Truvada começará a ser distribuído pelo SUS ainda neste ano
É possível que pessoas não infectadas, mas que possuem maior vulnerabilidade
ao contágio, possam prevenir o contágio com o vírus do HIV utilizando
diariamente uma pílula antirretroviral (ARV). Parece utópico, mas essa realidade
já existe. A pílula, denominada PrEP, sigla de profilaxia pré-exposição ao HIV,
é também conhecida por Truvada, seu nome comercial. Trata-se de um
medicamento que combina dois tipos de retrovirais, o tenofovir e
emtricitabitina, que bloqueia o ciclo da multiplicação do vírus, caso ocorra
a infecção. Não é uma vacina, mas evidências científicas mostram que
o medicamento possui eficácia superior a 90% com o uso contínuo.
No mundo, há cerca de 36,7 milhões de pessoas vivendo com o HIV,
segundo dado da Organização Mundial da Saúde (OMS). A PrEP é um
grande passo no combate à doença, já que seu diferencial é atingir um
público que possui maior vulnerabilidade de se infectar e que, por
algum motivo, não consegue se proteger em todas as relações sexuais.
Fazem parte desse grupo a população transexual, casais soro discordantes
(quando um tem vírus e o outro não), homens que fazem sexo com
outros homens (HSHs) e profissionais do sexo.
De acordo com o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde,
o Brasil apresenta uma média de 40 mil novos casos de HIV/Aids
por ano. Nas pessoas consideradas deste grupo de risco, a prevalência
de HIV é de 5 a 10%, sendo que na população em geral o risco de
infecção é de 0,4%. Em alguns países no mundo, a taxa de
prevalência do HIV em mulheres transgêneras chega a ser 80 vezes
maior que a população adulta em geral (OMS). Profissionais do sexo
possuem 13,5% mais chances de serem infectadas. Diversas
questões como violência, barreiras legais, estigma e discriminação
dificultam o acesso para essa população.
O começo
A ideia de prevenir o vírus do HIV ganhou maior visibilidade com
Greg Owen, um irlandês homossexual que vivia em Londres,
trabalhava como barmen e que ao ouvir falar do Truvada decidiu pesquisar
a respeito e em como obtê-lo. Naquele momento, em 2015,
a PrEP ainda não estava disponível e uma prescrição privada custava
em torno de 500 euros por mês. Owen descobriu um estudo em
andamento que testava a eficácia do remédio, se inscreveu e começou
a publicar em seu blog atualizações sobre o programa do qual fazia parte.
Mas, em um dos testes de rotina, Owen descobriu que já havia contraído
o vírus. Mesmo devastado com a notícia, ele decidiu fazer desta situação
um meio para que outras pessoas não contraíssem a doença:
Owen criou o site IWantPrEPNow e lá publicava informações,
extensas pesquisas, atualizações e até formas viáveis de onde comprar
o medicamento. Em pouco tempo, Owen se tornara um ativista em
meio a uma agitada rotina de entrevistas e participações em programas
da mídia para ajudar mais e mais pessoas a saberem sobre a PrEP.
Em 2012 o Truvada foi aprovado pelo Food and Drug Administration
(FDA) como medida preventiva – antes o remédio era usado apenas
como tratamento - e desde então, seu uso vem aumentando.
PrEP no Brasil
Sistema Único de Saúde (SUS). Seremos o primeiro país da América
Latina a realizar essa medida, que terá investimento inicial de
US$ 1,9 milhão para a compra do medicamento, que será destinado
em um no primeiro momento a 7 mil pessoas que fazem parte das
populações-chaves em 12 estados brasileiros. O Ministério da Saúde
afirma que essa medida deverá aumentar conforme a demanda.
“O Brasil, mais uma vez, sai como um dos pioneiros na prevenção
e tratamento do HIV”, afirmou o ministro Ricardo Barros, durante entrevista
coletiva.
O estudo iPrEX já vinha sendo conduzido em quatro centros
de pesquisas no país financiados pelo Ministério da Saúde:
a Faculdade de Medicina da USP, pelo Centro de Referência e
Treinamento em DST/Aids, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
e pelo Hospital Partenon (Porto Alegre).
