7.16.2011

Casamento sob medida

Em busca de um parceiro com quem tenha mais afinidade, os brasileiros não hesitam em começar vida nova e o número de recasamentos no País dobra em uma década

Michel Alecrim e Rodrigo Cardoso

A equipe de ISTOÉ Online visitou uma empresa especializada em casamento e mostra, em vídeo, como os casais estão presenteando seus convidados. Alguns chegam a usar até ouro nas lembrancinhas :
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Por décadas, o “seja infinito enquanto dure”, de Vinicius de Moraes, foi lançado em mesas de bar, cartas açucaradas e investidas românticas. Agora, o famoso trecho do “Soneto da Felicidade” é usado por especialistas para explicar como os brasileiros estão encarando o casamento. Ele não precisa mais ser “até que a morte nos separe”, mas “bom enquanto durou”. Até porque as pessoas hoje em dia só se mantêm casadas por opção – não há mais o peso da imposição social ou econômica sobre a instituição matrimonial. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na última década, o número de casamentos subiu 28% e o de separações cresceu 43%. Mas o total de recasamentos (gente que casa uma, duas, três vezes) dobrou nesse período, de 65 mil em 2000 para 136 mil em 2009, último dado disponível. “O sonho do grande amor, do companheiro que faça a pessoa feliz permanece”, afirma a psicólogoa Maria Tereza Maldonado, autora do livro “Casamento, Término e Reconstrução”. “A diferença é que agora as pessoas sabem que ele não necessariamente vai durar para sempre.”

A expectativa em torno desse “bom” também mudou. Até pouco tempo atrás, os enamorados só se contentavam com a perfeição. Pares que se completassem, com os mesmos gostos, sonhos e ideais, numa simbiose idílica que costumava se romper aos primeiros tremores da implacável rotina. Atualmente, o exercício é retirar o manto das expectativas que cercam as relações amorosas e encarar o parceiro como uma pessoa real, com qualidades e defeitos. “O antigo amor romântico está dando lugar a um sentimento mais realista”, diz Junia de Vilhena, psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Isso não garante a durabilidade das relações, mas melhora significativamente sua qualidade durante o tempo que elas duram.
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DE NOVO
Michelly e Fábio Foja estão ambos no segundo casamento, uma tendência crescente

Foram as mudanças jurídicas – como a lei do divórcio, que hoje pode ser oficializado até em cartórios – e sociais dos últimos anos que abriram brecha para os recasamentos. A educadora Michelly Foja, 29 anos, e o analista de TI Fábio Foja, 33, pais de João, 3 anos, são um exemplo. Ambos terminaram o primeiro casamento alguns anos após trocar alianças. Segundo Michelly, a parte boa de já ter vivido uma união anterior é o fato de não superidealizar o atual marido. “Percebi que o parceiro perfeito, que vai fazer todas as minhas vontades, não existe”, afirma. A educadora diz estar muito feliz no casamento, mas procura manter o estigma do “para sempre” longe da relação. “Quero ficar do jeito que eu estou, casada, para o resto da vida. Mas sei que, se a coisa desandar, não é o fim do mundo. Essa consciência é importante para o nosso dia a dia.” Sabe-se que em momentos de crise econômica diminuem o número de casamentos e separações. Foi exatamente o que aconteceu no Brasil em 2009, na ressaca da crise detonada no fim de 2008. Na turbulência, ninguém quer mudar o status quo, pois tanto casar quanto separar implica gastar mais.

Está em curso ainda uma mudança de padrões. Digamos que, por muitos anos, o casamento caminhou dentro de uma fôrma número 37. Essa numeração, como ocorre com os sapatos, servia para os pés de muitos casais, apertava o calo de alguns e ficava largo para outros. A fôrma do matrimônio tinha o marido como cabeça do casal e a mulher como rainha do lar. Segundo Ailton Amélio da Silva, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e autor da analogia, hoje as uniões se flexibilizaram a ponto de poderem ser talhadas sob medida. “O casamento personalizado é o modelo que vai prevalecer pelas próximas décadas”, diz ele. Atualmente, já existem várias possibilidades. Há os que casam e vivem em casas separadas, mulheres mais velhas unem-se a homens mais jovens e até a união de pessoas do mesmo sexo está ganhando espaço. “A sociedade está mais tolerante e isso é ótimo”, completa Amélio.

