ameaças dos EUA contra a Síria. Segundo Obama, seu país, que dispõe de pelo menos cinco navios equipados com mísseis de cruzeiro na região, planeja uma resposta “limitada” ao ataque químico que não envolverá tropas em terra.
- Qualquer uso unilateral da força sem a autorização do Conselho de Segurança da ONU, não interessa o quanto “limitado”, será uma clara violação das leis internacionais, minando as chances de uma solução política e diplomática pata o conflito na Síria e levando a uma nova rodada de confrontos e vítimas - comentou Lukashevich.
Diante da iminência de um ataque, a Síria também prepara suas defesas. Segundo relatos de opositores de Assad, o presidente está movendo tropas, equipamentos e caminhões de documentos para áreas civis de forma a dificultar o trabalho das forças americanas.
- Presumimos que Assad está fazendo isso para proteger seus ativos estratégicos de ataques com mísseis de cruzeiro dos EUA - disse Dan Layman, do Grupo de Suporte à Síria, que apoia os opositores de Assad.
Já os rebeldes sírios planejam aproveitar um eventual ataque dos EUA para lançar uma ofensiva. Qassim Saadeddine, ex-coronel do Exército da Síria e porta-voz do Supremo Conselho Militar dos rebeldes disse que os planos já foram enviados a grupos espalhados pelo país.
- Nossa esperança é tirar vantagem quando algumas áreas (controladas pelo governo Assad) forem enfraquecidas pelo ataque - contou. - Ordenamos a alguns grupos que se preparem em cada uma das províncias, que preparem seus homens para quando o ataque acontecer. Eles receberam planos militares que incluem ataques a alguns dos alvos que esperamos que sejam atingidos pelos ataques estrangeiros e alguns outros que esperamos atacar ao mesmo tempo.
Enquanto isso, a população síria busca maneiras de se proteger, mesmo não sabendo exatamente o que fazer ou onde se esconder. Já médicos de hospitais nas proximidades da capital síria contaram estarem treinando equipes e tentando assegurar a chegada de suprimentos de atropina e oxigênio, fundamentais para o tratamento de vítimas de ataques químicos, enviados por grupos internacionais de ajuda.
- Tememos que aconteça um novo ataque químico como vingança caso as potências estrangeiras levem a cabo seu ataque - disse Abu Akram, médico no subúrbio damasquino de Arbin, também controlado pelos rebeldes.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS (31-09-2013)


Manchester City vence Hull pelo

Fred: galã e pegador só na novela global

Atacante diz que está sem sorte no amor e no campo de jogo

O Dia
Rio - Se não tem visto o brilho de Fred dentro dos gramados, a torcida do Fluminense vai poder comprovar o sucesso do artilheiro na telinha. O jogador gravou uma participação na novela ‘Flor do Caribe’ e mostrou que, mesmo sem sorte na vida real, na ficção, levou a melhor. Fred interpretou ele mesmo como o namorado misterioso de Cristal (Moro Anghileri) e até beijou a atriz em uma das cenas.
Sthefany Brito e Fernanda Pontes postaram foto com Fred no Instagram
Foto:  Alex Palarea / Ag. News
Mas se na novela Fred se deu bem, nos relacionamentos o jogador não pode dizer o mesmo. “Estou azarado”, brincou o atacante, que se considera romântico.
“Não tem mais como esconder um relacionamento hoje, mas primeiro procuro conhecer muito a pessoa. Seja com um jantar em casa, um cinema ou teatro. É um processo que demora e que pode dar certo ou não”, disse.
Mesmo com o assédio das mulheres, o jogador garante que foge do rótulo de conquistador: “Não me considero um Don Juan, sou tímido e tranquilo. Mas acho o máximo as fãs cantando “Fred, vem me pegar”. A beleza da nossa torcida se destaca muito. Principalmente das mulheres”.
No Fluminense, a fase também não é das melhores. Os gols estão raros. Fred não balança as redes há quatro partidas. Nesse ano, marcou apenas oito vezes em 24 jogos. Apesar do baixo rendimento, Fred pede apoio aos tricolores. “Estamos trabalhando, mas o suporte do torcedor é sempre muito bom. Quando tem 50 mil pessoas no estádio, vai jogar pressão para o adversário e motivar ainda mais a nossa equipe”.
FRED RECUSA BARCELONA
Após as especulações de que poderia ir para o Barcelona, o atacante afirmou que tem um planejamento de carreira no Fluminense e que a vontade é ficar no clube.
“Acho muito difícil uma saída. Mas tudo pode acontecer e o tempo vai responder. Minha cabeça é permanecer no clube. Sonho dar uma Libertadores ao Fluminense”, avisou o camisa 9 tricolor.
Reportagem de Julia Farias

CONCURSOS PÚBLICOS

Planejamento autoriza mais de 47 mil vagas no Executivo


Contratações para concursos fazem parte da Lei Orçamentária entregue ao Congresso


Stephanie Tondo
Rio - Mais de 47 mil vagas em concursos públicos serão abertas no próximo ano, apenas no Poder Executivo, segundo previsão do Ministério do Planejamento encaminhada ao Congresso. Os poderes Legislativo e Judiciário, além do Ministério Público da União, juntos, também vão oferecer 5.438 chances em seleções públicas nacionais. Os dados fazem parte do Projeto da Lei Orçamentária Anual encaminhado na quinta-feira pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, ao presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL).
Vale lembrar que a oferta de vagas para o Poder Executivo indica expectativa do governo federal, mas depende da arrecadação da União no fim do ano.

“Dentro do cenário econômico possível, o governo autoriza os concursos que considera estratégicos para o atendimento de áreas e programas prioritários ao país e essenciais para o funcionamento da administração pública”, informou o Planejamento.

Especialistas afirmam que o ideal é o candidato fazer um curso preparatório para intensificar os estudos
Foto:  Divulgação

Do total de 47.112 vagas para contratações no Poder Executivo, 42.353 são para cargos vagos já existentes, que a critério da administração poderão ou não ser usados, e os outros 4.759 são cargos reservados para substituir terceirizados. Se todas as vagas forem ocupadas, a despesa no ano que vem será, respectivamente, de R$ 2,053 bilhões e de R$ 224,9 milhões.

Em nota, o Planejamento lembra que as contratações restantes, relativas aos outros poderes e ao Ministério Público, não são de sua competência. “Os demais números não dizem respeito ao governo federal, mas aos demais poderes, que poderão autorizar as contratações de forma independente”, esclarece.
Candidatos já devem iniciar os estudos

Mesmo sem saber quais concursos serão lançados, candidatos já devem começar a se preparar. O ideal é dar preferência às matérias comuns a todas as seleções, como Português, direitos Administrativo e Constitucional, e Informática. “Quem começa a preparação agora sai na frente, pois quando o edital é lançado, precisa estudar só as disciplinas específicas”, avalia Paulo Estrella, diretor da Academia do Concurso.

