4.16.2013

Saude pública

Reflexões sobre políticas públicas de saúde

Drauzio Varella Os saudosistas que me desculpem, mas a Saúde Pública no país melhorou muito. Antes que você, leitor, fique revoltado, vou contar um caso pessoal.
Em 1950, um dia, acordei com os olhos inchados. Aos seis anos de idade, foi minha primeira visita ao pediatra. Morávamos no Brás, povoado por imigrantes italianos, portugueses, espanhois e árabes que fugiam da fome e das guerras, atraídos pelas fábricas espalhadas pelo bairro cinzento.
Criar filhos sem pediatra não era privilégio do Brás, mas a dura realidade dos bairros operários. Quando ouço louvarem o tempo dos médicos de família que visitavam doentes em casa e tomavam cafezinho na sala, imagino que deve ter sido ótimo para as famílias com poder aquisitivo para pagá-los. No lugar em que nasci, quando aparecia um homem com maleta de médico no portão das casas coletivas, a molecada na rua sabia que alguém estava à beira da morte.
Se assim era a vida a quinze minutos da Praça de Sé, numa época em que apenas 30% dos brasileiros moravam nas cidades, como seria a assistência médica nos confins do mundo rural?
O Brasil de hoje é outro. A população mais do que triplicou e migrou para o espaço urbano. Apesar de tudo, a assistência médica se disseminou pelo país. Precária, perdulária, desigual, mal organizada, alvo de manipulação a serviço de interesses políticos e de administradores corruptos, dirá você. Concordo, mas jamais tantos tiveram acesso a ela.
Até em pontos distantes do território e em cidades com milhões de habitantes, a maioria das mães consegue levar os filhos ao médico. Muitas vezes, precisam acordar de madrugada e esperar horas pelo atendimento, mas eles não passam a infância sem pediatra, como antes. Mesmo os hospitais públicos, em grande parte administrados precariamente, apresentam ilhas de excelência em alguns serviços oferecidos a pessoas que jamais poderiam sonhar em pagar por eles.
O Programa de Vacinações, por exemplo, é um dos maiores programas gratuitos do mundo; cobre a quase totalidade de nossas crianças e se torna cada vez mais completo. Estamos bem perto de vacinar 100% dos que nascerem no país.
Nosso Programa de Tratamento da Aids é referência mundial. A distribuição gratuita de antivirais mudou o panorama da doença não apenas no Brasil, mas serve de modelo para os países africanos e asiáticos mais assolados pela epidemia.
Em contrapartida, por que continuamos a ver hospitais sucateados, filas enormes às portas de prontos-socorros, macas nos corredores, mau atendimento e desrespeito aos usuários?
Em parte, por um mal entendido que persiste há mais de meio século: o de que hospitais e unidades de saúde devem ser administrados pelo Estado. A administração pública é antes de tudo burocrática e incompetente – para não dizer corrupta -; de fato, é obrigação do Estado oferecer serviços de saúde aos que não podem pagar por eles (e somente a eles), mas não a de geri-los. Instituições sem fins lucrativos como as Santas Casas, espalhadas pelo país há séculos, representam modelos alternativos de gestão comprovadamente mais ágil e que atende melhor às necessidades dos usuários e também porque políticas públicas de saúde destinadas apenas à população de baixa renda sempre funcionam precariamente.
Por que motivo os programas de vacinação e de tratamento da Aids deram certo? Porque servem a pobres e ricos. Quando faltam antivirais ou vacinas no Posto de Atendimento, as pessoas gritam e os jornais noticiam.
Quando faltam anticoncepcionais ou quando é negado o acesso a vasectomias e laqueaduras a mulheres e homens que têm o direito a elas garantido por lei, ignomínia social que condena gente pobre à miséria irreversível, quem noticia? Quem abre processo contra as autoridades que não cumprem a lei?

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