Quero
tratar mais sobre essa tema no futuro, aqui nas nossas conversas por
e-mail, mas é importante que todos vocês saibam: o Partido Militar, que
está exercendo seu poder no Brasil, não pretende largar o osso. Com o
desenrolar do fio mórbido da pandemia, fica cada vez mais nítido que as
Forças Armadas entraram com tudo na aventura bolsonarista e que relutam
em sair dela. Os generais viram em Bolsonaro, claro, um para-raio de
votos. Ele tem o carisma eleitoral que nenhum general teria – quantos
votos faria Mourão? Mas não viram (e não veem) no capitão fracassado a
liderança para os rumos do país. Quem apita, hoje, são os generais que o
circundam. É preciso lembrar de algumas coisas.
A
gestão assassina da crise humanitária em que nos metemos foi feita por
um general da ativa. A eventual responsabilidade, inclusive criminal,
pelas centenas de milhares de brasileiros mortos precisa ser direcionada
aos homens do Exército brasileiro, não a Bolsonaro isoladamente. Ou
alguém acredita que Eduardo Pazuello decidiu, sozinho, assumir o
Ministério da Saúde? Ele precisou de autorização oficial do Comando, que
libera seus homens como “órgão movimentador”, como é chamado
tecnicamente.
Ao
autorizar que um militar da ativa exerça função “fora da Força” – esse é
o jargão –, o chefe de Pazuello deve se ater ao regulamento que
estabelece os “princípios e normas gerais para a movimentação de
oficiais e praças da ativa do Exército”. O documento R-50,
que normatiza essas movimentações, diz que essa decisão precisa
considerar “a predominância do interesse do serviço sobre o individual”.
Não é Pazuello o gestor da pandemia, é o Exército, representado por
ele.
Eu
ainda não vi ninguém perguntar ao comandante Edson Leal Pujol coisas
como: “Qual o interesse do Exército em ter milhares de militares da
ativa exercendo cargos políticos no governo Bolsonaro?”; “O senhor acha
que é benéfico pra instituição a percepção popular de identificação das
Forças Armadas com a política do governo?”; “O senhor se manifestou
diretamente ao presidente Jair Bolsonaro, que é de sua turma, sobre a
presença massiva de militares no Executivo? Em que sentido: positivo ou
negativo?”.
Não
se enganem, o Partido Militar está ativo e em campanha de reeleição.
Com Bolsonaro? Talvez não. Outros nomes estão na mesa, entre eles o de
Sergio Moro. Dias atrás, Mourão foi escalado para fazer o papel de afastar as FFAA da gestão assassina da pandemia. Ele disse: "o ministro é um executor das decisões do presidente da República."
Mourão
não estava falando de Queiroga, o novo ministro da Saúde com nome de
personagem de alguma crônica do Luis Fernando Verissimo. Mourão está
pouco se lixando para ele. O general estava falando de Pazuello,
tentando tirar das Forças Armadas a responsabilidade pela pilha de
mortos. Havia uma expectativa de que, naturalmente, a covid fosse ser
dissipada durante a gestão Pazuello. Os méritos, claro, iriam para a
"eficiência das Forças Armadas". Como estamos, hoje, nadando em um mar
de quase 300 mil brasileiros sepultados, os generais estão tentando
bater em retirada. Em retirada do capitão, não do poder.
Na
semana passada, a revista piauí publicou uma reportagem na qual afirma,
com fontes em off, que dois meses antes da eleição presidencial de
2018, o então comandante do Exército Villas Bôas ouviu de Dias Toffoli,
que presidia o STF, “garantias” de que o Supremo manteria Lula preso
e longe das urnas. O texto foi lido por estudiosos do tema com os quais
eu conversei como um release dos militares, um recado explícito de que a
interferência eleitoral por parte dos fardados não vai parar. Uma fonte militar me disse:
“Para
o público interno (a base eleitoral e militante do Exército) a
reportagem é um press release no estilo ‘fiquem tranquilos, estamos no
controle’. Para o STF, o recado é: não só estamos no controle como
também sabemos muito… sobre os senhores ministros! Para o eleitor de
esquerda/centro-esquerda em geral: ‘Procurem uma frente eleitoral sem o
PT e sem Lula’. Para o eleitor fiel do PT: ‘Desistam de Lula’”.
Dias depois da reportagem da revista, o general Carlos Alberto Santos Cruz apareceu no Estadão defendendo uma candidatura de centro, longe de Lula ou Bolsonaro, e elogiando a Lava Jato.
Santos Cruz foi ministro da Secretaria de Governo e se afastou de
Bolsonaro depois que deixou o governo e representa, hoje, o papel de
“militar moderado” que mostra para a população a imagem de um Exército
que flutua acima das polarizações mundanas nossas aqui de baixo. Nós já
entendemos, general.
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