Orientação para estudos

De acordo com Paulo Estrella, as bancas que devem ser escolhidas para organizar os concursos previstos são a Fundação Carlos Chagas (FCC) e a Cespe/UnB. “Nada impede que os órgãos escolham outras, mas essas duas são as mais produtivas hoje em dia”, diz.

Confira as vagas
Foto:  Arte: O Dia
Conhecer a organizadora ajuda a direcionar os estudos e saber o que esperar da prova. Para se familiarizar com o estilo, o ideal é fazer as questões de concursos anteriores.

Ex-médico Marcelo Caron vai a júri popular por morte de paciente, em GO

  O ex-médico Denísio Marcelo Caron já está sendo julgado, no Fórum de Goiânia, pela morte da oficial de Justiça Flávia Rosa, de 23 anos. A sessão do júri popular presidida pelo juiz Lourival Machado da Costa, do 2º Tribunal do Júri da capital, começou às 8h55 desta quinta-feira (29).

Foram convocados 25 jurados para o julgamento. Destes, sete foram sorteados nesta manhã para integrar o júri. Como a promotoria e a defesa têm o direito de aceitar ou não os jurados sorteados, a defesa de Caron requisitou que três pessoas escolhidas fossem substituídas. Elas eram mulheres e jovens, o mesmo perfil da vítima que morreu. Após a substituição, o júri ficou composto por cinco homens e duas mulheres.
Segundo Tribunal de Justiça, o julgamento acontece na seguinte ordem: primeiro, o Ministério Público apresenta a acusação. Em seguida, o réu é interrogado e depois são ouvidas as testemunhas de acusação, já que a defesa não arrolou nenhuma testemunha. Após os depoimentos, começam os debates orais entre acusação e defesa.
  • Jovem de 23 anos teve fígado perfurado durante lipoaspiração, diz promotor.
    Julgamento está marcado para quinta-feira (29), no Fórum de Goiânia.






    Ex-médico Marcelo Caron, em Goiânia, em foto de 14 de abril de 2009 (Foto: Diomício Gomes/O Popular) 
    Ex-médico Marcelo Caron, em foto de 14 de abril de
    2009 (Foto: Diomício Gomes/O Popular)
Caron entrou no tribunal 15 minutos antes do julgamento começar. Ele não falou com a imprensa.
O advogado do ex-médico, Ricardo Naves, reconhece a responsabilidade de seu cliente, mas nega dolo eventual: "Culpa é culpa, mas ele não tinha intenção de matar, nem assumiu o risco".
Já o promotor Maurício Gonçalves de Camargo quer que o réu seja condenado por homicídio qualificado pela torpeza. "Pela ganância, pela ânsia de ganhar dinheiro, ele fez diversas cirurgias plásticas em mulheres, embora não fosse habilitado para esse fim", disse Camargo ao G1. Se condenado, Caron pode pegar de 12 a 30 anos de prisão.
Familiares de Flávia Rosa acompanham o julgamento. Tia da jovem, Carmem Lúcia Moura Rosa diz que espera por justiça: “Que ela morreu por causa da lipoaspiração a gente sabe que foi. Está nos autos. Ele perfurou o fígado dela. Não foi só ela, foram várias [pacientes]. Ela fez a lipo e estava reclamando de muitas dores. E ele  [Marcelo Caron] dizendo que era manha”.
Flávia Rosa, paciente que morreu após lipoaspiração feita pelo ex-médico Marcelo Caron, em Goiânia (Foto: Reprodução/TV Anhanguera) 
Flávia Rosa morreu em 2001 durante lipoaspiração
(Foto: Reprodução/TV Anhanguera)
Cirurgia
Flávia Rosa morreu em 12 de março de 2001, seis dias após se submeter a uma cirurgia de lipoaspiração. Segundo o promotor, durante o procedimento, o ex-médico perfurou o fígado da vítima.
"Ela recebeu alta da clíncia de Caron pouco tempo depois da cirurgia, mas, em casa, sentia fortes dores e tinha febre. A família, então, decidiu levá-la para um hospital, onde ela veio a falecer", relatou Camargo.
Caron é suspeito de provocar a morte de seis pacientes. Quatro mulheres teriam morrido em consequência dos procedimentos em Goiás e duas no Distrito Federal (DF).
Condenações
Em 2009, o ex-médico foi condenado por homicídio pelas mortes das pacientes do DF. Juntas, as penas dos dois processos somam 30 anos de prisão. Caron recebeu uma terceira condenação em 2012, por lesão corporal grave, em Goiânia, por ter causado sequelas a uma mulher que se submeteu a cirurgias plásticas no abdômen e na mama, além de pagar indenização no valor de R$ 10 mil.
Apesar de atuar como cirurgião plástico em Goiânia e Distrito Federal, ele não tinha especialização na área e teve o registro profissional cassado pelo Conselho Federal de Medicina por exercício ilegal da profissão.

Sugestão de cardápio

Bife grelhado ao molho de queijo

Quantidade: 1 Porção
Caloria por porção: 214 kcal

ACOMPANHAMENTO

Quiche de arroz e brócolis

Quantidade: 1 Porção
Caloria por porção: 88 kcal

Salada com verduras e frutas

Quantidade: 1 Porção
Caloria por porção: 100 kcal

BEBIDAS

Suco de abacaxi com gengibre e hortelã

Quantidade: 1 Porção
Caloria por porção: 70 kcal

Trouxinha de banana com maracujá

Quantidade: 1 Porção
Caloria por porção: 135 kcal

RECUPERE A ENERGIA SE EXERCITANDO

Recupere a energia se exercitando
Quem disse que o descanso é o melhor remédio para se recuperar do cansaço?

Quem corre sabe que existem alguns dias em que o corpo parece não corresponder às expectativas. Diferentemente do que muitos pensam, a melhor saída nem sempre é tirar horas de descanso, com as pernas para o ar. Às vezes, praticar atividade física de um jeito mais leve e produtivo te ajudará a recuperar a energia bem mais rápido.
Confira algumas dicas:
Corrida leve
Corridas leves permitem que os músculos se recuperem ao mesmo tempo que melhoram sua eficiência biomecânica, o que se traduz em uma melhor forma para correr. A chave é fazer um treino curto e lento. Recomenda-se fazer de um terço à metade da distância que você percorre em suas corridas mais longas e em ritmo mais devagar. Sua respiração deve ser leve e sua velocidade, de pouco mais de 1 min/km a menos que o ritmo de corrida.
Musculação
O treino de força dá as suas pernas um descanso mais do que necessário do impacto do asfalto e aumenta a força corporal como um todo. Músculos mais fortes podem melhorar a eficiência da sua passada, fazendo de você um atleta melhor.  Um tronco forte impede que sua forma se deteriore e ajuda você a enfrentar ladeiras, enquanto que uma base com membros inferiores fortes absorve melhor os impactos, o que pode proteger de lesões. Para aproveitar melhor seu tempo treinando, escolha exercícios que trabalhem vários grupos musculares de uma vez, como agachamentos, avanços, flexões de braço, barra fixa supinada, step e remadas unilaterais. Comece com duas a três séries de seis a 12 repetições de cada exercício. Seus músculos devem estar esgotados no fim da última série.