Uso do preservativo
Apesar de grande aliado ao combate à AIDS, a utilização da PrEP
não é substituta do preservativo, já que o medicamento não possui
100% de eficácia e ajuda na prevenção somente contra o HIV. O uso
da camisinha continua sendo o mais indicado para a prevenção
de outras doenças sexualmente transmissíveis, como a gonorreia
e hepatites, além de evitar a gravidez indesejada.
A PrEP surge como mais uma alternativa para lidar com o vírus da AIDS,
mas é importante que as pessoas continuem usando a camisinha como
forma de evitar o contágio com o vírus HIV. Nos últimos anos, percebeu-se
uma queda na compra de camisinhas e no uso do preservativo nas relações
sexuais, o que não é nada recomendado pelos médicos.
Dados do Target Group Index da Kantar IBOPE Media mostram que
nos últimos 5 anos, houve queda na compra (-21%) e no uso do
preservativo (-9%) entre brasileiros maiores de 18 anos.
Os números são ainda mais alarmantes entre o público jovem:
na faixa etária entre 18 e 24 anos, a compra da camisinha diminuiu
25% e o uso do preservativo em novos relacionamentos caiu 11%.
Talvez por não terem sido testemunhas de mortes em decorrência da
AIDS, já que hoje um soropositivo tem uma expectativa e qualidade de
vida muito melhor, os jovens podem estar negligenciando os cuidados
com a própria saúde.
Até mesmo a PrEP, por exemplo, é uma nova alternativa direcionada às
populações de risco – como casais soro discordantes – e não funciona
como uma “vacina” contra o vírus HIV. “A AIDS continua sendo uma doença
sem cura e que pode atingir a todas as pessoas”, alerta Eloisa Moreira,
diretora de pesquisa clínica da Kantar Health.
Informação ainda é aliada
A desinformação é outro grande desafio quando se fala da doença:
do total de brasileiros vivendo com AIDS, o Ministério da Saúde projeta
que cerca de 20% não sabe que têm a doença. Esse dado mostra o
quanto informação e prevenção são importantes para que mais
pessoas não contraiam e transmitam a doença. “Em grande parte
dos casos de HIV, não apenas a vida do indivíduo está em jogo,
mas também as vidas de seus parceiros”, ressalta Moreira.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) liberou a
comercialização de autotestes de HIV em farmácias no ano passado.
“O autoteste pode auxiliar em boa parte dos casos em que a
razão para a pessoa não realizar o exame é o medo do diagnóstico”,
enfatiza Moreira. Além disso, o SUS também oferece o exame
gratuitamente e sem a necessidade de identificação.
Mesmo com o número de casos diminuindo - a proporção de novos
casos em relação ao total da população caiu 5,5% em 2015 no
Brasil, segundo o Boletim Epidemiológico - os números da doença
continuam alarmantes. Só no Brasil, o número de mortes relacionadas
à AIDS foi estimado em 15.000 pela UNAIDS em 2015.
Vivendo com a doença
Além da nova medida de prevenção com a PrEP, o Brasil hoje tem
uma das maiores coberturas de tratamento antirretroviral (TARV) entre
os países de baixa e média renda, com mais da metade (64%) das
pessoas vivendo com HIV recebendo TARV, de acordo com dados do
Ministério da Saúde. O TARV evita que o HIV se multiplique no organismo.
Se a reprodução do HIV para, então as células imunes do corpo são
capazes de viver mais tempo e proteger o corpo contra infecções.
A AIDS não tem cura, mas com o avanço da medicina e tecnologias,
pode ser tratada com medicamentos, aumentando assim
consideravelmente o tempo e a qualidade de vida do paciente.
“O tratamento tem como objetivo manter a carga viral (de modo simples,
a quantidade de vírus no organismo do paciente) baixa. Os exames
periódicos permitem verificar se a carga viral permanece baixa ou
se aumentou; nesse último caso, os exames também podem identificar
mutações no vírus e, como consequência, qual alteração no
tratamento deve ser feita”, explica Moreira
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