6.20.2008

CIRURGIA DEVOLVE VIRGINDADE E VIDA A MULHERES MUÇULMANAS

A operação que estava sendo realizada em uma clínica privada no Champs-Elysées, em Paris, envolvia um corte de forma semicircular, 10 pontos de sutura degradável e um preço de US$ 2,9 mil, com desconto. Mas para a paciente de 23 anos, uma francesa de ascendência marroquina natural da cidade de Montpellier, o procedimento de 30 minutos representava a chave para uma nova vida: a ilusão de virgindade. Como cada vez mais mulheres muçulmanas que vivem na Europa, ela passou por uma himenoplastia, ou restauração do hímen, a fina membrana vaginal que normalmente só é rompida quando do primeiro intercurso. "Em minha cultura, não ser virgem é sujo", disse a estudante, acomodada em uma cama de hospital e à espera de cirurgia, na quinta-feira. "No momento, a virgindade é mais importante que a vida, para mim". À medida que cresce a população muçulmana da Europa, muitas jovens muçulmanas se vêem apanhadas entre as liberdades que a sociedade européia propicia e o apego das gerações de seus pais e avós às tradições mais profundas. Ginecologistas informam que, nos últimos anos, mais mulheres muçulmanas vêm requisitando certificados de virgindade para que os ofereçam como prova a seus potenciais parceiros matrimoniais. Isso, por sua vez, gerou demanda entre os cirurgiões plásticos por operações de substituição de hímen, as quais, caso conduzidas devidamente, dizem eles, não podem ser detectadas e servirão, na noite de núpcias, para produzir o sangramento vaginal que é tido como prova de virgindade. O serviço é anunciado abertamente na Internet; pacotes de turismo médico estão disponíveis para realizar a operação em países como a Tunísia, onde ela sai ainda mais barato. "Caso você seja uma mulher muçulmana criada nas sociedades européias, mais abertas, é muito fácil terminar fazendo sexo antes do casamento", disse o Dr. Hicham Mouallem, que trabalha em Londres e realiza esse tipo de cirurgia. "Assim, se a mulher deseja se casar com um muçulmano e não quer enfrentar problemas, ela pode tentar recapturar a virgindade". Não existem estatísticas confiáveis sobre o procedimento, porque ele é realizado principalmente em clínicas privadas, e em alguns casos não é coberto pelos planos de saúde públicos, bancados por impostos. Mas o tema da restauração do hímen é tão discutido que se tornou até tema de uma comédia que estréia nos cinemas da Itália esta semana. Corações Femininos conta a história de uma mulher nascida no Marrocos e radicada na Itália, que decide viajar a Casablanca para passar pela operação. Um personagem brinca que ela deseja devolver ao zero o marcador de quilometragem de seu corpo. "Compreendemos que aquilo que víamos como uma prática esporádica na verdade era bastante comum", diz Davide Sordella, o diretor do filme. "Essas mulheres podem viver na Itália, adotar nossa mentalidade e vestir jeans, mas nos momentos realmente importantes elas nem sempre têm a força de contrariar sua cultura". A questão é especialmente controversa na França, onde um debate renovado e como sempre feroz está sendo travado sobre um preconceito que muitos consideravam enterrado desde a revolução sexual do país, 40 anos atrás: a importância da virgindade feminina. O furor público surgiu com a revelação, duas semanas atrás, de que um tribunal de Lille, no norte da França, havia anulado o casamento de dois muçulmanos franceses, realizado em 2006, porque o noivo descobriu que, ao contrário do que alegava, sua noiva não era virgem. O drama doméstico tomou conta do país. O noivo, um engenheiro na casa dos 30 anos, cujo nome não foi divulgado, deixou o leito conjugal e anunciou aos convidados da festa de casamento, que ainda continuava, que sua noiva havia mentido sobre o passado. A mulher foi deixada na porta da casa de seus pais. No dia seguinte, ele procurou um advogado, para anular o casamento. A noiva, então estudante de enfermagem, na casa dos 20 anos, confessou ter mentido, no tribunal, e disse que aceitava a anulação. A decisão judicial não menciona a religião. Baseia-se, em lugar disso, no conceito de quebra de contrato, concluindo que o engenheiro havia aceitado o casamento com ela depois que sua futura mulher lhe foi descrita como "pura e casta". Na França republicana e laica, o caso acaba envolvendo diversos assuntos delicados: a intrusão da religião na vida cotidiana; os motivos que podem justificar a dissolução legal de um casamento; e a igualdade dos sexos. Esta semana surgiram apelos no Legislativo pela renúncia de Rachida Dati, a ministra da Justiça francesa, que anunciou que acataria a decisão, inicialmente. Dati, que é muçulmana, recuou e decretou um recurso. Algumas feministas, advogados e médicos afirmam que a aceitação pelo país do papel central da virgindade, em um casamento, poderia encorajar mais mulheres muçulmanas francesas de origem africana ou árabe a recorrer a cirurgias de restauração de hímen. Há muito debate quanto a isso, para tentar determinar se as cirurgias representam um ato de liberação ou de repressão. "O julgamento representou uma traição às muçulmanas da França", disse a escritora feminista Elisabeth Badinter. "Envia a essas mulheres uma mensagem de desespero ao alegar que a virgindade importa aos olhos da lei. Mais mulheres dirão a si mesmas que não podem correr esse risco, e por isso precisam recriar sua virgindade". O drama da noiva rejeitada persuadiu a estudante de Montpellier a realizar a cirurgia. Ela insiste em que nunca fez sexo, e que só descobriu que seu hímen havia sido rompido, segundo ela em um acidente de equitação quando ela tinha 10 anos, ao tentar obter um certificado de virgindade que iria apresentar ao namorado e à família dele. "Subitamente, ser virgem voltou a ser importante na França", ela disse. "Compreendi que eu poderia ser vista exatamente como a mulher de que todo mundo está falando na televisão".
Fonte: The New York Times

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