Em defesa da justiça

Diário da Manhã
José Luís Oliveira Lima e Rodrigo Dall'Acqua 
Pode-se não gostar dos réus da ação penal 470 e até torcer por sua condenação. O que não se admite é a desatenção com os princípios jurídicos estabelecidos – isso representa uma ameaça não só à busca pela justiça, mas também à democracia.
A análise de embargos infringentes não corresponde a um novo julgamento, mas à segunda etapa do mesmo, na qual juízes superam dúvidas.
O julgamento da ação penal 470 tem mobilizado paixões e ódios, potencializados pela cobertura intensa da mídia. Nesse ambiente, visões distorcidas ganham ares de verdade, a depender da posição política do observador.
É resultado dessa miopia a avaliação de que a apresentação dos chamados embargos infringentes pela defesa dos réus representa uma tentativa de golpe.
Tal impropriedade foi defendida nesta Folha por Marco Antonio Villa, no artigo “Em defesa de Joaquim Barbosa” (28/8), pontuado mais por convicções políticas do que por conhecimento jurídico ou equilíbrio de análise. Ele reproduz a afirmação de que a eventual aceitação dos embargos infringentes pelo Supremo Tribunal Federal representaria uma reabertura do julgamento.
Muitos analistas pouco afeitos às regras processuais têm repetido que a análise desses embargos equivaleria a um novo julgamento.
É preciso deixar claro: a análise de embargos infringentes não corresponde a um novo julgamento, mas à segunda etapa do mesmo julgamento. Esses embargos estão previstos no regimento do STF apenas para os pontos em que, na primeira etapa do julgamento, houve divergência razoável entre os juízes. São aquelas decisões em que ao menos 4 dos 11 ministros votaram contra a tese que acabou prevalecendo.
E por que o regimento do STF prevê esse dispositivo? Porque uma decisão tomada com grau tão grande de divergência está marcada pela dúvida. A regra que permite os embargos infringentes serve para que os juízes rediscutam suas decisões mais difíceis e superem suas dúvidas, na busca da sentença mais justa.
No caso da ação penal 470, a análise das divergências registradas na primeira fase do julgamento torna-se ainda mais necessária. Mesmo os réus que não se encaixavam nos requisitos do foro especial foram submetidos a julgamento de uma única instância, vendo suas causas levadas diretamente ao STF, sem passagem pelo juízo de primeiro grau, como ocorre usualmente em ações dessa natureza.
Exatamente por isso é ainda mais recomendável eliminar qualquer sombra de dúvida deixada pela primeira fase do julgamento.
O Direito, lembremos, não é uma ciência exata. A interpretação e a aplicação das leis sempre depende de um certo grau de subjetividade. Em decisões colegiadas, como as do STF, é no debate entre os juízes e no exame detido de suas divergências que se chega mais perto da justiça.
Nesse sentido, aliás, classificar como chicana a simples apresentação de divergência por um dos ministros é revelador. Representa falta de disposição para examinar com espírito desarmado argumentos capazes de melhorar a decisão judicial. Mesmo que, ao final, não se concorde com eles, olhá-los com a devida atenção só aperfeiçoa a sentença.
Juízes, como quaisquer seres humanos, são falíveis, e faz bem ter consciência disso. A justiça que tarda não é justiça. Assim como não é justiça a justiça que atropela etapas e limita o debate de argumentos.
Registre-se que, para os padrões brasileiros, a ação penal 470 teve andamento célere. Entre a abertura do inquérito e o julgamento final, passaram-se oito anos. Em nosso país, são incontáveis os processos de casos rumorosos que duram mais.
Pode-se considerar a lentidão um dos males do sistema judiciário brasileiro. A solução desse problema, porém, depende de reformas estruturais, e não da ação individual de juízes, cujo voluntarismo pode nos empurrar para as raias da injustiça.

(José Luís Oliveira Lima, 47, e Rodrigo Dall'Acqua, 37, advogados criminalistas e defendem o ex-ministro José Dirceu)

