O MP continua com a faca nos dentes.
Advogados experientes sabem que as denúncias do Ministério Público nem sempre devem ser tomadas ao pé da letra.
Dizem que, até por dever de ofício, os procuradores devem pedir penas máximas, reservando aos juízes a missão de equilibrar a discussão e oferecer sentenças ponderadas no fim de um processo.
É assim que determinados defensores dos réus da ação penal 470
reagiram ao parecer de Rodrigo Janot, que propõe a prisão imediata dos
condenados, inclusive daqueles que têm direito aos embargos
infringentes.
O problema é que muitos advogados também diziam isso no ano
passado, quando Roberto Gurgel, antecessor de Janot na procuradoria
geral da República, lançou a teoria do domínio do fato e apresentou uma
denúncia duríssima, que deixou de levar em conta provas que contrariavam
e desmentiam pontos essenciais da acusação. O resultado foram penas
fortes apesar de provas fracas.
O parecer de Janot é seu primeiro ato importante diante da ação
penal 470 e, do ponto de vista político, mostra uma linha de
continuidade direta com o antecessor. O próprio Gurgel chegou a pedir a
prisão imediata dos réus assim que o julgamento terminou, no final de
2012, e nem os acórdãos haviam sido publicados. Na esperança de ser
atendido, esperou que o STF estivesse em recesso e apresentou o pedido a
Joaquim Barbosa, que o rejeitou.
O parecer coloca várias interrogações, na verdade.
Do ponto de vista de suas sentenças, os réus podem ser divididos em
dois grupos. Aqueles 13 que têm direito aos embargos declaratórios,
apenas, que terão seus pedidos de um novo exame das condenações debatido
a partir de hoje. O outro grupo envolve os 12 réus que têm direito aos
embargos infringentes, que permitem uma revisão de algumas condenações,
num debate que deve chegar ao primeiro semestre do ano que vem. Se a
proposta de Janot for aceita, todos começam a cumprir pena assim que
ocorrer o transito em julgado de suas sentenças.
O problema da proposta é que ela implica em atropelos e mistura condenações em fase desigual.
Mesmo a ideia de que os réus sem direitos aos embargos infringentes
deveriam começar a cumprir suas penas assim que seus casos individuais
fossem resolvidos implica em romper um princípio mais geral, da unidade
processual, afirmado com tanta ênfase em todo julgamento.
Foi em nome deste princípio que se impediu o desmembramento do
processo, aquele que teria permitido que 34 dos 37 réus fossem levados
para a primeira instância, quando poderiam ter mais oportunidades de
defesa – exatamente como acontece hoje, não custa lembrar, com a turma
do mensalão PSDB-MG.
Embora a unidade processual tenha se mostrado útil para garantir
penas mais rápidas e severas e pode-se até sustentar que era isso o que
se pretendia, o que se alegou é que não era possível fazer julgamentos
em separado para a mesma acusação.
Parece incoerente, agora, que se quebre essa unidade na fase final do julgamento.
Parece estranho só aplicar um princípio quando ele se mostrou desfavorável aos réus.
A ideia de mandar para a prisão os réus que tem direito aos
embargos infringentes por um crime determinado, como formação de
quadrilha, mas não podem pedir a revisão de outras condenações, como
corrupção ativa, tem outro inconveniente. Implicada em fatiar aquele
ritual conhecido com o “trânsito em julgado”, permitindo que um réu
cumpra pena por determinado crime enquanto aguarda a condenação
definitiva por outro.
Um advogado com quem conversei recorda um parecer de Sepúlveda
Pertence, um dos mais respeitados ministros do STF, hoje aposentado,
para quem este fatiamento só seria possível se não implicasse em mudança
de regime de prisão.
Ocorre que, de uma forma ou de outra, os embargos infringentes, se
forem aceitos, implicarão em mudança de regime. Na maioria dos casos, o
regime passa de fechado para semiaberto.
O que se teme, aí, é uma situação incoerente. O sujeito vai para a
cadeia e cumpre uma pena de prisão que, verificou-se depois, não era
merecida. Como fica?
Ou então começa a cumprir a pena pelo regime semi-fechado, válido
para duas condenações, e a partir do ano que vem, caso seja vencido nos
embargos, acaba em regime fechado. Faz sentido?
A experiência do STF é outra. Condenado a 13 anos e 4 meses de
prisão, o deputado Natan Donadon só foi levado para sua cela depois que
todas os recursos transitaram em julgado. Até então, pôde aguardar –
durante anos – em liberdade pelo julgamento de seus recursos.
Em qualquer caso, o parecer de Janot devolve ao julgamento da ação
penal 470 um ambiente de temperatura política, que se dissipou no
momento em que os embargos infringentes foram aprovados, na primeira
derrota de Joaquim Barbosa desde o início do processo.
Prevê-se um novo confronto entre os ministros, que pode ajudar a
responder a uma pergunta que terá vários desdobramentos: a maioria
assinalada na decisão sobre os embargos infringentes era uma composição
eventual e passageira, ou poderá valer para decisões futuras?
Profissionais de Direito que têm por habito monitorar os humores do
tribunal dizem que a proposta deve ser rejeitada. Não custa lembrar,
porém, que exercícios de adivinhação são sempre perigosos na Justiça
Paulo Moreira Leite
Paulo Moreira Leite
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