A empresária Monique Benoliel, 50 anos, e o guarda-vidas Fábio Batista, 34, são um exemplo duplo das mudanças dos últimos anos. Ela está no quarto casamento e ele, no primeiro – embora tenha tido um filho de uma namorada. Este casal personifica outra tendência apontada pelo IBGE, a de matrimônio entre a mulher mais velha e o homem bem mais novo. Juntos há cinco anos, conheceram-se quando ele tinha 26 e ela 42. “Nunca tinha gostado de homens mais novos, mas ele é um idoso com idade de jovem”, diz. “Ele me deu estrutura emocional para me estabilizar profissionalmente.” Batista afirma que até hoje as pessoas acham que Monique é sua mãe, mas não se importa. “Ela não aparenta a idade que tem, é muito alegre.”
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NO PAPEL
Já com dois filhos, Jaime e Ana optaram por oficializar a relação em uma união estável
Mas o que leva as pessoas a abrir mão da sua confortável independência e dividir armários, expor as mais recônditas intimidades e partilhar grande parte da sua vida com alguém? A resposta é singela: o bom e velho amor. Segundo levantamento da revista “Time” nos Estados Unidos, 93% dos americanos casados e 84% dos solteiros apontaram o amor como o principal motivo para levar alguém ao casamento. “Nem mesmo o ‘engravidou tem de casar’ se aplica mais hoje”, diz a terapeuta de casais Lidia Aratangy, autora de “O anel que tu me destes – o casamento no divã”.

“Não vejo outra forma de uma pessoa subir ao altar que não movida pelo amor.” A frase é de um especialista em casamentos. Não na teoria, mas na prática. Do alto da experiência de três uniões desfeitas – está na quarta, e bem-sucedida, há 11 anos – o gestor de negócios paulista Carlos Alberto Gonçalves, 57 anos, foi colecionando lições, muito parecidas com as colhidas entre os mais tarimbados especialistas em relacionamento afetivo ouvidos por ISTOÉ, que dividimos com os leitores:
– Diminua as expectativas. “A perfeição no relacionamento não existe”, afirma Gonçalves.
– Por mais apaixonado que esteja, cultive a autoestima: “Além de fazer alguém feliz, a gente tem de casar para ser feliz. E eu me anulei várias vezes pensando apenas na felicidade de quem estava ao meu lado.”
– Case com alguém com quem tenha afinidades: “Essa história de que os opostos se atraem é balela.”
– Valores são inegociáveis: “Seu parceiro não deve ser uma cópia sua, mas tem de ter valores parecidos.”
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CONQUISTA
José Sérgio e Luiz André são o primeiro casal gay a obter
certidão de casamento: o STF legalizou a relação homoafetiva
A história das uniões de Gonçalves ilustra as transformações pelas quais a instituição do casamento passou ao longo das últimas décadas. Na primeira, quando ele tinha 28 anos, o gestor diz ter se mutilado emocionalmente, ao insistir no relacionamento já desgastado com a mãe de seus dois primeiros filhos, Leonardo, 28, e Letícia, 27. Oito anos mais tarde, no enlace seguinte e ainda anestesiado pelo divórcio, ele só foi descobrir as reais intenções da amada, quando, no cartório, ela bateu o pé para oficializar a união por meio da comunhão total de bens. Colocou um ponto final na relação ali mesmo. Sua filha Bárbara, hoje com 14 anos, é fruto do terceiro matrimônio, formalizado em uma igreja ortodoxa quando Gonçalves tinha 42 anos. A união com a mãe dela durou quatro anos. “Minha ex achou que eu seria 100% dedicado a ela, não queria que eu tivesse uma vida também ao lado de amigos”, conta. “Ela resolveu parar de trabalhar, virou uma dondoca e eu perdi o encanto.” Há 11 anos, ele divide o mesmo teto com a gerente de marketing Ana Paula Ramirez, 20 anos mais nova. Românticos, trocam torpedos, recados carinhosos e gostam de sair para celebrar datas comemorativas e projetos atingidos. O próximo é a construção de uma casa, para onde pretendem se mudar.

As novas configurações de casais também têm produzido mudanças na legislação. Uma delas é a consolidação da união estável como opção ao casamento civil tradicional. O termo firmado em cartório assegura direitos como pensão, herança, seguro de vida e plano de saúde. A arquiteta Ana Leote, 38 anos, optou pela união estável com o biólogo Jaime de Paula Filho, 45, depois de já terem um casal de filhos. Nesse relacionamento, que está no oitavo ano, ela acredita que deixou o romantismo um pouco de lado para viver uma relação mais racional. “Meu casamento anterior foi com meu primeiro namorado, era mais romântico. Agora as coisas ficaram mais práticas e objetivas. Queria um companheiro para dividir a vida, ter filhos, e ele estava disposto a isso também”, diz ela.

Com essa alternativa ao casamento civil, popularizaram-se também os contratos pré-nupciais. “Como a união estável pode ocorrer até entre pessoas que vivem em casas separadas, é preciso definir de quem são os frutos colhidos durante o relacionamento”, diz o advogado Sérgio Bermudes. O advogado Augusto Carneiro de Oliveira Filho ressalta que o contrato pré-nupcial “diminui o estresse da separação”. Segundo os especialistas, está aumentando o número de contratos pré-nupciais. Um dos maiores motivos é a insegurança em relação à união estável, por causa do temor da divisão do patrimônio. Outra razão seria o fator “infinito enquanto dure”: já sabendo que o casamento poderá chegar ao fim, o casal quer colocar tudo preto no branco para evitar atritos.