Não ao autoritarismo da arrogância. e sim a racionalidade

Marilena Chaui: Pela responsabilidade intelectual e política

marilena chaui por patricia araujo
Não seria possível não ouvir Marilena Chaui a respeito das manifestações de 2013. Pensadora de importância inestimável na história da cultura brasileira, Marilena chamou a atenção nos últimos anos por ter rompido com a mídia. Depois do tratamento imprudente que a maior parte do jornalismo brasileiro deu a questões políticas graves, Marilena decidiu “não falar mais”. Seu silêncio tornou-se insuportável para os grandes veículos de comunicação. Frequentemente cronistas dizem: “o que Marilena Chaui pensaria sobre isso?”. É óbvia a ironia da pergunta, usada para dar a entender que o silêncio de Marilena se deve ao fato de ela não ter o que dizer diante dos erros do PT e do governo federal, tão defendidos por ela nos últimos 10 anos.
À CULT, porém, Marilena nunca fechou suas portas. Muito pelo contrário. E no último domingo de junho, em plena fase das manifestações por todo o Brasil, ela nos acolheu em sua casa, no fim da tarde, para uma conversa franca na qual ela não apenas comenta o sentido das manifestações, como também fala com sinceridade de suas críticas ao PT e ao governo do PT. Não o faz, todavia, com amargura ou ressentimento, mas com a força e a coragem de uma mulher lúcida e clara, engajada numa luta que não se perde nem em posições ligeiras nem em novidades fáceis. Com a generosidade que a caracteriza, ela sabe triar o que é bom e o que deve ser questionado, mas sendo sempre movida pelo bem, pela responsabilidade intelectual e pela lucidez de quem tem experiência. Como dizia Maurice Merleau-Ponty, o intelectual é aquele que “levanta e fala”. Mas, muitas vezes, o levantar e o falar têm sido acompanhados de inconsequências que vão desde a incapacidade de análise até o autoritarismo da arrogância em nome da racionalidade (ou em nome de nada…). Definitivamente, esse não é o caso de Marilena Chaui.
CULT – Qual foi sua primeira reação ao ver tanta gente nas ruas durante as manifestações de 2013?
Marilena Chaui – Um susto! Acompanhei as tentativas de manifestação do Passe Livre na USP e vi que o movimento não conseguia mais do que três gatos pingados para escutar. Nem digo participar da manifestação, mas escutar. Imaginei que iriam para a rua com cinquenta, cem pessoas. Então, levei um susto, pois não tinha entendido a relação entre o que eles estavam fazendo, ou seja, a fórmula clássica da mobilização, e o uso das redes sociais. Se eu soubesse que eles iriam usar as redes sociais, não teria me assustado, pois associaria com outros eventos que já vi no mundo.
E como se deu sua compreensão das manifestações?
No primeiro dia, pelo menos em São Paulo, as palavras de ordem eram referentes ao transporte. Depois da primeira manifestação, participei do Conselho da Cidade convocado pelo prefeito Fernando Haddad. Os representantes do Passe Livre foram e falaram. Eles eram cinco e cada um falou 15 minutos. Depois os conselheiros falaram. Todos os conselheiros pediram a revogação do aumento das tarifas. O secretário Municipal de Transportes, Jilmar Tatto, mostrou as planilhas e depois falou o prefeito. Eu imediatamente pensei: se o prefeito revogar, os meninos vão à rua comemorar; se ele não revogar, vai haver uma passeata não só como a primeira, mas sobretudo com incorporação das palavras de ordem das outras cidades. E não deu outra. Algumas pessoas ficaram perplexas; eu não. Diziam: “Como pode haver manifestação? A inflação está sob controle; o desemprego diminuiu; os programas sociais funcionam; há estabilidade econômica e política!”. Ou seja, os temas que sempre caracterizaram as manifestações no Brasil estavam ausentes. Eu não fiquei perplexa no que se refere a São Paulo, porque tenho dito há um bom tempo que a cidade está se tornando um inferno urbano. Está impossível viver nela, seja pelo trânsito, pela indecência do transporte coletivo, seja pela explosão demográfica com os condomínios e shopping centers. Achei compreensível, e, num primeiro momento, pensei que as manifestações iriam girar em torno dos temas urbanos. Mas quando se viraram contra a política, contra a mediação institucional, aí, sim, fiquei com medo, porque já vi esse filme em 1964 e em 1969. A gente sabe o que aconteceu nos anos 1920, na Itália, e nos anos 1930, na Alemanha, sobre a recusa da política.
Mas se falou muito que Haddad foi ambíguo. Ele disse que não revogava o aumento das tarifas, mas depois revogou…
Não, ele não foi ambíguo. Ele disse o seguinte: “Se eu revogar, significa que tenho de aumentar o subsídio. Para aumentar o subsídio, vou ter de cortar recursos dos programas sociais. Então, tenho de ver isso com meu secretariado; tenho de analisar onde eu vou mexer para subsidiar e para fazer o corte”. Na verdade, ele pediu um tempo para as pessoas. Não disse que não iria revogar. E foi nessa hora que alguns conselheiros (como os do movimento Afroeducação) e os membros do Passe Livre disseram que não queriam saber de planilha, que queriam a revogação imediata. Então, não houve ambiguidade. Faltou intuição política, pois Haddad poderia ter dito: “Vou revogar, mas convido imediatamente o Movimento Passe Livre para uma reunião comigo e com o secretariado para fazermos um estudo de onde eu vou tirar o subsídio”. Com isso, ele incorporaria o movimento à discussão de outros problemas da cidade e teria sido mais politizador. Haddad deu uma resposta técnica em um momento que pedia uma resposta política.
Algumas pessoas dizem que as manifestações tiveram uma deriva à direita. Um dado curioso é que há políticos da oposição, seja de “esquerda”, como os do PSTU e do PSOL, seja de “centro-direita”, como os do PSDB, que têm se servido das manifestações para alimentar um discurso anti-PT e anti-Dilma… Você vê uma deriva à direita ou uma deriva anti-governo?
Não vejo nem uma coisa nem outra neste momento. Não posso dizer que amanhã não vá ser isso. O que vejo neste momento é que, como o PSOL e o PSTU não têm representatividade social, pois são minúsculos, o crescimento da manifestação de rua fez com que eles julgassem que poderiam se apropriar dela. Não houve liderança da esquerda, mas uma tentativa, desses partidos, de se apropriar de um movimento de massa que seriam incapazes de realizar. A mesma coisa ocorre com a direita, que não tem força de mobilização, operando sempre por lobby e por meio da repressão (basta ver como opera o lobby dos ruralistas contra o MST e os índios). A chamada oposição de centro-direita está caindo pelas tabelas (basta lembrar o que aconteceu com o movimento do PSDB, o “Cansei”), e por isso, depois de investir contra os movimentos de rua por meio da repressão policial, tenta se apropriar deles porque julga que podem desestabilizar o governo Dilma. Afinal, a primeira atitude do Geraldo Alckmin foi chamar a polícia. Na USP, quando há manifestações, a primeira atitude do reitor é chamar a polícia. Não há nenhum vínculo real entre os partidos chamados de oposição, particularmente o PSDB, e os movimentos de massa. Então, o que temos é: o movimento correndo pelo meio e duas tentativas extremas de apropriação.
Isso favorece a apropriação pela direita?
Essa é a minha preocupação. Há elementos que favorecem a apropriação e a manipulação pela direita: o primeiro é o fato de os manifestantes confundirem o que significa ter uma direção e o que significa ter uma liderança. Como eles se organizam em termos de autogestão e horizontalidade, sem dirigentes e dirigidos, eles identificam ter um rumo com ter um líder. Não percebem que não é a mesma coisa. As manifestações, por enquanto, estão sem rumo; têm palavras de ordem as mais variadas, mas não um rumo, o que as torna frágeis e apropriáveis pela mídia e pela direita. O segundo elemento é o que eu chamo de pensamento mágico: os manifestantes usaram as redes sociais, ou seja, um instrumento do qual são apenas usuários e de que não têm conhecimento técnico aprofundado nem qualquer controle econômico. As redes estão inseridas numa gigantesca estrutura técnico-científica, econômica e com vigilância e controle geopolíticos (o caso que acaba de ser revelado da espionagem norte-americana sobre todo o planeta não pode ser minimizado), de maneira que, sob a aparência de ser uma alternativa libertária, ela também insere os usuários no mundo do controle e da vigilância. Penso que o caso do Egito é um alerta, embora, evidentemente, é um caso que não se compara ao nosso, pois lá a luta está mergulhada nos problemas postos pelas ditaduras e pelo fundamentalismo religioso, e, aqui, se dão numa democracia como luta por direitos. Mas o estopim lá (como em Nova York, na Wall Street) foi o uso das redes sociais. Há ainda um outro aspecto das redes que me pareceu muito claro nas manifestações brasileiras, ou seja, como o usuário não conhece bem o modo de funcionamento das redes, e como para ele basta apertar um botão para que coisas aconteçam, passa-se a ter com a realidade uma relação do mesmo tipo: eu quero, então acontece. Como num ato mágico.
Sem nenhuma mediação…
Sem mediação. Essa relação mágica com a realidade está diretamente relacionada com um elemento poderosíssimo da sociedade de consumo e muito usado pelos meios de comunicação: a satisfação imediata do desejo. É uma das raízes da violência, porque anula a mediação, quando, na verdade, o desejo precisa de mediação. No âmbito das manifestações, isso se expressa pela recusa da mediação política. Por que falo em pensamento mágico? Porque o fato de que houve uma longa e difícil negociação em torno da tarifa passa despercebido; é como se o resultado tivesse sido imediato, um passe de mágica. Ora, quando se tira a mediação institucional, o que se pede é a ditadura. Por exemplo, quando vi um rapaz enrolado na bandeira brasileira dizer “meu partido é meu país”, falei comigo mesma: “É algum neonazista que comanda esse menino, pois esse foi o discurso nazista para a supressão dos partidos políticos!”, o que é muito assustador e ainda mais assustador quando uma parte dos manifestantes espancou e ensanguentou manifestantes de esquerda. Eu sempre digo: a crítica aos partidos brasileiros é justificada, a crítica aos governos é justificada, o que não é justificado é não perceber qual a origem desse sistema partidário, qual é a origem desse sistema eleitoral e como é que se luta contra ele. Não se luta suprimindo os partidos, mas produzindo uma nova institucionalidade. E não há essa percepção por grande parte dos manifestantes. Finalmente, outro elemento a ser pensado é o fato de que – ao menos em São Paulo e no Rio – as manifestações de periferia são qualitativamente diferentes das manifestações do centro das cidades. Na periferia, não são manifestações de juventude; ao contrário, há adultos, idosos, crianças e jovens, e as demandas são muito claras. As manifestações do centro das cidades, pelo menos em São Paulo e no Rio de Janeiro, são predominantemente de classe média, e é essa presença que é preocupante, porque sabemos que, depois do Comício dos Cem Mil, em 1964, no Rio de Janeiro, a resposta foi a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, apoiada por Ademar de Barros (governador de São Paulo) e os governadores do Rio de Janeiro, Minas Gerais e da Bahia. Depois houve em outros estados. Foi uma grande marcha de classe média para derrubar o governo Goulart, o que aconteceu no dia 1º de abril daquele ano. E depois foi a classe média que deu o sustentáculo ideológico e apoio social à ditadura civil-militar. Quando vi, nessas duas cidades, as esquerdas tendo de disputar a rua com a direita, não pude deixar de ter essas lembranças. Isso é muito preocupante.
Do que falamos quando falamos de classe média?
Há um ano participei de duas reuniões do Conselho de Desenvolvimento Social, criado pela presidente Dilma para pensar o que eles chamam de “nova classe média”. Nas duas ocasiões, minhas intervenções foram no sentido de dizer: não há uma nova classe média, e sim a velha classe média, que cresceu, prosperou, e está aí. O que surgiu no Brasil com os programas sociais que tiraram 40 milhões de pessoas da linha de miséria (garantindo-lhes três refeições diárias, moradia e ensino fundamental) é uma nova classe trabalhadora. Não faz sentido usar os instrumentos dos institutos de pesquisa e da sociologia, falando de classe A, B, C, D, E, definidas por renda e escolaridade. É preciso pensar as classes sociais conforme sua relação com a forma da propriedade e do sistema de produção, isto é, os proprietários privados dos meios sociais de produção e os não-proprietários, isto é, a força produtiva, os trabalhadores. Situada fora do poder econômico (do capital) e da organização social (dos trabalhadores) está a classe média, que sonha com aquele poder e tem como pesadelo “cair” na classe trabalhadora. Esse critério nos permite compreender que o que surgiu no Brasil com os programas sociais foi uma nova classe trabalhadora, mas que surge no momento em que vigora o capitalismo neoliberal. Então, ela é precarizada, fragmentada, não possui formas de organização e de referência que lhe permitam ter clara identidade, nem formas de expressão no espaço público. Por isso é atraída pelas ideologias de classe média, como a “teologia da prosperidade” (do pentecostalismo) e a do “empreendedorismo” (dos chamados micro-empresários). Mas eu não fui ouvida em Brasília. Depois houve uma reunião final de apresentação de resultados e a equipe técnica continuou com as classes A, B, C, D, E. Disse pra mim mesma: “Sou voto vencido. Vou para casa”. Mas pensei: “Preciso deixar isso registrado”. Então, quando a FLACSO (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais) e o Emir Sader organizaram o livro sobre os dez anos Lula/Dilma, decidi que meu artigo seria sobre a nova classe trabalhadora e a necessidade de uma reforma tributária, de uma reforma política e de uma reorganização dos movimentos sociais. Eu sei que o meu artigo destoa dos outros, que se referem às conquistas reais e importantes desses dez anos, mas eu achei que tinha um dever político. Voltando precisamente às manifestações: se se opera com a noção de uma nova classe média, quais serão os programas que deverão ser implantados para atender a essa classe? Serão programas de estímulo às montadoras, às empreiteiras imobiliárias, às importadoras, aprofundando ao mesmo tempo o consumo, a competição e o isolamento. E faz-se explodir o inferno urbano. Quando falo no inferno urbano, viso essa concepção de que os programas governamentais devem estar a serviço dessa classe média.
Isso explica a sua afirmação de que odeia a classe média?
É.
De fato, ter uma casa confortável, andar de avião, comer bem e poder ir ao cinema não são sinais de classe média… É outra coisa querer absolutamente comprar um carro 4X4… É essa classe média que você odeia? Quer dizer, um ideal de consumo que se está construindo?