As conquistas dos casais gays se dão em outro ritmo. Todas marcadas pela esfera jurídica, com o Supremo Tribunal Federal (STF) abrindo caminho e espanando preconceitos e eventuais pressões de grupos religiosos. Em maio, o STF reconheceu a união homoafetiva como uma entidade familiar. No dia 28 de junho, o comerciante carioca Luiz André Rezende Sousa Moresi, 37 anos, e o cabeleireiro paulista José Sérgio Sousa Moresi, 29, realizaram o sonho de oficializar a união de oito anos. O casal registrou o enlace em um cartório de Jacareí (SP) e obteve a primeira certidão de casamento do Brasil emitida para pessoas do mesmo sexo. Para eles, o matrimônio não é uma instituição falida. “Eu queria poder escrever casado em uma ficha cadastral, na frente do tópico estado civil”, diz o comerciante. “Também queria carregar o sobrenome do Serginho no meu documento de identidade. Casar era a melhor forma de consolidar o que a gente já vive.” Com a primeira meta alcançada, eles pretendem adquirir uma casa. “Antes, o banco não aceitava que a gente juntasse nossas rendas. Também só podíamos abrir uma conta conjunta se fôssemos sócios de uma empresa. Nós não éramos sócios, mas uma família”, afirma Moresi.
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LIÇÕES
Carlos Gonçalves (acima) está no quarto casamento. Experiências anteriores favoreceram
a relação com a atual mulher, Ana Paula. Thiago e Simone vão se casar na igreja e no civil
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Na opinião da antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora de vários livros sobre o casamento, existe uma mudança de mentalidade em curso. “Os casamentos não são mais tão esquematizados como os dos nossos pais e avós. Agora os relacionamentos são mais complexos”, diz a antropóloga. Mas há um componente “como nossos pais e avós” que continua em alta: as festas de casamento. Aliás, estão cada vez mais espetaculares, luxuosas e dispendiosas – movimentam R$ 10 bilhões por ano (leia quadro). O cerimonialista Roberto Cohen atribui à necessidade de “marcar o rito de passagem” a sobrevivência dessa festa. “Mesmo depois de estarem morando juntos, os casais querem celebrar com os amigos”, diz ele.

A cerimonialista carioca Tatta Bidart, há mais de 20 anos no ramo, observa algumas mudanças. Os casais estão preferindo celebrar o enlace mais velhos e acabou a obrigação de a família da noiva custear a festa, por exemplo. “Os noivos já casam com independência financeira, com a vida profissional estabilizada, e assumem grande parte das despesas”, diz Tatta. Alterações de roteiro que não ofuscam o brilho dos olhos do casal de noivos Thiago Gomes Beserra, 28 anos, e Simone Patrice Zorzan, 25, de São Paulo. O empresário e a professora namoram há cinco anos, quitaram o apartamento que compraram juntos há um ano, e se casam em outubro, no civil e no religioso. Os pais de ambos, juntos há mais de três décadas, são citados por eles como um modelo de parceria a ser copiado. “Também por isso, vamos casar da maneira tradicional, com vestido branco de noiva, em uma capela, e dar uma festa para padrinhos e convidados”, conta Simone.
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CASAL ATUAL
Monique é mais velha que Fábio, uma tendência dos novos casamentos.
Eles formam uma família mosaico, pois têm filhos das uniões anteriores
Autor de “O Relacionamento Amoroso”, Ailton Amélio da Silva afirma que, mesmo sem as pressões sociais de outrora, existem forças psicológicas, como carinho, solidão, amor e apaixonamento, que podem levar um casal a se unir duradouramente ou não. “Mais do que valer a pena se casar, eu digo que não existe outra opção, porque, do contrário, se paga um preço psicológico muito alto.” Segundo Silva, há estudos que mostram que pessoas que dizem encontrar tudo no casamento, como amizade e sexo, são mais satisfeitas do que aquelas que buscam isso com mais de um. “Ter sexo com uma pessoa, amizade com outra e parceria com outros não gera fusão. Quando você vive isso tudo com uma pessoa só, há mais profundidade.” Não esquecendo de aposentar termos como metade da laranja, tampa da panela ou alma gêmea. Nem se frustrando, caso a união termine. “Sabe por que a maioria das pessoas se divorcia?”, pergunta a terapeuta Lidia Aratangy. “Para casar de novo.”
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Colaborou Bruna Cavalcanti

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