Quem ia à Europa nos anos 1950-1960 via trabalhadores dirigindo pequenos carros (na França, o famoso “dois cavalos” da Renault; na Inglaterra, o pequenino “biriba” da Morris; na Itália, o pequeno “cinquecento” da Fiat), saindo de férias com a família (em geral para alguma praia), fazendo compras em lojas de departamento populares, enviando os filhos a creches públicas e, quando maiores, à escola pública de primeiro e segundo graus, às escolas técnicas e mesmo às universidades; também via os trabalhadores tendo direito, juntamente com suas famílias, a hospitais públicos e medicamentos gratuitos, e, evidentemente, possuíam casa própria. Era a Europa da social-democracia e da economia keynesiana, quando as lutas anteriores dos trabalhadores organizados haviam levado à eleição de governantes de centro ou de esquerda e ao surgimento do Estado do Bem-Estar Social, no qual uma parte considerável do fundo público era destinada, sob a forma de salário indireto, aos direitos sociais, reivindicados e, então, conquistados pelas lutas dos trabalhadores. E não viria à cabeça de ninguém dizer que os trabalhadores europeus haviam passado à classe média, como se diz hoje dos trabalhadores brasileiros, após 10 anos de políticas de transferência de renda. Mais do que isso, a classe média conservadora (não falo da parte da classe média que se alinha à esquerda) não tolera isso, grita e espuma contra esses direitos dos trabalhadores. É por isso que eu falo nas “três abominações” que definem essa classe média: trata-se de uma abominação política, porque é fascista; uma abominação ética, porque é violenta; e de uma abominação cognitiva, pois ela é ignorante. Eu acho que muito do que as ruas mostraram no Brasil inteiro foram essas três abominações. Não estou celebrando, diferentemente de vários dos meus colegas, que estão dizendo que um novo Brasil começa, que nada será como antes, que o gigante acordou… Pelo contrário, para quem viu a disputa desigual pelo direito à rua entre os manifestantes de esquerda e de direita, talvez valha a pena lembrar o que escreveu Espinosa: não rir, não lamentar, não detestar nem compactuar, mas compreender.
Criticando esse ideal de classe média, você critica o governo federal. O que você diria, então, sobre os comentários que a tomam por alguém de postura fisiológica, cega para os problemas do PT e fascinada pelo fetiche do PT?
Vou contar dois episódios. Quando eu estava ainda no governo da Erundina (1989-1993), já no final da administração, houve um congresso do PT. Eu fui no último dia, quando havia deliberações e moções para apresentar na assembleia geral. Entrei na primeira sala, sentei. Disseram algumas coisas. Não concordei e levantei a mão. A pessoa que estava dirigindo os trabalhos disse: “A companheira é delegada”? Eu disse: “Não”. “Então a companheira não pode falar”. Pensei com meus botões: “Entrei na sala errada. Esta não é uma sala petista. Deixe-me sair”. Saí. Entrei numa outra sala, discutia-se outra coisa. Também tive uma discordância e levantei a mão. A pessoa que dirigia me perguntou: “A companheira é delegada?” Eu disse: “Não, mas já participei de tanto congresso do PT em que a gente fala… Eu não vou votar, porque eu não sou delegada, mas eu vou falar”. “Não, a companheira não pode falar”. Esse congresso era num lugar que tinha um pátio interno grande. Fui, então, para o meio do pátio e comecei a gritar: “Destruíram o PT! O PT acabou! É preciso refazer o PT!”. Fui levada para fora do recinto, porque “a companheira não estava entendendo o congresso”. Bom, eu venho do período em que o PT era a reunião de movimentos sociais e populares, Comunidades Eclesiais de Base, movimentos sindicais, exilados políticos, ex-guerrilheiros, estudantes, professores, escritores, artistas… Nós formávamos o partido e discutíamos tudo; decidíamos tudo. Quando vi o formato que tinha tomado, falei: “virou uma máquina burocrática”. Tanto que, embora filiada e defensora do partido, não participo de mais nada no interior dele, desde 1993, porque não concordo com essa estrutura. Segundo episódio: quando ocorreu o Mensalão e houve toda a crise, surgiu um grupo que propôs a refundação do PT sob a liderança do Tarso Genro; é um grupo que se chama “Mensagem ao PT”. Eu participo desse grupo, que é completamente autônomo. De vez em quando, temos uma ideia e comunicamos uns aos outros. O Juarez Guimarães fez um livro chamado Leituras da crise. Lá se encontra minha análise crítica do que aconteceu com o PT: máquina burocrática, máquina eleitoral, sem participação das bases, afastado dos movimentos que deram origem a ele e que o fizeram crescer; portanto, um partido que precisa ser refundado. Dizer que eu estou cegada pelo PT, dizer que eu não faço críticas ao PT é coisa de gente que não lê a literatura política. Basta ler a revista Teoria & Debate, o livro do Juarez Guimarães e os artigos que eu publiquei mundo afora para ver que sou extremamente crítica. Mas o fato de eu ser crítica não significa que invalido o partido que vi nascer e que foi a condição do estabelecimento da democracia no Brasil, porque foi o único que introduziu a ideia de direitos sociais, políticos e culturais, pois a democracia se define pela criação e garantia de direitos novos. Eu não abro mão disso. O partido não me traiu (como dizem os que o abandonaram). Ele me encoleriza, me enraivece. Eu quero fazer outro com ele, mudá-lo de cima abaixo. Mas sou petista. Isso faz parte da minha história política, da minha luta e do enorme respeito que tenho pelos grandes militantes ao longo de sua história.
O que você diz sobre as críticas ao governo do PT?
Vamos começar pela questão da moralidade. Quando houve a crise do Mensalão, escrevi um artigo para a página 3 da Folha de São Paulo (foi meu último artigo para a Folha), em que eu dizia o seguinte: uma visão moralista fala de ética na política. Uma visão efetivamente ética tem que falar em ética da política. A ética na política é a transposição de valores privados para o espaço público; a ética da política é a criação de instituições que tenham valores democráticos e republicanos. Faz mais sentido defender a ética da política, porque se há boa qualidade das instituições, não vai poder haver corrupção, pois a corrupção decorre das péssimas qualidades das nossas instituições, que não são verdadeiramente republicanas nem verdadeiramente democráticas. Eu dizia, naquele artigo, algo que tenho dito desde 1994: que era necessário fazer uma reforma política. Nós herdamos da ditadura o pacote de abril de 1975 do general Golbery (do Couto e Silva). Esse pacote, que transformou os territórios em estados, dividiu o Mato Grosso, dividiu o Piauí, o Pará, enfim, rearrumou o país, tinha como finalidade garantir a maioria para a ARENA e impedir a ação política do MDB. Dessa decisão vieram os casuísmos, o sistema eleitoral e a forma completamente absurda da representação dos estados que não leva em conta a densidade demográfica de cada estado da federação. Um dos articulistas da Folha respondeu, dizendo que eu era fisiológica com relação ao PT e que eu era uma comadre do governo. Nunca mais escrevi na Folha. Então, desde 1994 e 2004 eu bato na tecla da reforma política. Por outro lado, me chamar de fisiológica é muito engraçado, porque nunca tive cargo no partido. Ocupei a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo no governo da Erundina (aliás, eu havia recusado, explicando a ela que não podia, não devia nem queria o cargo; mas ela foi mais persuasiva…). Quando me perguntam: “Você tem uma ideia do que poderia ser o inferno?”, digo: “Sim. A Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo”. Essa experiência foi para mim uma violência metafísica. Não tenho cargo em governos. Não tenho cargos no PT. Não represento nenhum político de coisa nenhuma. Eu sou fisiológica no quê? Isso é o que eu chamo de abominação cognitiva, que significa ausência de análise e uso de uma expressão qualquer que não designa realidade nenhuma. Quer dizer, fisiológica no quê? Nas surras políticas que eu levo? Porque o que eu apanho por ser petista e defender o PT e o governo não está no gibi! Já me chamaram de tudo. Só não fui chamada de santa, querubim e duende. Então, é fisiologismo que eu tenha princípios políticos e que os defenda como tais? A minha questão com relação à moralidade é: o sistema gerado pelo general Golbery, que organiza os sistemas partidário e eleitoral, impede que qualquer governante eleito para o poder executivo possa governar só com o seu partido e o obriga a fazer coalizões que destroem a estrutura partidária, os programas e metas, levando a uma perda de identidade. O exemplo que eu costumo dar é o caso da Luiza Erundina. Era um governo do PT e do PCdoB. Só. Não tinha coalizões nem “base aliada”. Mas, quando ela deixou a Prefeitura, haviam ficado parados na Câmara Municipal 325 projetos de lei, a tarifa zero não passou, e uma série de propostas que foram votadas não foram aprovadas. Alguns políticos influentes pagavam os vereadores. Eu não vou dizer o nome deles, mas vou contar um episódio: quando Erundina apresentou seu primeiro projeto, o José Eduardo Martins Cardoso (atual ministro da Justiça), que era o chefe de gabinete, foi negociar com os vereadores. Havia um vereador, tradicional na casa, que falava pelos outros… Ele fez a seguinte pergunta: “Mas, secretário, o senhor não trouxe a maleta?”. O secretário disse: “Qual maleta?”. Ele falou: “A maleta para a gente negociar. Tem um cara aí que já ofereceu para cada um de nós 10 mil dólares. A prefeita cobre?”. Evidentemente, como a prefeita não “cobria”, tivemos 325 projetos de lei que não foram discutidos nem votados. Nós governamos com a cara e a coragem. Ela não conseguiu nenhum empréstimo federal, nenhum empréstimo estadual e bloquearam os pedidos de empréstimos internacionais. Ela governou com os impostos de uma prefeitura que tinha sido quebrada pelo Jânio Quadros. O atual sistema partidário e eleitoral faz com que nenhum eleito para o executivo disponha de maioria no legislativo. Ora, a maioria de projetos e programas precisa de um legislativo que os aprove. Com o sistema atual você é forçado às coalizões. Então, precisamos fazer a reforma política. Mas quando alguém propõe uma Constituinte Específica para isso, o que o PSDB diz? Que é golpe! Ele não quer que mude o sistema político! Vem dizer que a corrupção está do nosso lado quando eles não querem a mudança do sistema político? Além do que, com esses legislativos que estão aí, quem vai fazer a reforma política? Tem de haver uma Constituinte Específica. A arrogância moralista não faz uma análise de por que o sistema partidário e o sistema eleitoral são como são. Por que a classe média não saiu às ruas numa manifestação nacional para derrubar o general Golbery e o Pacote de Abril, já que ela quer a ética na política?  Não vi nenhum deles na rua. Não ouvi um só grito da parte deles. E agora eles gritam contra o efeito daquilo que o Golbery fez como se fosse obra do PT. E não querem que eu fale em abominação política e cognitiva?
Um outro aspecto é a crítica que a esquerda também faz ao governo e ao PT. Por que há, por exemplo, tanta crítica do PSTU, do PSOL e de outros partidos de esquerda?
Vou fazer uma distinção entre pensamento mágico e situação efetiva de vários partidos de esquerda. Começo pelo pensamento mágico. Estive em um debate em que uma participante propôs o programa mínimo para os próximos dias: tirar todos os evangélicos dos legislativos, tirar a Dilma, estatizar os bancos, estatizar as empresas multinacionais e aproveitar a crise mundial do capitalismo, que possivelmente é a última. No caso dos mais velhos, porém, o pensamento mágico é irresponsabilidade política. É importantíssimo que a sociedade faça críticas e leve o governo em direção à esquerda. O Lula e a Erundina diziam isso: “Para poder governar eu preciso dos grandes movimentos sociais puxando para a esquerda”. Ora, com uma ação e um pensamento mágicos, em vez de você puxar para a esquerda e forçar os governos a ir nessa direção, você levanta uma barreira que faz com que ninguém queira ir na sua direção porque ela é tão absurda, irresponsável e ingênua, que ninguém leva a sério. Passo à questão dos vários partidos de esquerda menores (em termos de número de filiados e de representantes eleitos). Esses partidos não possuem uma base social sólida que lhes dê uma clara representação nacional. Por isso, existem principalmente sob a forma do discurso intempestivo. Se você perguntar qual é a ação política efetiva que eles realizaram ou que estão realizando, e de alcance nacional, não há nenhuma. Se estivéssemos numa ditadura e eles não pudessem agir, eu calaria minha boca imediatamente. Mas nós estamos numa democracia; portanto, eles podem agir. Mas sua ação é pontual, fragmentada e tem a finalidade (justa e necessária) de marcar presença. Por que isso? Porque é a única forma de aparecer no cenário nacional. Se você tomar os meios de comunicação, vai ver uma coisa interessantíssima. Quando, em termos eleitorais, se achou que Heloísa Helena tinha alguma possibilidade de impedir a eleição da Dilma, os meios de comunicação a promoveram de todas as maneiras, até o instante em que ela fez bobagem, porque ela é despolitizada. Passaram então para Marina. Tentaram usá-la. E quando perceberam que a Marina não ia dar conta, a abandonaram também. Então, há uma espécie de exército político de esquerda que funciona como um exército de reserva que as oposições e a mídia instrumentalizam e, depois de usar, esvaziam.
Como você vê o elogio dos movimentos sociais e das lideranças individuais, feito por alguns intelectuais que defendem a superação do modelo partidário?
Eu acho que falta uma verdadeira análise econômica, uma verdadeira análise de classe e uma verdadeira análise do que seja a democracia. Se você não faz uma análise da forma da propriedade, com base na qual você pode pensar a divisão social; se não pensa a sociedade como contraditória e conflituosa; e, sobretudo, se não pensa como exercício de poderes tácitos e implícitos, nunca vai poder operar no campo político. Porque vai operar no campo político sob a forma da explosão espontânea disto ou daquilo. Como é que se garante a vida de coletividades inteiras, a vida de um país inteiro, à espera de que aqui e ali, como cogumelo, brote um líder que fale isso, outro que fale aquilo? Mas não é só isso! Quem vai realizar o que deve ser realizado? Eu posso sair pela rua e dizer: “É o seguinte: amanhã não quero latifúndio no Brasil, não quero agronegócio e quero o fechamento dos bancos. Ponto”. Aí, eu vou nas redes sociais e conclamo o país para ouvir a minha voz nessa direção. OK. Todo mundo aprova. Mas quem executa? Esses elogios são de uma cegueira muito grave, porque há um universo que é composto pela propriedade, pelas classes sociais e pelas institucionalidades. Como é que se vai operar sem isso? Você pode transformar tudo isso numa outra direção, mas não pode dizer que você vai operar sem isso. Você não está em Atenas! Você não está em Roma! Até Roma virou Império e Atenas teve os 30 tiranos! Eu insisto que precisamos compreender o sistema planetário de controle e vigilância postos pela web e pela internet, no qual o centro está em toda parte e a circunferência em nenhuma, disseminado numa infinidade de máquinas pelo mundo, formando, como explica Paul Mathias, uma nebulosa informacional amplamente insondável, diversamente organizada, às vezes aberta e disponível, mas frequentemente fechada e secreta. A internet nasce numa infraestrutura econômica que ela mantém invisível, aparecendo como um ambiente universal de informação e comunicação globalmente uniforme. Ora, nossa experiência reticular está circunscrita a um número restrito de programas aplicativos que permitem as múltiplas operações desejadas em um número limitado de gestos previstos e uniformes em todo o planeta, sem que tenhamos a menor ideia do que são e significam os protocolos informáticos que empregamos. Ignoramos os procedimentos operatórios que a criaram e a conservam, as leis de sua formação e configuração, sua arquitetura funcional. Por isso, não é possível celebrar as redes sociais como libertárias em si e por si mesmas, dispensando as mediações políticas.
Você não teria muita ilusão com o sistema de consulta direta…
Sou totalmente favorável. Pode-se e deve-se fazer isso. Uma das coisas mais impressionantes dos movimentos sociais e populares dos anos 1970-1980 foi que eles introduziram a noção de democracia participativa e que, portanto, era com base no que havia sido decidido por aqueles movimentos que os representantes agiam. Estabelece-se um tipo de instituição – o movimento social e o movimento popular –, que opera horizontalmente e com autonomia e que garante por meio da democracia participativa a verdade da democracia representativa. O representante é efetivamente o seu representante. Há mil e uma maneiras de assegurar a consulta direta. Mas não arrebentando a institucionalidade. É uma coisa pueril.
E há uma espécie de incitação à violência por parte de alguns líderes de movimentos sociais e intelectuais de “esquerda”.
Olha, existe a violência revolucionária. Ela se dá no instante em que, pelo conjunto de condições objetivas e subjetivas que se realizam pela própria ação revolucionária, se entra num processo revolucionário. E, durante um processo revolucionário, a forma mesma da realização é a violência. O baixo da sociedade diz “não” para o alto e não reconhece a legitimidade do alto da sociedade. Esse é o movimento revolucionário, com a operação da violência no interior dele, porque é um movimento pelo qual se destroem as instituições vigentes, a forma vigente da propriedade, do poder etc., para criar outra sociedade. E isso se faz com violência; não é por meio da conversa e do diálogo. Mas tem de haver organização. Primeiro, a classe revolucionária tem de estar organizada e saber quais são as metas e quais são os alvos físicos. Você não quebra qualquer coisa. Eu me lembro de uma frase lindíssima do Lênin em que ele dizia assim: “Há uma coisa que a burguesia deixou e que nós não vamos destruir: o bom gosto e as boas maneiras”. Ora, não estamos num processo revolucionário, para dizer o mínimo! Se não se está em um processo revolucionário, se não há uma organização da classe revolucionária, se não há a definição de lideranças, metas e alvos, você tem a violência fascista! Porque a forma fascista é a da eliminação do outro. A violência revolucionária não é isso. Ela leva à guerra civil, à destruição física do outro, mas ela não está lá para fazer isso. Ela está lá para produzir a destruição das formas existentes da propriedade e do poder e criar uma sociedade nova. É isso que ela vai fazer. A violência fascista não é isso. Ela é aquela que propõe a exterminação do outro porque ele é outro. Não estamos num processo revolucionário e por isso corremos o risco da violência fascista contra a esquerda (mesmo quando vinda de grupos que se consideram “de esquerda”!).
De onde vêm as referências filosóficas desses intelectuais?
Alguns citam Giorgio Agamben; outros, Antonio Negri; outros, ainda, Foucault. Não está claro para mim, porque tenho me ocupado com uma problemática mais ligada aos historiadores ingleses, que procuram saber como se dá o processo de denegação da realidade. Mas tenho um pouco de preocupação com a noção de multitudo de Antonio Negri. Ele parte de Espinosa, afirmando que a multitudo é o sujeito político. O que Espinosa afirma, ao propor a multitudo como sujeito político, é o princípio republicano clássico de que todo poder vem do povo e não pode ser exercido sem ele. Mas, como os humanos são naturalmente seres passionais, eles precisam criar instituições que permitam a convivência sem destruição recíproca, pois, se todo mundo pode tudo (é o que Espinosa chama de direito natural de cada um e da multitudo), ninguém pode nada; a forma da relação será aniquilar o outro, porque o outro é uma barreira ao meu direito e é o meu inimigo. A multitudo é travejada por paixões (medo, esperança, amor, ódio, ambição, inveja, cólera, generosidade, compaixão), ou seja, a multitudo não é a presença da razão no espaço público e é exatamente por isso que a política é instituída como introdução de uma racionalidade prudencial capaz de assegurar que o conflito das paixões não seja eliminado (pois ele define a condição natural dos seres humanos), mas mediado pelo direito coletivo, garantindo um poder que sustente uma sociabilidade segura, pacífica e livre, ou seja, o que Espinosa chama de democracia ou poder popular absoluto. A multitudo espinosana é, ao mesmo tempo, a guardiã da democracia e o maior perigo contra democracia. Essa contradição é o coração da política. Já a multitudo de Negri não tem conflitos, não é travejada por paixões, não é contraditória, mas é inteiramente positiva. Tudo o que vier dela é bom. Eu digo que as paixões não têm freios, e quando elas estão ligadas à forma da propriedade e ao exercício do governo, você tem de realmente segurar a explosão passional ilimitada. A ideia de uma multitudo essencialmente libertária não foi pensada nem pelos anarquistas. E olha que anarquista adorava o exercício da violência como ação direta!
O plebiscito em vista da reforma política pareceria uma forma de fazer falar a multitudo… Mas há intelectuais e políticos de esquerda e de centro-direita que chamam de autoritária a proposta de plebiscito feita pela presidente Dilma. FHC disse isso. O PSDB está propondo um referendo…
Claro! Não é uma gracinha? O plebiscito é o uso perfeito da ideia de multitudo, e por isso os críticos querem impedir que as contradições se manifestem e que ela realize o trabalho político dos conflitos. Os críticos tomam a multitudo no sentido de turba enfurecida e manipulável. Politicamente incompetente. É inacreditável. É claro que querem, no máximo, um referendo… Como se nossos legislativos fossem subitamente tomados de consciência republicana e democrática e, por si mesmos, fizessem a reforma política. Estão querendo brincar com a gente? E mais, o plebiscito está previsto na constituição brasileira. De onde vem que é autoritário? Pelo contrário. É efetivamente uma consulta, uma expressão da democracia participativa e da soberania da multitudo, que para isso precisa ser amplamente informada a fim de poder deliberar.
  1. Veja comparou a presidente Dilma com Hugo Chávez…
Estou esperando a hora em que tivermos manifestações de direita iguais às da Venezuela, Bolívia, Chile, Argentina e Uruguai. O plebiscito pressupõe o direito à informação. Se a sociedade não estiver informada, será manipulada. E sabemos do papel da mídia para produzir a desinformação… Vai ser a próxima batalha.

Fonte: Cult

8 comentários

Eu comparo o diretor da Veja do DF aos mensaleiros do DEM e do mensalão mineiro.
Anônimo